Laços de sangue e crimes em Itabira do Matto Dentro – Itambé: duas mulheres e uma foice afiada
Vertigem, arte de Os Gêmeos, Gustavo e Otávio, Exposição no CCBB, Rio. MCS, outubro de 2022
Foto e pesquisa: Cristina Silveira
1889 Cenas de Sangue. Um distinto amigo nos escreve relatando, como abaixo se vê, graves atentados praticados recentemente no município de Itabira:
Manoel Soares de Amorim, rapaz de 18 anos, trabalhador de roça, residente no arraial de Itambé de Matto Dentro, indo à casa de Francisco de Araújo Silva cobrar dele uns 500rs de serviços que lhe havia prestado, negou-se este ao pagamento, havendo nessa ocasião troca de insultos de parte a parte, e entre estes, promessa de Araujo de passar a chicote a Amorim.
Com efeito, dias depois, reunindo-se Araujo com seu cunhado Francisco Ferreira de Sá e José F. de Sá, se dirigiram às 2 horas da manhã no dia 14 do corrente para a casa onde reside Amorim com sua mãe e uma irmã, e, forçando uma janela, penetraram dentro e aí o espancaram.
Uma hora depois, armando-se Amorim com uma faca, e sua mãe e irmã com foices, se dirigiram à residência dos seus agressores, desafiando-os e convidando-os a sair para a rua. José de Sá foi o primeiro que saiu, e investindo contra Amorim, recebeu uma tremenda facada no peito esquerdo, caindo logo morto.
Francisco de Sá chegando logo após, recebeu duas facadas, uma no peito e outra nas costas, falecendo momento depois; Francisco de Araujo, vindo tomar parte no conflito foi agredido pelas mulheres, recebendo um profundo golpe de foice no braço; e se não fugisse para um quintal próximo onde se ocultou, teria a mesma sorte de seus infelizes cunhados.
Os assassinados eram filhos de importante fazendeiro Vicente Ferreira de Almeida, eleitor conservador, muito estimado no distrito. O assassino foi preso no dia seguinte, e confessou o crime com maior cinismo. O subdelegado está procedendo ao inquérito e aos mais termos do processo.
[A Província de Minas, 1/5/1889. BN-Rio]
Itambé do Matto Dentro, 25 de abril de 1889
Horror e indignação! Quem diria que nossa civilização quão pacifica povoação (cujo nome serve do epigrafe a estas linhas), dispondo hoje de um pessoal distinto quase em sua totalidade, fosse teatro da cena horrorosa da madrugada de 14 do corrente, em que pereceram duas vítimas, filhos estimados do honrado cidadão Vicente Ferreira de Almeida?!…
Na verdade, parece-me mais um sonho do que realidade; mas é certo que, duas ou três horas depois de tão horrorosa cena, comparecem naquele funesto lugar o pessoal inteiro deste arraial, onde tivemos a inesperada ocasião de vermos aquelas horríveis facadas que atravessaram aqueles corações amorosos.
Aqueles cidadãos, vítimas da agressão, foram geralmente estimados e honrados pais de família.
Horroriza-me ter de, em ocasião tão oportuna, levar à consideração do público fatos de tal ordem; mas é tal o desejo que tenho (imposto pelo dever) de salvar, não só minha reputação, como a de todos os meus amigos (presume-se que o público fará mal juízo de nosso lugar), que não pude prescindir deste direito.
Francisco José Ferreira e José Vicente Ferreira – assim se chamavam as infelizes vítimas que sucumbiram aos golpes de tão ferozes e bárbaros sicários!
Quem, pois, supunha que duas vidas preciosíssimas estariam sujeitas ao jugo e capricho de tais assassinos?!
Que horror!…
Este fato sobremaneira incógnito, em sua causa, deve ficar gravado em nossa história e dele devemos guardar reminiscência.
Estas linhas, traçadas por mão obscura, a que faltam dois elementos principais, que são – talento e estudo, são oferecidas ao sr. Vicente Ferreira de Almeida e sua Ilma. família e à exma. Sra. D. Maria Olegaria, filha e sogra de uma das vítimas, e à sua filha, esposa do mesmo, em sinal de pêsames pelo golpe inexcedível por que acabam de passar. João Alves da Costa Junior
[A Província de Minas, (OP), 1/5/1889. BN-Rio]
Madrugada de sangue no Itambé
Retificação. Sr. redator. Li na Província de Minas, número 581, de 1⁰ deste mês de maio, que um amigo quis narrar o fato sanguinolento que se deu no Itambé do Matto Dentro a 14 de abril próximo passado.
Mas esse amigo não teve pleno conhecimento de como se deu o fato, ou foi mal informado; e querendo formular base para futura defesa aos assassinos, (o que está bem entendido) vem com sofismas.
Eu não estou perseguindo os criminosos, nem tão pouco embaraçando que eles passeiem livremente, como outros muitos que por aí estão sem o menor incomodo; porém não devem vir esses protetores com mentiras, levantam falso àqueles finados. Não é verdadeiro o artigo de 1 de maio:
1⁰. Porque deu-se o fato no Itambé, que é município da Conceição e não da Itabira, como diz ele.
2⁰. Porque às 2 horas estavam os finados em casa do sr. Theophilo Coelho, em companhia de 16 ou mais pessoas, e dali saíram às 3 horas e foram para onde estavam arranchados, sem entrarem em mais casa alguma, como afirmaram os vizinhos contíguos à casa de Carlota, o sr. coronel João Antonio da Costa, o sr. Luiz Monteiro de Alvarenga e outros que àquelas horas estavam acordados e nenhum movimento ouviram na casa da sua vizinha; logo não é exato que eles foram às 2 horas forçar a janela e dar pancadas, como diz o amigo.
3⁰. Porque Francisco morreu primeiro; tanto que para José, chamaram o Revmo. Sr. vigário, que, apesar de muito grande prontidão, já o achou acabando de expirar; o outro já estava frio, não é como diz o amigo.
4⁰. Porque o assassino não foi preso no dia seguinte, pois, dando-se o fato no dia 14, ele foi preso no dia 18, de tarde, nas divisas de S. Sebastião do Rio Preto com o município de Ferros, para onde se ia evadindo, e valeu já estarem prevenidas as autoridades dali.
Portanto, pôde o público reconhecer que o artigo daquele amigo, inserido na Provincia de Minas, número 581, do 1⁰. de maio, faltou à verdade.
Peço, porém, aos senhores protetores de criminosos que deixem de mão os humildes nomes de meus pobres filhos, que dormem o sono eterno, baseando e fundamentando suas futuras defesas em outras frases, que não faltam e nem falharão, de cujo favor serei agradecido.
Vicente Ferreira de Almeida, Barra de S. Vicente, 27 de maio de 1889
[A Província de Minas, 22/6/1889. BN-Rio]
Que barra pesada de acontecimentos.
E infelizmente não se tem acesso aos autos da investigação e condenação do assassino para se fazer um bom entendimento deste horrendo acontecimento.
Com o primeiro artigo, pensei eu logo no Código de Talião, já no segundo artigo ficou a dúvida.
De qualquer maneira, a questão da cobrança do valor deveria ter sido levada de maneira legal.
Mauro, filho de Aníbal, é gratificante o seu comentário pq quem transcreve, na unha, da única fonte que utilizamos, a BN-RIO, fica o sentido da utilidade das coisas.