Itabirismo e literatura
Cristina Silveira
João Etienne Arreguy Filho (1918-1997), natural do Vale do Rio Doce – Aimoré e Botocudo – nasceu em Caratinga entre a Pedra Itaúna e a Lagoa Silvana. Em Belo Horizonte João Etienne está presente – para sempre – no Palácio das Artes quando em 2016, a Fundação Clóvis Salgado inaugurou o mineiramente sofisticado Centro de Convivência, Informação e Memória João Etienne Filho.
Em 2018, quando completaria 100 anos, os alunos do mestre no curso clássico do Colégio Estadual Central, pregaram na parede da Cantina do Lucas, no edifício Maletta, a placa com o poema Isto é meu (1967).
E, “dava gosto conversar com ele, conhecer suas idéias, opiniões, confidências e, em certas ocasiões, ainda que raras, até mesmo pedi-lo para recordar alguns poemas; dizer os seus versos; interpretá-los, se possível”. (RS)
Nesta edição, a Vila de Utopia reproduz pequena prosa em que J. Etienne assinala o espirito, o itabirismo na literatura de itabiranos.
Anos depois um itabirano, o poeta Renato Sampaio, nos faz lembrar Etienne em suas crônicas publicadas no jornal Estado de Minas.
Da crônica, Etienne, para sempre (2001), copiamos alguns trechos para apresentar João Etienne e confirmar a sua presença – para sempre – em Itabira, na Biblioteca Municipal Luiz Camillo de Oliveira Neto.
Do múltiplo Etienne, o professor João Etienne, o jornalista João Etienne Filho – homem de teatro, escritor, crítico, poeta, contista –, aquele cidadão amável que cumpriu sua trajetória em plenitude como João Etienne Arreguy Filho – mestre de não sei quantas gerações; e mestre tanto das coisas desta vida quanto daquelas que se projetam além dela.
Da biblioteca, direi que Etienne, antes de se despedir da vida, começou a se despedir dos seus livros.
Em 1996, bem ao início, comunicou ele a alguns amigos que necessitava se desfazer dela, convocando os mais próximos para ajudá-lo em tal propósito.
E que biblioteca: nela, aos milhares, a grande literatura do século vinte, e dos séculos que o precederam, perfilava-se por inteira entre estantes e mais estantes.
Em português, por natural, os grandes livros do Brasil e de Portugal; espalhados aqui e ali, os clássicos e os modernos; a boa poesia e a boa prosa; volumes e mais volumes; alguns em francês, outros em espanhol.
Apesar de tão valioso acervo, e do esforço feito em contrário, tal biblioteca, ainda em vida do seu proprietário, teve de ser desmembrada entre vários adquirentes.
Recordo-me, em particular, que cerca de 80 volumes, todos de autores itabiranos – Carlos Drummond de Andrade, João Camilo de Oliveira Torres, Cornélio Pena, Daniel de Carvalho –, foram adquiridos pela Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, pertencente à Prefeitura de Itabira.
Quanto aos demais, boa parte diversificou-se entre amigos, professores e ex-alunos. Em boa hora, no entanto, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, adquirindo o que restou, conteve a dispersão.
Itabirismo e adversativa
João Etienne Filho
Um tema que há muito me seduz, e que está anotado num destes vagos cadernos, onde se escreve, um tanto a esmo, sobre planos futuros quase nunca realizados (e mesmo, alguns, irrealizáveis), um destes temas sedutores ao meu espírito seria o da presença da adversativa na obra dos itabiranos.
Que eles são muitos e bons em mossas letras, dispensa provar: Carlos Drummond de Andrade, Cornelio Penna, Luiz Camillo de Oliveira Neto, João Camilo de Oliveira Torres. E, em todos, encontro como que acentuada a noção da relatividade ante o absoluto sonhado.
Quando fiz um registro de “Dois romances de Nico Horta”, fiz mesmo uma referência aos “mas” que enchem o livro e que acentuam aquela luta entre a razão e os sentidos, cerne do livro.
Em uma tese sobre tema universitário (trabalho notável, aliás, diga-se de passagem) de João Camilo de Oliveira Torres, há tanto “mas” que irrita o leitor.
A adversativa não vem expressa na poesia de Carlos Drummond de Andrade, mas é todo um enorme subentendido, todo o mascaramento de um lirismo que se não realiza totalmente.
E o ceticismo de Luiz Camillo, esse seu encaramujamento, esta sua reserva, nada mais são do que um grande “mas” oposto ao desejo que tanto temos de vê-lo muito mais e muito frequente, numa obra que ele pode fazer enorme e ótima e da qual nos dá pequenas amostras.
Não serão, todos estes característicos, aquele “Itabirismo”, com que já se batizou o clima em que agem estes autores, o crítico e pesquisador Luiz Camilo, o poeta Carlos Drummond, o romancista Cornélio Penna, este “jeune philosophe thomiste” João Camilo?
Penso que Itabira terá um lugar especial na literatura brasileira, uma espécie, em outro plano, de Cataguazes, um centro irradiador de cultura, de seriedade, de dedicação às letras e aos temas do espirito.
Dizem-me que o ambiente favorece. Nada conheço de Itabira, a não ser a descrição generosa dos seus filhos, ou aquela outra página, muito lembrável, de Fritz Teixeira Sales. As montanhas cheias de ferro cercando as velhas casas, as ruas tortas e sombrias, as tradições, a sugestão de velhas histórias, mistérios, lendas… Itabirismo.
[Hemeroteca da BN-Rio, A Manhã, 23.6.1944]
Cê vê, uma coisa puxa a outra… fala-se de J. Etienne e aparece o casarão do João Camilo, que está lindo… esforço do Ronaldo Lott, isso é bom e morrerá com Itabira