MEC atrasa autorização de novos cursos de Medicina; oito instituições já ofertam graduação por meio de liminar, como é o caso do UNIFuncesi, em Itabira  

Foto: Drazen Zigic
Freepik

Por Ana Claudia Ferreira Julio*

O Ministério da Educação (MEC) informou nessa quinta (27), que vai realizar em breve uma nova retificação no edital nº 1/2023, para autorização de novos cursos de medicina.

O prazo de submissão de propostas, cujo encerramento estava previsto para 5 de julho, tende a ser prorrogado por mais 90 dias em decorrência da tragédia no Rio Grande do Sul.

A retificação pretende ainda esclarecer questões frequentes, iniciativa que, segundo o MEC, busca evitar que essa prorrogação impacte na data de divulgação do resultado.

Problema de longa data

Retomada em 2023, após proibição da criação de vagas por cinco anos, a autorização para novos cursos de Medicina tem apresentado uma série de obstáculos por conta de sua relação com políticas públicas. 

“A questão maior está na vinculação do processo de autorização do curso à prévia existência de chamamento público. A tramitação não difere muito. Mas, para Medicina, as instituições não têm a mesma liberdade que é destinada aos demais cursos”, explica a especialista em Direito e Gestão Educacional do Barcellos Tucunduva Advogados, Ana Claudia Ferreira Julio.

No início de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que o “chamamento público” é necessário para Medicina, e que os novos cursos devem se adequar à Lei dos Mais Médicos (conferir em “Cronologia”).

Cursos sub judice

Outro ponto tratado pelo STF foi sobre solicitações “em andamento”, ficando definido que poderiam seguir o trâmite regular do processo de autorização os pedidos que já tivessem passado pela etapa inicial, de análise da documentação pelo MEC.

As próximas etapas incluem ainda: avaliação in loco pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (Inep); parecer do Conselho Nacional de Saúde (CNS); análise da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES); decisão e publicação da portaria de autorização pelo MEC.

Tal definição foi importante porque, nesse período de “congelamento” de novos cursos, diversas instituições de ensino obtiveram autorização, via decisão judicial, para que seus pedidos fossem recepcionados e analisados pelo MEC. (n.r.: é o caso do curso de Medicina, do UNIFuncesi, em Itabira).

Algumas chegaram a abrir novas turmas com lastro nestas decisões, e a demora de aprovação junto ao MEC gerou um clima de medo tanto para alunos, como para as instituições.

“Entendo a preocupação dos alunos, mas vejo como pouco provável que eles percam os créditos já estudados. O próprio STF, no julgamento, diz que os cursos autorizados com lastro em decisões judiciais deverão ser mantidos”, avalia Ana Cláudia.

Em relação às instituições de ensino, a especialista do BTLAW enxerga sob a mesma lógica. “Não vislumbro cenário de ‘debandada de alunos’ por conta das decisões do STF, que foram expressas em resguardar o direito das instituições que tiveram cursos autorizados por decisão judicial ou mesmo para aquelas que, também por decisão judicial, tiveram seus pedidos de autorização recepcionados pelo MEC, e ultrapassaram a fase de análise documental”.

Mais Médicos e a mudança nos critérios

Em 2013, foi promulgada a Lei dos Mais Médicos, com o intuito de diminuir as desigualdades regionais na área da saúde, reduzindo a carência de médicos nas regiões prioritárias do SUS.

Para a advogada, há aspectos positivos na legislação. “Houve significativo impacto no cenário nacional, com aumento na cobertura da atenção primária, redução de óbitos e internações evitáveis, e obteve-se um marco de 18.500 profissionais médicos em atuação pelo Programa”.

No entanto, também há aspectos negativos. “A formatura do aluno em determinada cidade não garante que ele permanecerá naquele local, atuando profissionalmente. E o critério prioritário por localidade é desaconselhado pela própria OMS, que indica um estudo com outros critérios, como densidade demográfica, renda per capita, entre outros aspectos”

Por fim, a especialista ainda destaca efeitos colaterais econômicos. “É um critério que interfere na livre concorrência. Isso pode resultar na escassez de oferta de vagas, aumento dos valores as mensalidades e, eventualmente, queda na qualidade”.

Cronologia

Em 2013: criada a Lei do Mais Médicos (Lei 12.871/2013), que estipulava abrir novos cursos de Medicina por meio de chamamento público. Esses editais determinam a abertura de vagas somente em regiões de saúde específicas, visando atender municípios com baixa quantidade de médicos.

Para se ter ideia, a OCDE estabelece 3,73 médicos a cada mil habitantes, o Brasil conta com 2,7 médicos/mil habitantes (dado de 2023) e o Mais Médicos pretende atuar em municípios com menos de 2,5 médicos/mil habitantes.

Em 2018: foi decretada uma moratória, proibindo a abertura de novas graduações de Medicina, o que gerou demandas na Justiça para garantir a continuidade de criação de vagas. Para viabilizar isso, decisões judiciais recorriam ao sistema geral de credenciamento de novas graduações no MEC, previsto na lei 10.861/04.

Em 2023: retorno da abertura para novos cursos de Medicina de fato com edital publicado em outubro e exigência das regras da Lei dos Mais Médicos. No entanto, cerca de 360 solicitações estavam em andamento – oito instituições, por exemplo, iniciaram a oferta da graduação por meio de liminar, mas ainda sem o aval final do Ministério da Educação (MEC).

Em junho/2024: STF julga que o “chamamento público” é necessário e que novos cursos devem se adequar à Lei. E que as solicitações “em andamento” poderiam obter a autorização apenas se já tivessem passado pelas etapas iniciais. Cerca de 160 faculdades se enquadravam nesses casos. 

*Ana Claudia Ferreira Julio, advogada especialista em Direito e Gestão Educacional, atua no escritório Barcellos Tucunduva Advogados (BTLAW).

 

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *