Mais um crime de ódio em um país onde a vida está sempre em risco

Rafael Jasovich*

Um horror, e o que eu mais temia: que, com a liberação das armas (uma promessa de campanha de Bolsonaro), com toda a propaganda a respeito de armas de fogo, esse tipo de massacre passasse a ser mais comum no Brasil. Crime de ódio.

Foi o que se materializou em São Paulo, muito perto da gente, o pior terror de uma família. Se a morte de uma criança é chocante, ser baleada na escola, espaço seguro da rotina diária e do crescimento dos sonhos, é aquele pesadelo sobre o qual a gente não quer nem pensar.

Eram dois adolescentes os que simplesmente entraram atirando em outros meninos e meninas.

Cinco deles e uma pessoa que trabalhava na escola morreram. Há outros no hospital. Os atiradores se mataram quando a polícia chegou.

Para mim, pelo menos, o mais chocante é o preparo. Eles tinham diversas armas, diversos planos.

Não foi num rompante de raiva, num ato de loucura nem no descontrole que essa matança se organizou.

Esses rapazes se prepararam durante um tempo considerável. Conversaram várias vezes sobre o planejamento. Conseguiram as armas.

É um plano detalhado até chegar a essa barbárie e ninguém percebeu que ele estava sendo tramado nem conseguiu impedir.

Agora, muita gente vai falar daquilo que conhece e prefere, não do horror impossível de entender.

Muita gente enfrenta a dor fingindo que ela não existe e essa é a melhor forma de sofrer de novo.

A falta de valorização da vida é uma tônica no dia-a-dia e nos discursos da nossa sociedade. Principalmente de aqueles que detêm o poder político.

Para alguns, há vidas que valem e outras que não valem. Para outros, como esses rapazes que atiraram, nenhuma vida vale, nem a deles próprios.

Quantas coisas são mais importantes que a vida na cabeça de um adolescente que entra atirando numa escola e depois se mata? A motivação está numa sociedade permeada pelo ódio.

E a vida também não vale nada para quem falsifica relatório de risco de barragem, coloca meninos para dormir em contêineres, atenta contra a vida de quem tem ideologia diferente.

Se a ganância, a soberba, a arrogância, a vaidade e a sensação de poder são mais valiosas que a vida, ela está sempre em risco.

Num país onde 60 mil vidas são ceifadas com violência todos os anos, nossa tendência é discutir temas paralelos para evitar o desconforto, o medo, a sensação de impotência.

Pelo menos por hoje, não caia nessa tentação.

Pelo menos por hoje, tente identificar o que a rotina tem te feito colocar adiante daquilo que é mais importante na vida.

Pelo menos por hoje, tente identificar os gatilhos que te fazem sair do prumo de aproveitar a vida e te jogam numa espiral de tensão, belicosidade, nervosismo.

Pelo menos por hoje, diga para as pessoas que são importantes para você o quanto a vida delas é importante.

Pode parecer uma gota d’água no oceano, mas tudo tem um começo.

Somente juntos nós saímos da escuridão.

*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional

 

 

 

 

1 Comentário

  1. Caro Jasovich, seu artigo eu assino. Acompanhei as reportagens desse massacre, entre as notícias, a de que o feicebuque poderia tê-lo evitado, mas a plataforma que não quer ser imprensa, não fez nada. E naquele dia eu pude ver, ouvir outro fato chocante: a Rhylary, a estudante que lutou como uma garota e evitou o assassinato de dezenas de estudantes (aliás aquele grupo amedrontado poderia ter derrubado um dos assassinos, mas o medo não lhes deixou ver), pois bem a Rhylary ajudou o José Victor, que correu até o hospital com uma machadinha cravada nos ombros, a chegar ao hospital e me impressionou que o moleque agradeceu o Brasil, a namorada, aos os amigos e não se dignou agradecer a Rhilary. Ele quer ser o HERÓI – uma parada perigosa – quer ser o único protagonista dessa macabra história. O que ficou se tornou tão chocante como aquele assassinato em massa.

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