Marco Antônio Lage relata a Lula o drama de Itabira com o fim do minério e cobra reparação histórica

Foto: Carlos Cruz

Prefeito diz que União também tem dívida histórica com a cidade e reivindica apoio federal para reconstruir a economia diversificando sua base produtiva

Durante a inauguração do Centro de Radioterapia do Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD), o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) aproveitou a presença do presidente Lula, nesta quinta-feira (11) para apresentar, de forma direta e contundente, o cenário crítico que o município enfrenta com o avançado e inexorável esgotamento das minas da Vale em Itabira.

Ele lembrou que a cidade vive um momento decisivo, marcado pela dependência histórica da mineração e pela urgência de construir um novo modelo econômico, diversificado e independente da mineração.

“Presidente, Itabira está diante de um desafio que não é apenas econômico. É um desafio de identidade, de sobrevivência. O minério está acabando, e com ele se encerra um ciclo de mais de 80 anos. Precisamos construir um novo futuro e não temos como fazer isso sozinhos”, afirmou.

A dívida histórica com Itabira

No momento mais contundente de seu pronunciamento, Marco Antônio Lage recuperou episódios decisivos da história econômica do país para demonstrar que a contribuição de Itabira ultrapassa em muito os limites do município.

Ele lembrou que o minério extraído do pico do Cauê teve papel estratégico na Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil, ao lado dos Aliados, forneceu hematita de alta qualidade para a indústria bélica que enfrentava o avanço nazifascista. “O minério de Itabira ajudou a derrotar o nazifascismo. Isso não é retórica, é história. O mundo precisava de aço, e o aço precisava do nosso minério”, afirmou.

O prefeito também destacou que, ao criar a Companhia Vale do Rio Doce em 1942, o governo Getúlio Vargas impôs a Itabira uma isenção tributária para a Vale que perdurou até 1969, quando só então foi instituído o Imposto Único sobre Minerais (IUM).

Durante esse período, praticamente toda a hematita do Cauê, uma das jazidas mais ricas do planeta até então, foi extraída e exportada sem gerar tributos para o município.

“Foram mais de oito décadas em que a cidade viu sua montanha desaparecer sem receber o retorno devido. A riqueza saiu daqui para fortalecer o balanço comercial brasileiro, para financiar o desenvolvimento nacional, mas Itabira ficou com o vazio, com o buraco, com os passivos”, disse Lage.

Ele ressaltou que a Vale nasceu e se consolidou em Itabira, tornando-se uma das maiores mineradoras do mundo graças ao minério local, mas que a cidade não recebeu investimentos proporcionais ao que gerou.

“Presidente, Itabira deu muito ao Brasil. Deu riqueza, deu desenvolvimento, deu divisas. A Vale nasceu aqui, cresceu aqui e se tornou gigante graças ao que saiu do nosso subsolo”, afirmou.

O prefeito de Itabira também enfatizou que a União se beneficiou diretamente dessa riqueza, quando o minério de ferro foi decisivo para equilibrar as contas externas do país. “A União também se beneficiou enormemente dessa riqueza.

“Mas Itabira ficou com os passivos ambientais, sociais e econômicos. A verdade é que existe uma dívida histórica com o nosso povo. É hora de começar a pagá-la”, declarou, sendo aplaudido pelo público.

Segundo ele, reconhecer essa dívida é o primeiro passo para que Itabira possa construir um novo ciclo econômico, capaz de substituir a dependência da mineração e garantir futuro às próximas gerações.

Moradores de Itabira e região acompanharam o evento que simboliza um novo capítulo para a saúde pública (Foto: Filipe Augusto/Ascom/PMI)

Urgência, urgentíssima

Marco Antônio Lage reforçou com Lula que Itabira precisa de apoio federal para diversificar sua economia e evitar um colapso social quando a mineração chegar ao fim.

Ele acentuou que mais de 60% da arrecadação municipal ainda depende diretamente da atividade minerária, o que torna o cenário insustentável e exige ação imediata.

“Não estamos pedindo favor. Estamos pedindo justiça. Precisamos de investimentos estruturantes, de políticas públicas permanentes, de apoio para atrair novas indústrias, tecnologia, educação e saúde. Precisamos de um novo ciclo econômico que garanta emprego e dignidade para as próximas gerações”, afirmou.

Ao mencionar os passivos ambientais acumulados ao longo de décadas de exploração, o prefeito destacou que a cidade convive com barragens, áreas degradadas e um território profundamente marcado pelos impactos da atividade extrativa.

Para ele, a transição econômica de Itabira precisa necessariamente incluir a recuperação ambiental, a reorganização do território e a construção de uma nova base produtiva.

Nesse ponto, Lage citou o plano Itabira Sustentável, elaborado em parceria com a Vale como projetos estratégicos estruturantes para garantir a sobrevivência da cidade após o encerramento dos ciclos minerários. O quarto ciclo tem início em 2026, conforme anunciou a mineradora, com mais uma readequação da usina Cauê, para beneficiar minérios com menor teor de ferro, inclusive, e por certo, reaproveitar os rejeitos das barragens contendo ferro.

Ele explicou que o plano reúne projetos estruturais nas áreas de mobilidade, meio ambiente, inovação, educação, turismo e diversificação econômica — iniciativas capazes de preparar Itabira para um futuro sem mineração.

“Esse plano não é um documento simbólico. Ele aponta soluções reais para que Itabira continue existindo quando o minério acabar. Mas ele só será viável com a participação efetiva da Vale, que ainda precisa assumir seu papel nessa transição”, salientou.

Segundo ele, a empresa tem responsabilidade histórica e capacidade técnica para contribuir para essa urgente transição econômica. “Esperamos que essa parceria se concretize”, disse o prefeito.

O futuro é agora

Lage reforçou que o plano Itabira Sustentável representa a melhor oportunidade para transformar o município em um exemplo nacional de transição econômica justa. Para ele, trata-se de um projeto capaz de reposicionar Itabira no mapa do desenvolvimento, rompendo com a dependência mineral e abrindo espaço para novas matrizes produtivas.

Mas, como a própria história da cidade ensina, planos só têm valor quando se tornam realidade. E poucos, ao longo da história, têm-se tornado realidade.

Se permanecer sem sair do papel, uma vez que o pouco que já ocorreu é insuficiente e anterior ao plano, o Itabira Sustentável corre o risco de se transformar em um “case” de fracasso retumbante, um símbolo de omissão diante de uma transição que é necessária, urgente e inadiável.

E, nesse cenário, a imagem da Vale também sairia profundamente arranhada. A mineradora, já marcada pelos desastres e mortes de Mariana e Brumadinho, teria dificuldade em explicar ao país – e ao mundo – por que não contribuiu para reparar, ao menos em parte, a dívida histórica acumulada com a cidade que lhe deu origem e sustentação.

Afinal, se assim acontecer, que município, no Brasil ou no exterior, se disporia a receber uma empresa que extrai riquezas e deixa para trás um rastro de devastação e abandono?

É essa pergunta que paira sobre Itabira, que teme o fantasma da exaustão. Se nada mudar, o destino da cidade após o fim do minério será o retrato mais cruel dessa lógica, tornando-se próxima de uma “cidade fantasma”.

O futuro, portanto, está para acontecer – e é agora. E o que se fizer, ou deixar de fazer, nos próximos anos definirá se Itabira será lembrada como a cidade que viu sua montanha desaparecer recebendo muito pouco em troca ou como a cidade que, apesar de tudo, soube se reinventar.

Lula, no entanto, em seu pronunciamento não abordou os pontos levantados pelo prefeito sobre a mineração e seus impactos, evitando assumir compromissos públicos em relação a um tema considerado central para o futuro de Itabira.

Nos bastidores, o presidente teria sinalizado disposição para dialogar com a Vale sobre a possibilidade de instalar no município uma indústria de beneficiamento de minério, mas sem anunciar qualquer medida oficialmente durante o evento.

A eventual implantação de uma planta de processamento, seja de minério ou de rejeitos, é vista como positiva, mas não altera, por si só, o atual quadro estrutural de forte dependência econômica da mineração.

Trata-se de uma iniciativa que pode agregar valor à produção da Vale, gerar empregos e impostos, mas em nada muda a atual situação de extrema dependência à mineração.

Um gesto simbólico
Marco Antônio presenteia Lula com a camisa do Valério em gesto que reforça a expectativa por novas parcerias (Foto: Filipe Augusto/Ascom/PMI)

Ao final da cerimônia, Marco Antônio Lage presenteou o presidente Lula com uma camisa do Valério.

O prefeito explicou que o gesto simbolizava “o reconhecimento da cidade e a esperança de que o governo federal esteja ao lado de Itabira neste novo capítulo de sua história”.

O mimo arrancou risos e aplausos, mas também carregou um significado político claro: a cidade busca parceiros para enfrentar o pós-mineração e espera ter em Lula um grande aliado.

Lage destacou que a entrega do acelerador linear instalado no HNSD representa não apenas um grande avanço para a saúde regional, mas também um sinal de que Itabira pode – e deve construir um futuro para além do minério.

Ao encerrar seu pronunciamento, o prefeito reforçou que Itabira está pronta para iniciar esse processo, mas precisa que a União e a Vale também assumam suas responsabilidades. “Estamos abrindo um novo ciclo. Queremos que este momento seja lembrado como o ponto de partida da reconstrução econômica de Itabira”, afirmou.

É assim que, para Marco Antônio Lage, a inauguração do Centro de Radioterapia não é apenas a entrega de um serviço essencial, mas o símbolo de uma cidade que luta para garantir futuro às próximas gerações. E que espera, finalmente, ver reconhecida a contribuição que deu ao Brasil e ao mundo.

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