Laços de sangue e de crime em Itabira do Matto Dentro – Moeda falsa 1

Lambe-lambe no Estúdio de Capoeira e Jongo na R. Benjamin Constant. Na Glória/dez.2023

Foto e pesquisa: 
Cristina Silveira

[Palestina Livre do rio ao mar]

Moeda Falsa 1 – O delegado Antônio Teixeira Lopes Guimarães

Sr. Redator. Sou morador nesta cidade da Itabira desde tenra idade, há trinta e seis anos, lugar este em o qual eu tenho adquirido alguma fortuna licitamente, como é público, e bem assim sabem eu tenho adquirido amizades, considerações e estima dos cidadãos probos do termo da dita cidade e de muitos outros de diversos pontos do império.

Tenho igualmente a distinta honra de asseverar verdadeiramente que, desde a idade de 18 anos, tenho exercido nesta cidade todos os cargos que na forma da lei se tem feito por eleição popular, e muitos outros por nomeação do Exmo. governo da província em diferentes épocas; e em todos eles eu presumo ter cumprido bem o meu dever, e é público.

Em 18 de abril de 1854 fui nomeado delegado de Polícia deste dito termo, e do mesmo cargo tomei posse e prestei juramento perante a Ilmo. Câmara Municipal, da qual eu era um dos membros em 25 de abril do dito ano, cujo cargo exerci sem interrupção até 27 de agosto de 1856.

É fora de dúvida, sr. redator, que se o Exmo. Governo da província me fez a distinta honra nomear-me espontaneamente para exercer aquele importante cargo; não menos honra me fez a Ilma. Câmara Municipal desta cidade, que pela sua parte e dos seus munícipes testemunhou-me o bom conceito que eu presumo gozar por ocasião da minha posse e juramento daquele cargo, louvando ao mesmo tempo ao Exmo. governo que da minha pessoa se lembrou para o exercer.

Os Ilmos. sr. drs. Firmino Rodrigues da Silva, Joaquim Caetano da Silva Guimarães, dignos chefes de Polícia da província, perante quem servi, confirmarão quanto levo expendido, o que tudo provo pelos documentos nºs. 4, 5, 6, 7 e 8.

Em dias de abril do corrente ano apareceu nesta cidade Jeronymo Maurício dos Santos, pessoa esta que há anos eu me lembro ter-lhe comprado e pago uma porção de ouro, mas que com ele nunca tive amizade e nem mais relações; eu fui informado posteriormente 5 a 6 dias, depois que aqui apareceu Jeronymo Maurício, que ele tinha de demorar-se algum tempo nesta mesma cidade para comprar escravos, negócio este do qual usava, e fixou a sua residência em uma casa que se achava desocupada, pertencente a pessoa aparentada com os de minha família; passados porém mais alguns dias contou-me vagamente que o dito Jeronymo Maurício estava fazendo negócios a troco de notas falsas, ao que eu não dei crédito por estar ao fato do contrário.

Em 18 de maio seguinte, ao romper do dia, apareceu na minha porta um pasquim naquele sentido, em o qual se faz ver que o subdelegado de Polícia do distrito desta cidade, que é meu mano, era sócio ou conivente no mesmo negócio de notas falsas com Jeronymo Maurício, e por estas razões que apresento, entendi do meu dever enviar o mencionado pasquim ao Sr. Dr. Manuel Ignacio Carvalho de Mendonça, juiz Municipal desta cidade, acompanhado do meu ofício de 20 de maio n. 1, que lhe enderecei, para tratar do mesmo negócio, como lhe competia, cuja resposta eu recebi na mesma data, e consta do documento n.3.

Eu imploro a atenção publica a respeito daqueles dois documentos, isto é, qual dos dois empregados deixou de cumprir o seu dever, se o delegado de Polícia, que na conformidade da lei, deu o que é seu a seu dono, na sua humilde opinião, ou o Sr. Dr. juiz Municipal Mendonça, que reconhecendo ser ele o próprio juiz a quem exclusivamente competia tratar do mesmo negócio, deixou de o fazer a frívolos pretextos?

As contradições em que caiu o Sr. Dr. Mendonça estão patentes, como levo dito, e por certo que não lhe podem ser perdoadas, visto que alisou os bancos das academias de Olinda ou de São Paulo, e tem um pergaminho de bacharel formado! É, pois, do meu dever declarar que o Sr. Dr. Mendonça desde que veio para esta cidade, teve a bondade de honrar-me com a sua amizade, e ao subdelegado de Polícia meu mano; e assim antes de me fazer remessa do ofício n. 3, em resposta ao que eu lhe dirigi n. 1, apresentou-o àquele meu amo, e do conteúdo ficou o mesmo ao fato sem que eu o soubesse, entretanto que uma parte do dito ofício era em abono do bem merecido conceito que goza o referido meu mano, e entendi que lhe devia comunicar, e dele lhe fiz remessa para o ver.

Alguns dias depois avistando-nos, perguntei-lhe se tinha recebido e lido o dito ofício, respondeu-me que sim, mas que antes de me ser enviado pelo Sr. Dr. Mendonça, já este lhe tinha feito o favor comunicar, e mais não procurei pelo dito ofício, por entender que não procurei pelo dito ofício, por entender que não era de grande importância naquela ocasião; mais tarde porém o contrário observei, pois não tendo havido a mim, e talvez por descuido de meu mano, contra a vontade deste e minha, foi o dito oficio ter junto aos papeis de Jeronymo Maurício dos Santos!

Por este involuntário acontecimento, creio que é a maior das injustiças caluniarem-se pessoas de probidade e de reconhecida boa-fé, como sociais ou coniventes na negociação de notas falsas com Jeronymo Maurício dos Santos, se por acaso em poder do mesmo fossem encontradas tais notas?!

Em princípios de agosto deste ano foi sabido nesta cidade que o Ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia da província, Luiz José de Sampaio, ordenou ao Sr. Dr. Mendonça para prender a Jeronymo Maurício, se este tivesse proteção das pessoas que se dizem sociais dele, não seria preso como foi pelo Sr. Dr. Mendonça, o que se pôde provar.

No dia 4 do referido mês seguiu desta cidade o Sr. Dr. Mendonça com os seus oficiais, o escrivão de Órfãos, e pessoalmente prendeu o dito Jeronymo e uma famula deste por nome Felicidade no dia 5, e a 6 do mesmo mês recolheu-os à cadeia, dirigindo-se em continente à casa em que havia residido o dito Jeronymo Maurício nesta cidade, passando a dar as buscas que entendeu necessárias, presente o seu escrivão de Órfãos, o subdelegado de Polícia, meu mano, e outras pessoas às quais convidou para o mesmo fim; e para dar cumprimento às suas ordens eu prestei-lhe a força que exigiu, e estava à minha disposição.

Ao concluir os seus trabalhos, o Sr. Dr. Mendonça encontrou o ofício n. 3 que me havia dirigido em resposta ao de n. 1, e mostrou-se admirado dizendo – este ofício aqui! – respondeu-lhe o subdelegado meu mano, que estava presente – Sr. Dr. Mendonça, VS. sabe que teve a bondade de me mostrar este ofício antes de o dirigir ao delegado de Polícia meu mano, o que ele ignorava e por isso ele m’o mandou para ver, e por descuido não lh’o reverti, e nem ele o exigiu, entretanto se VS. acredita em mim, eu lhe declaro que nem eu e nem o delegado fizemos entrega dele a Jeronymo Maurício, dando-lhe outras explicações, foram efeitos do acaso.

Respondeu o Sr. Dr. Mendonça: eu creio muito no que me diz, e ficará isto assim, proferindo algumas outras provas de amizade que agora me não recordo; não se passaram, pois, muitas horas que eu fui sabedor de tudo que ocorreu por aquele meu mano, e lhe disse em resposta, não convém segredos em tais negócios, apareça a verdade, e nós nos defendemos, mostrando que não podemos ser considerados criminosos por aquele imprevisto acontecimento.

No dia 8 ou 9 do mesmo mês entendi-me com o Sr. Dr. Mendonça no mesmo sentido, rogando-lhe que mandasse o mencionado oficio ao Ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia, junto com os mais papeis que tivesse de lhe mandar, de Jeronymo Maurício, por entender que em tais negócios não devia haver segredos, mas não me recordo da resposta que me deu.

Persuadido enfim estava eu que o Sr. Dr. Mendonça, fazendo a remessa do dito oficio ou cópia dele, declararia ao Exmo. Sr. Dr. chefe de Polícia a verdade do que sabia a respeito, não só para cumprir o seu dever na qualidade de empregado público, como pela amizade que dizia ter-me e ao subdelegado meu mano; devo crer pois que assim não praticou o Sr. Dr. Mendonça, ou o que fez eu ignoro, o que sei é que eu e o subdelegado de Polícia, meu mano, fomos demitidos dos cargos que ocupávamos em consequência daquele feliz achado entre os papéis de Jeronymo Maurício, que consta ter sido enviado por cópia ao Ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia, e por cuja razão o mesmo Ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia entendeu de seu dever exigir do Ilmo. Exmo. Sr. conselheiro Herculano Ferreira Penna aquelas demissões, que bem a seu pesar viu-se na necessidade de as dar repentinamente, segundo consta, o que eu me persuado e devo crer, por ter certeza que é reto e não tem por costume decidir de chofre os negócios de alguma importância, que estão debaixo da sua inspeção.

A 27 de agosto pois, sr. redator, chegou nesta cidade o ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia Sampaio, segundo se disse, para proceder contra os indivíduos na suposta negociação de notas falsas com Jeronymo Maurício, e envenenamento deste por Teixeira, etc. etc.

Naquele mesmo dia, logo que fui sabedor que tinha chegado à cidade o Ilmo. Sr. doutor, entendi do meu dever oficiar-lhe, remetendo-lhe a força que tinha à minha disposição, para que dela se servisse, fazendo-lhe igualmente uma visita por carta fé que me fosse possível fazê-la pessoalmente; tão prevenido estava o Ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia contra mim, o que devo crer, Sr. redator, que em lugar de me responder como lhe cumpria, pelo menos na regra do grande sábio padre Antônio Vieira, deixou de o fazer, remetendo-me um oficio que assinou no Ouro Preto em 20 daquele mês, dando-me parte da minha demissão, entretanto que sempre me coube a distinta honra de ser o portador do dito oficio o Ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia até esta cidade, do qual me mandou fazer entrega às sete horas da noite do referido dia 27 de agosto pelo seu secretário.

É ou não verdade quanto levo dito a respeito de VS., Ilmo. Sr. Dr. chefe de Polícia? Pois tudo mais que expendido tenho são nos mesmos termos puras verdades. Termino esta, Sr. redator, dirigindo os meus sinceros votos de agradecimento ao Ilmo. e Ex. Sr. conselheiro, Francisco Diogo Pereira Vasconcellos pelo bom conceito e confiança que depositou na minha pessoa, como delegado de Polícia deste termo, durante o tempo que administrou esta província; aos Ilmos. Srs. Drs. Firmino Rodrigues Silva, Francisco d’Assis Lopes Mendes Ribeiro e Joaquim Caetano da Silva Guimarães, muito dignos chefes de Polícia, perante quem servi, eu dirijo iguais votos de agradecimento, pela mesma razão.

À ilma. Câmara desta cidade, e aos cidadãos probos do mesmo município e de fora dele, que me tem honrado e continuam a honrar, eu lhes endereço iguais votos de agradecimento, protestando cumprir sempre o meu dever para com todos.

Sirva-se, pois, sr. redator, inserir estas linhas e os documentos juntos no seu bem conceituado jornal, do qual tenho o prazer de ser assinante.

Antônio Teixeira Lopes Guimarães.

 

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