Lei que estabelece a igualdade e assegura liberdade aos cristãos novos é resgatada
Mauro Andrade Moura
Passados 245 anos da promulgação da Lei da Igualdade e Liberdade entre os povos do reino português, nomeadamente entre cristãos novos (judeus) e cristãos velhos, por D. José em 1773, enfim, conseguimos esta lei publicada na íntegra e original.
Importa dizer que a recolha deste original da lei foi realizado pela professora. Margarida Silva Castro, na cidade de Lisboa, em janeiro de 2019.
Esta lei consiste em três partes, sendo a primeira o direito de ir e vir:
…“E por sermos nesta causa requeridos pelos ditos Cristãos Novos, e querendo-lhe fazer graça, e mercê por esta presente carta, lhe outorgamos, e queremos, e nos praz, que daqui em diante a dita Ordenação, e Defesa, que lhe tínhamos posta para de Nossos Reinos, e Senhorios se não irem sem nossa licença não haja mais lugar, e revogamos, e havemos por nenhuma, e de nenhum vigor, e força, e nos praz, que aqueles, que de Nossos Reinos, e Senhorios se quiserem ir para Terra de Cristãos e possa livremente fazer, e cada vez que lhe aprouver assim por Mar, como por Terra com suas mulheres, e filhos, e todas suas fazendas, sem por elo lhe ser feito a eles, nem aqueles que os levarem em suas Naus, e Navios, e assim por Terra constrangimento algum, nem incorrerem em pena alguma; e aqueles que forem poderão tornar a Nossos Reinos, e Senhorios livremente, quando quiserem, e lhes bem vier, e neles estar se quiserem, e em suas idas, e vindas não receberem a opressão, constrangimento, nem sem razão alguma, e serão assim os que ficarem como os que se forem, e depois tornarem favorecidos, e bem tratados em todas suas coisas assim como os próprios Cristãos Velhos Nossos naturais. Item revogamos, e havemos por revogada assim mesmo a Ordenação, e Defesa que tínhamos posta por qual defendemos, e Mandamos, que os ditos Cristãos Novos não pudessem vender seus bens de raiz.”…
A segunda parte, em especial o direito da venda de seus bens e fazendas, ou escambar:
…”Item nos praz desobrigar, e havemos por desobrigados todos aqueles, que temos mandado, que deem fianças por se não irem destes Reinos sem nossa licença; e aqueles, que as tiverem dadas, nos praz, que sejam desobrigados das ditas fianças, e assim todos seus fiadores, e livremente poderão fazer de si o que lhes prouver, e de suas fazendas, e em sua estada, ou partida, o que lhes melhor vier no modo, que acima lhe outorgamos, e de todas, e de cada uma das cousas sobreditas os fazemos livres, e os desobrigamos, e queremos, e nos praz, que por bem das ditas obrigações, e defesas, que sobre as ditas coisas eram feitas, lhe não sejam feito constrangimento algum.
Item lhe prometemos, e nos praz, que daqui em diante não faremos contra eles nenhuma Ordenação, nem defesas como sobre gente distinta, e apartada; mas assim nos praz, que em todos sejam havidos, favorecidos, e tratados como próprios Cristãos Velhos, sem deles serem distintos, e apartados em coisa alguma. Porém o notificamos assim a todos nossos Corregedores, Juízes, Justiças, Alcaides, Meirinhos, e todos outros Oficiais, e pessoas, a que esta nossa Carta for mostrada, e o conhecimentos dela pertencer, e lhe mandamos, que em todo lhe cumpram, e guardem, e façam inteiramente cumprir, guardar, como nela é conteúdo, sem lhe irem, nem consentirem ir contra coisa alguma do que por esta lhe outorgamos, ou parte dela, porque assim é nossa mercê. “…
A terceira parte, ponto crucial, a igualdade entre os cristãos novos e os cristãos velhos:
…”Não pode deixar de fazer as mais assíduas indagações para investigar, e descobrir a causa, com que nos meus Reinos, e domínios se introduzi-o, e fez grassar a dita distinção de Cristãos Novos, e Cristão Velhos; não como a Igreja Universal, e as Particulares o tem praticado, para provarem a firmeza da Fé dos convertidos; mas sim para daquela inaudita distinção se deduzir a perpétua inabilidade, que por aquele longo período de tempo tem infamado, e oprimido um tão grande número dos Meus fieis Vassalos.
E esta se cumprirá tão inteiramente como nela se contém, sem dúvida, ou embargo algum, qualquer que ele seja. Para o que Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Conselho Geral do Santo Ofício; Mesa da Consciência, e ordens; Regedor da Casa da Suplicação; Junta da Inconfidência; Conselhos da Minha Real Fazenda, e dos Meus Domínios Ultramarinos; Governador da Relação, e Casa do Porto; presidente do Senado da Câmara; Governadores das Armas. Capitães Generais; Desembargadores; Corregedores; Ouvidores; Juízes; Magistrados Civis; e Criminais destes Reinos; e seus Domínios; a quem, e aos quais o conhecimento desta, em quaisquer casos pertencer, que a cumpram, guardem, e façam inteira, e literalmente cumprir, e guardar, como nela se contém, sem hesitações, ou interpretações, que alterem as disposições dela; não obstantes quaisquer Leis, Regimentos, Alvarás, Cartas Régias, Assentos intitulados de Cortes, Disposições ou Estilos, que em contrário se tenham passado, ou introduzido; porque todos, e todas de Meu Motu próprio, Certa Ciência, Poder Real, Pleno, e Supremo, De rogo, e Ei por de rogados, como se deles fizesse especial menção em todas as suas partes, não obstante a Ordenação, que o contrário determina, a qual também De rogo para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor. E ao Doutro João Pacheco Pereira, Desembargador do Paço, do Meu Conselho, que serve de Chanceler Mor destes Reinos, Mando que a faça publicar na Chancelaria; e que dela se remetam Cópias a todos os tribunais, Cabeças de Comarcas, e vilas destes Reinos, e seus Domínios; registrando-se em todos os lugares, onde se costumam registar semelhantes Leis; e mandando-se o Original dela para a Torre do Tombo. Dada no palácio de Nossa Senhora da Ajuda, aos vinte e cinco de Maio de mil setecentos setenta e três.
Nota-se que nessa data, o primeiro ministro português era o Marquês de Pombal, figura marcante na história de Portugal e sempre apresentado como um déspota. Entretanto, para mim, o seu maior feito foi exatamente esse decreto de lei promulgando a igualdade entre todos.
A cisão entre as pessoas do reino português foi implantada com a santa inquisição católica, perdurando este odioso tribunal até 18/21, com a decretação da extinção dele por D. João VI, neto de D. José, em 1821.
Estranhamente, essa lei de D. José de 1773 só era meio dita, somente que foi decretada a igualdade entre os cristãos novos e os cristãos velhos. Porém, a lei, em seu todo, é muito mais. Apresentando-nos o início da inquisição católica ainda no reinado de D. Manoel, o Venturoso, e o avanço da mesma no reinado de João III, filho daquele. E cada motivação de D. José para as devidas mudanças e a plena igualdade, ainda que tardia, conferida a todos os seus súditos, em especial aos cristãos novos, os antigos judeus.
Para quem fizer o caso de conferir, na íntegra a transcrição da terceira parte:
DOM JOSÉ por graça de Deus Rei de Portugal, e dos Algarves, daquém e d´além mar, em África Senhor de Guiné, e da Consta, Navegação, Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc. Aos Vassalos de todos os Estados dos Meus Reinos, e Senhorios, saúde. Em Consultas da Mesa do Desembargo do Paço, do Conselho Geral do Santo Ofício da Inquisição, e da Mesa da Consciência, e Ordens, Me foi presente.
Que havendo a Igreja na sua Primitiva Fundação; no seu sucessivo progresso; e na propagação dos Fieis, que a ela se uniram; recebido no seu regaço, como Mãe Universal, Gentios, e Judeus convertidos; sem distinção alguma, que fizesse diferentes uns dos outros por uma separação contrária à Unidade do Cristianismo, que é indivídua por sua natureza.
Sendo o sangue dos Hebreus o mesmo idêntico sangue dos Apóstolos, dos Diáconos, dos Presbíteros, e dos Bispos por eles ordenados, e consagrados.
Sendo este sempre o constante, e inalterável espírito da mesma Igreja, e da Doutrina, e Disciplina, que dele, e delas emanaram em todos os Dezoito Séculos da sua duração; sem outras modificações, que não fossem; a de que os Neófitos batizados depois de adultos, como recentemente convertidos à Fé, se reputavam por Cristãos Novos; e por Cristãos Velhos os que por muito tempo perseveravam na Fé por eles professada, quando recebiam o Sacramento do Batismo; para se suspender aos Primeiros a Colação das Honras, e Dignidades Eclesiásticas, em quanto não excluíam com a sua firmeza a presunção de voltarem ao Vômito; e para os Segundos não só ficarem pela sua perseverança inteiramente hábeis nas suas Pessoas para tudo o referido; mas também para transmitirem esta Canônica habilidade, e legitimidade a todos os seus Descendentes, que como Eles viveram na mesma santa crença de seus Pais, e Avós convertidos.
Sendo este sempre o mesmo constante espírito, e a mesma sucessiva, e inalterável Doutrina, com que a Sede Apostólica, e os sumos Pontífices, Cabeças Visíveis da mesma Igreja, honraram os Filhos, Netos, e mais descendentes dos próprios Judeus, que no Gueto da Cidade de Roma, e de outras Sinagogas, se converteram à Santa Fé Católica; conferindo-lhes todos os Ofícios Civis; todos os Benefícios, a Dignidades Eclesiásticas; os Bispados, Arcebispados, e Púrpuras Cardinalícias; sem exceção , ou reserva alguma.
Sendo este espírito, e a esta Doutrina da Igreja Universal, o mesmo espírito, e a mesma Doutrina das outras Igrejas Particulares de todas as Nações mais pias, e ortodoxas da Cristandade.
Sendo este direito, e estes fatos, que nele se estabelecem, de uma demonstrativa certeza por si mesma notória.
E vendo a referida Mesa do Desembargo do Paço, que aos sobreditos respeitos se achava a Igreja Lusitana de mais de cento e cinquenta anos a esta parte em uma diametral contradição, não só com as referidas Igrejas Particulares das Nações mais Católicas; mas também até com a mesma Igreja Romana, Mãe, e Mestra de todas as outras Igrejas Particulares, que dela não podem separar-se sem abuso, e ofensa da União Cristã.
Não pode deixar de fazer as mais assíduas indagações para investigar, e descobrir a causa, com que nos meus Reinos, e domínios se introduzi-o, e fez grassar a dita distinção de Cristãos Novos, e Cristão Velhos; não como a Igreja Universal, e as Particulares o tem praticado, para provarem a firmeza da Fé dos convertidos; mas sim para daquela inaudita distinção se deduzir a perpétua inabilidade, que por aquele longo período de tempo tem infamado, e oprimido um tão grande número dos Meus fieis Vassalos.
Ponderando a mesma Mesa por uma parte, que em efeitos das suas aplicações, viera a verificar pela notoriedade de fatos históricos da mais qualificada certeza, cronologicamente deduzidos; e por Documentos autênticos, e dignos do mais inteiro crédito; que desde o glorioso Governo do Venerável Rei dom Afonso Henriques até o Governo do Senhor Rei Dom Manoel, nem ainda os mesmos Judeus das Sinagogas destes Reinos tiveram neles a exclusiva dos Ofícios Políticos, e Civis, que depois se maquinou contra os Novos Convertidos.
Em tal forma, que no Reinado do Senhor Rei Dom Fernando, o Hebreu Dom David foi seu grande Privado; o outro Judeu Dom Judas Tesoureiro Mor do seu Real Erário.
No Reinado do Senhor Rei Dom João o I consta, que não só dera Privilégios aos Hebreus convertidos, por mercê do ano de mil quatrocentos vinte e dois; mas também; que havendo-lhe apresentado o seu Físico Mor Moisés uma Bula do Santo Padre Bonifácio Nono, datada em Roma a dois de Julho de mil trezentos quarenta e sete; e determinando ambas as referidas Bulas.
Que Nenhum Cristão violentasse os Judeus a receberem o Batismo : Que lhes não impedissem as suas festas, e solenidades : Que lhes não violassem os seus cemitérios : E que se lhes não impusessem tributos diferentes, e maiores daqueles, que pagassem os Cristãos das respectivas Províncias.
Ordenou aquele grande Monarca em Provisão de dezessete de julho de mil trezentos noventa e dois.
Que aos mesmos Hebreus fossem pontualmente observados todos os referidos Privilégios; seguindo nisto o exemplo da Cabeça Visível da Igreja; com o mesmo fim de afeiçoar, e atrair a Ela os referidos Hebreus.
No Reinado do dito Senhor Rei Dom Manoel, quando (depois da expulsão dos mesmo Judeus, ordenada no ano de mil quatrocentos noventa e seis) a irrisão, com que a plebe de Lisboa chama Cristãos Novos aos Conversos que tinham ficado neste Reino, causou o horroroso motim, que padeceu a Cidade de Lisboa no ano d mil quinhentos e seis; ocorreu logo o mesmo Pio, e Iluminado Monarca, que tinha ordenado a dita expulsão aos Hebreus Profitentes, a obviar as divisões, e os estragos, que aquela perniciosa denominação tinha feito nos seus Vassalos; não só naturalizando todos os ditos Novos Convertidos pela sábia Lei do primeiro de Março do ano próximo seguinte de mil quinhentos e sete; mas também passando a constituir nela a favor dos mesmos Novos Convertidos o título oneroso, que lhes foi concedido nas palavras.
“Item lhes prometemos, e Nos praz, que daqui em diante não faremos contra eles nenhuma Ordenação, nem defesa, como sobre Gente distinta, e apartada; mas assim nos praz, que em todo sejam havidos, favorecidos, e tratados como próprios Cristãos Velhos, sem deles serem distintos, e apartados em coisa alguma.”
Lei, e Título, que no Reinado próximo seguinte se repetiram pela outra igual Lei de dezesseis de Dezembro do ano de mil quinhentos vinte e quatro.
Ponderando por outra parte, que pelo exame, que fizera nos Estatutos de todas as Dioceses, nas Constituições de todas as Ordens Regulares, e nos Regimentos de todos os Tribunais destes Reinos, tinha verificado, que contra as disposição das referidas Leis, não houvera distinção de Cristãos Novos, e Cristãos Velhos, nem Inquirições a ela respectivas, antes da funesta maquinação abaixo declarada.
Ponderando por outra parte, que sendo o sobredito estado o que constituía o sistema de todas as Leis Eclesiásticas, e Seculares, e dos louváveis, e nunca alterados costumes de Portugal; quando no Governo infeliz de El Rei dom Henrique se tratou da sucessão da Coroa Vacilante destes Reinos; sendo um forte Partido; e tendo maquinado os denominados Jesuítas; não só fazerem passar a mesma Coroa a Domínio estranho com colisão, que foi manifesta por todas as Histórias; mas também dividirem, e dilacerarem todas as Classes, Ordens, e Grêmios do mesmo Reino; com o outro objeto de assim lhes tirarem as forças, com que viram que haviam de procurar refletir aos seus enormíssimos atentados; não houve estratagema, que não maquinassem com aqueles dois fins; já suscitando aquela sedosa distinção de Cristãos Novos, e Cristãos Velhos reprovada pelas sobreditas Leis dos Senhores Reis Dom Manoel, e Dom João III; por se ter visto pelo caso do motim do ano de mil quinhentos e seis, que era o Estratagema mais adaptado para causar divisões populares, e tumultos; já indo excogitar no então novo Estatuto da Sé de Toledo (que nela fora poucos anos antes sugerido, e introduzido com os semelhantes fins particulares, e carnais, que causaram a Espanha as controvérsias mais ardentes) um pretexto para autorizarem, e introduzirem nestes Reinos aquela Reprovada Distinção; já inventando, que Violante Gomes, Mãe do sobredito Dom Antônio, tinha sangue dos ditos Novos Convertidos, para inabilita-lo por Cristão Novos; já trabalhando para exclui-lo (como excluíram) com o referido pretexto pelo despotismo, com que naquele tempo obravam nas Três Cortes de Lisboa, de Madrid, e de Roma; já prosseguindo na mesma Cúria em Causa comum com os Ministros Espanhóis daquele crítico tempo (e com o mesmo objeto da divisão, a dilaceração dos Meus Vassalos) em fazer valer a dita sediosa distinção com o clandestino, e extorquido Breve, que se dirigiu à Universidade de Coimbra em Nome do Santo Padre Xisto V, para que os chamados Cristãos Novos não fossem providos nos Benefícios dela; com o outro Breve expedido em Nome do Santo Padre Clemente VIII a dezoito de Outubro do ano de mil e seiscentos, para ampliar a dita proibição a todas as Dignidades, Canonicatos, e Prebendas das Catedrais, Colegiadas, e até às Paróquias, e Vigairarias com Cura de Almas; com o outro Breve expedido em Nome do Santos Padre Paulo V em dez de Janeiro de mil seiscentos e doze; já tomando por pretextos os referidos Breves, (obreptícios, sub-reptícios, e extorquidos com as narrativas falsas causas) a fim de que por efeito da mesma conhecida Prepotência, com que obraram naquelas calamitosas conjunturas, estabelecem com as suas irresistíveis intrigas, até por Alvarás, e Cartas do mesmo Governo estranho, (por Eles introduzido neste Reino) a dita Exclusiva dos chamados Cristãos Novos para não entrarem nos empregos, e Ofícios de Justiça, ou Fazenda Real; e para constrangerem os Prelados Diocesanos, os seus respectivos Cabidos, as Ordens Regulares, (que sempre oprimiram) e ultimamente até as mesmas Ordens Militares, a fazerem Estatutos Exclusivos dos ditos chamados Cristãos Novos; e a impetrarem na Cúria de Roma as Confirmações deles; em que os Curialistas, que expediram os referidos Breves, ficaram tão inconciliavelmente contrários e a si mesmos, que os Irmãos, e Primos com Irmãos dos mesmos, que em Portugal faziam Cristãos Novos, inábeis, e infames, eram com o seu mesmo sangue ingênuos, e hábeis na Corte de Roma, e seus Estados, para todas as Dignidades, e Honras Eclesiásticas, Políticas, e Civis acima indicadas; além de laborarem os mesmos Breves nas ob-repções, e notórias sub-repções, que desde o princípio os manifestaram ineficazes por sua natureza; como diametralmente contrários ao Espírito da Igreja Universal; ao dos Cânones Sagrados; ao de todas as Igrejas Particulares; e ao do Sistema das Leis, e dos louváveis costumes deste Reinos.
Ponderando por outra parte, que havendo sempre a Igreja procurado atrair com prêmios os Catecúmenos, e Novos Convertidos; e tendo-o assim praticado os Apóstolos, e os seus Sucessores, desde a Primitiva Igreja até o dia de hoje; de forte que os Cânones até os chegaram a absorver das soluções dos Dízimos; era fácil de ver, que se o prêmio das Conversões em Portugal houvesse de continuar em ser uma perpétua infâmia, uma perpétua segregação, e uma perpétua inabilidade de todas as Pessoas dos Novos Convertidos, e dos seus Descendentes; seria impossível que houvesse Conversões verdadeiras, em quanto a Divina Onipotência não obrasse um milagre superior a todas as causas naturais, para suspender os efeitos delas nas vocações dos mesmos Convertidos. A mesa da Consciência, e Ordens, depois de concordar com tudo o referido, acrescentou, que naquele Tribunal se não conheceram Inquisições de genere até o tempo dos sobreditos Breves introduzidos nas Ordens Militares com a sobredita Prepotência. E finalmente o Conselho Geral, guiado pelas luzes da Consulta da Mesa do Desembargo do Paço, que nele mandei ver, e também com ela conforme igualmente; Me representou.
Que fazendo examinar, e combinar, por uma parte nos seus Arquivos, se tinha havido as referidas Inquirições de genere anteriores aos ditos Breves; lhe constou por um completo exame, que tais Inquirições não tinha havido; quando aliás lhe constara legalmente, que no período de tempo, que decorreu desde a Fundação daquele Tribunal pelo Santo Padre Paulo III no ano de mil quinhentos trinta e seis, até o Primeiro Breve De Puritate do outro Santo Padre Xisto V, foram providos muitos Inquisidores, muitos Familiares, e muitos Oficiais, cujos Provimentos se acham nos mesmos Arquivos; como neles se achariam as suas respectivas Inquirições, se na realidade houvessem existido; assim como existem todas as que se processaram depois do sobredito Breve De Puritate.
E que fazendo examinar igualmente o número de Penitenciados, que se processaram naquele Primeiro período de tempo, em que não houve habilitações de genere; e o número de Réus penitenciados no Segundo período, que decorreu desde o tempo das Introduções das referidas habilitações até este presente; achara, que os Apóstatas naquele Primeiro período mais feliz, e conforme ao Espírito da Igreja, e aos louváveis costumes de todas as Nações, (que são os mesmos destes Reinos) foram sempre muito raros, e em pequeno número; quando pelo contrário depois do Segundo período triste, e lutuoso, foram os mesmo Réus de ano em ano sendo cada vez mais numerosos, com uma desproporção incomparável.
E porque como Rei, e Senhor Soberano, que na temporalidade não reconhece na Terra Superior.
Como Protetor da Igreja, e Cânones Sagrados nos Meus Reinos, e Domínios, para os fazer conservar na sua pureza.
Como outro fim Protetor da reputação, e honra de todos os Meus Fieis Vassalos de qualquer Estado, e condição que sejam, para remover deles tudo o que lhes é injurioso.
E como Supremo Magistrado para manter a tranquilidade pública da mesma Igreja, e dos mesmos Reinos, e Domínios, e a conservação dos mesmos Vassalos em paz, e em sossego; removendo dela, e deles tudo o que é opressão, e o violência; e tudo o que os pode dividir, e perturbar neles a uniformidade de sentimentos, que constituem a união Cristã, e a Sociedade Civil, que é sombra do Trono devem gozar de uma inteira, e perpétua segurança.
Conformando-me não só com os uniformes Pareceres das sobreditas Consultas; mas também com os dos outros concordes Pareceres dos Ministros dos Meus Conselhos de Estado, e de Gabinete, que ultimamente ouvi sobre todo o conteúdo nelas.
E usando no mesmo tempo de todo o Pleno, e Supremo Poder, que nas sobreditas matérias da manutenção da tranquilidade pública da Igreja; dos Meus Reinos, Povos, e Vassalos deles; e da sua honra, e reputação; Recebi imediatamente de Deus Todo Poderoso.
Quero, Mando, Ordeno, e é minha Vontade que daqui em diante se observe aos ditos respeitos o seguinte.
- Mando que a Lei do Senhor Rei Dom Manoel, expedida no Primeiro de Março do Ano de mil quinhentos e sete; e a outra Lei do Senhor Rei Dom João o III. Dada em dezesseis de Dezembro do Ano de mil quinhentos e vinte e quatro, em que proibiam a sediciosa, e ímpia distinção de Cristão Novos, e Cristãos Velhos, sejam logo extraídas do Meu Real Arquivo da Torre do Tombo, e de novo publicadas, e impressas com esta; para fazerem parte dela, como se nela fossem inteiramente incorporadas.
- Item: Mando, que as mesmas duas saudáveis Leis; não só fiquem por esta reintegradas na sobredita forma; mas também que sejam inteiramente restituídas, contra o dolo, com que foram suprimidas na última Compilação das Ordenações, como se nela houvessem sido incorporadas.
Removendo por efeito desta retrotração o malicioso, e visível atentado, com que a referida Compilação se maquinou, com o sinistro fim de postergar, e fazer esquecidas as mesmas saudáveis Leis; pois que sem o referido mau fim, e sem os outros da mesma natureza, que hoje são notórios; seria impraticável que no Ano de mil seiscentos e dois se publicasse um novo Corpo de Leis, desnecessário, e intempestivo, havendo poucos anos antes precedido a publicação dos que contém as Sábias Leis dos Senhores Reis Dom Manoel, e Dom João o III; tanto mais decorosas, e providentes, como é manifesto.
III. Item : Mando, que as sobreditas duas Leis, e as que à semelhança delas Tenho Mandado publicar sobre as outras inabilidades que nestes Reinos se maquinaram, e introduziram com os mesmos sinistros objetos de sedições, e de discórdias; fiquem constituindo desde o dia, em que esta passar pela Chancelaria, em diante as únicas Regras da ingenuidade, ou inabilidade de todos os Meus Vassalos, de qualquer Estado, e condição que sejam.
Para se terem por inábeis, e infames os que desgraçadamente incorrerem nos abomináveis crimes de Lesa Majestade, Divina, ou Humana; e por eles forem sentenciados, e condenados nas penas estabelecidas pelas Ordenações do Livro Quinto, Título Primeiro, e Título Sexto, com os Filhos, e Netos, que deles procederem; sem que com tudo a referida infâmia haja de influir de alguma forte nem nos Bisnetos; nem nos que deles procederem.
E para se terem por ingênuos, e hábeis todos, e quaisquer dos outros Vassalos Naturais dos Meus Reinos, e seus Domínios, cujos Avós não houverem sido sentenciados pelos sobreditos abomináveis crimes.
IV . Item : Mando, que restituindo-se todas as habilitações, e Inquirições ao feliz, e
devido estado, em que (com tanto benefício da paz da Igreja Lusitana, do sossego público, e da honra, e reputação dos Povos destes Reinos, e seus Domínios) estiverem por todos os Séculos, que precederam às sobreditas sediciosas maquinações ; não haja para os Habilitandos daqui em diante outros Interrogatórios, que não sejam os que se dirigirem às provas da vida, e costumes quando os Habilitandos ou nas suas próprias pessoas; ou nas de seus Pais, e Avós não tiverem inabilidade, ou infâmia de Direito.
Servindo para as mesmas Inquirições, e Habilitações de Regras invariáveis os mesmo Interrogatórios, que se continham nas Constituições anteriores aos referidos Breves chamados De Puritate; e os mesmos, que se ficaram conservando nas Constituições do Bispado da Guarda, cujos Prelados Diocesanos prevaleceram sempre com a sua Apostólica constância contra as sugestões, coações, e violências, a que alguns dos outros Prelados cederam por Colusões, e a que outros, depois de grandes resistências, vieram por fim a sucumbir, oprimidos da invencíveis forças, que contra Eles se empregaram naqueles calamitosos tempos.
- Item : Mando, que todos os Alvarás, cartas, Ordens, e mais disposições, maquinadas, e introduzidas para separar, desunir, e armar os Estados, e Vassalos destes Reinos, uns contra os outros em sucessivas, e perpétuas discórdias, com o pernicioso fomento da sobredita distinção de Cristãos Novos, e Cristãos Velhos, fiquem desde a publicação desta abolidos, e extintos, como se nunca houvessem existido, e que os registos deles sejam trancados, cancelados, e riscados em forma, que mais não possam ler-se.
Para que assim fique inteiramente abolida até a memória de um atentado cometido contra o Espírito, e Cânones da Igreja Universal; de todas as Igrejas Particulares; e contra as Leis, e louváveis costumes destes Meus Reinos; oprimidos com tantos, tão funestos, e tão deploráveis estragos por mais de Século e meio, pelas sobreditas maquinações maliciosas.
- Item : Mando, que todas as pessoas de qualquer Estado, qualidade, ou condição que sejam, que depois do dia da publicação desta Minha Carta de Lei; de Constituição Geral; e Edito perpétuo; ou usarem da dita reprovada distinção, seja de palavra, ou seja por escrito; ou a favor dela fizerem, e sustentarem discursos em conversações, ou argumentos.
Sendo Eclesiásticas, sejam desnaturalizadas, e perpetuamente exterminadas dos Meus Reinos, e Domínios, como revoltosas, e perturbadoras do sossego público; para neles mais não poderem entrar.
Sendo Seculares Nobres, percam pelo mesmo fato (contra Eles provado) todos os Graus da Nobreza, que tiverem, e todos os empregos, Ofícios, e bens da Minha Coroa, e Ordens, de que forem providos, sem remissão alguma :
E sendo Peões sejam publicamente açoitados, e degredados para o Reino de Angola por toda a sua vida.
E esta se cumprirá tão inteiramente como nela se contém, sem dúvida, ou embargo algum, qualquer que ele seja. Para o que Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Conselho Geral do Santo Ofício; Mesa da Consciência, e ordens; Regedor da Casa da Suplicação; Junta da Inconfidência; Conselhos da Minha Real Fazenda, e dos Meus Domínios Ultramarinos; Governador da Relação, e Casa do Porto; presidente do Senado da Câmara; Governadores das Armas. Capitães Generais; Desembargadores; Corregedores; Ouvidores; Juízes; Magistrados Civis; e Criminais destes Reinos; e seus Domínios; a quem, e aos quais o conhecimento desta, em quaisquer casos pertencer, que a cumpram, guardem, e façam inteira, e literalmente cumprir, e guardar, como nela se contém, sem hesitações, ou interpretações, que alterem as disposições dela; não obstantes quaisquer Leis, Regimentos, Alvarás, Cartas Régias, Assentos intitulados de Cortes, Disposições ou Estilos, que em contrário se tenham passado, ou introduzido; porque todos, e todas de Meu Motu próprio, Certa Ciência, Poder Real, Pleno, e Supremo, De rogo, e Ei por de rogados, como se deles fizesse especial menção em todas as suas partes, não obstante a Ordenação, que o contrário determina, a qual também De rogo para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor. E ao Doutro João Pacheco Pereira, Desembargador do Paço, do Meu Conselho, que serve de Chanceler Mor destes Reinos, Mando que a faça publicar na Chancelaria; e que dela se remetam Cópias a todos os tribunais, Cabeças de Comarcas, e vilas destes Reinos, e seus Domínios; registrando-se em todos os lugares, onde se costumam registar semelhantes Leis; e mandando-se o Original dela para a Torre do Tombo. Dada no palácio de Nossa Senhora da Ajuda, aos vinte e cinco de Maio de mil setecentos setenta e três.
EL REY Com Guarda
Carta de Lei, Constituição Geral, e Edito Perpétuo por que Vossa majestade conformando-se com as Consultas, e pareceres da Mesa do Desembargo do Paço; do conselho Geral do Santo Ofício; e da Mesa da Consciência, e Ordens:
E tendo sobre Elas ouvido os seus Conselhos, de Estado, e de Gabinete :
É Servido restituir a todos os Estados dos seus Reinos, e Senhorios a Paz, e Concórdia, que contra o Espírito da Igreja Universal; das Igrejas Particulares de toda a Cristandade; e contra a sucessiva, e constante Disposição das Leis, e dos louváveis costumes da Monarquia Portuguesa; se tinham alterado, e perturbado com sinistros intentos pelo Estratagema da inaudita Distinção de Cristãos Novos, e Cristãos Velhos, maquinado contra a ruina da União Cristã, e da Sociedade Civil da mesma Monarquia :
Tudo na forma acima declarada.
Para Vossa Majestade ver.
João Pacheco Pereira.
Antônio José de Affonseca Lemos.
João Pacheco Pereira.
Foi publicada esta Carta de Lei na Chancelaria Mor da Corte, e Reino. Lisboa, 26 de Maio de 1773.
Dom SebastiãoMaldonado.
Mauro nasceu para brilhar. Aqui nesta Vila da Utopia que nos oferece a possibilidade de resistir e as perspectivas históricas, o Mauro nos surpreende. Copiei o artigo para passar para frente. E o bom, em relação a mim, é que o Mauro é jovem e tem muitas páginas da história para trazer a lume. Obrigada querido Mauro. Saudade do Aníbal….
Mui grato pela leitura e partilha, minha amiga.