Itabira Sustentável: o futuro não espera
Foto: Carlos Cruz
Por Denes Martins da Costa Lott*
Depois de vários meses fora do ar, o site do projeto Itabira Sustentável http://sustentavel.itabira.mg.gov.br foi recentemente relançado. Há algumas atualizações que evidenciam evoluções em determinadas frentes.
O projeto poderia estar mais avançado, é verdade, mas o retorno do portal à ativa é um passo importante para reabrir o debate e renovar os compromissos.
Desde sua origem, o Projeto Itabira Sustentável contou com a participação de diversos setores da sociedade, reunindo desde grandes empresários até lideranças populares, movimentos culturais, educadores e técnicos.
Essa diversidade fortalece a legitimidade do plano e sinaliza o potencial de pactuação ampla que ele carrega.
Participei da elaboração do Projeto Itabira Sustentável na condição de Secretário de Meio Ambiente de Itabira, cargo que ocupei entre 2021 e 2024. Minha conexão com essa pauta, no entanto, vem de muito antes.
Trabalhei por mais de duas décadas na Vale, atuei diretamente na elaboração da LOC e, ao longo de quase 60 anos de vida, testemunhei e participei de diversas etapas da relação entre Itabira e a mineração.
Vi, com olhos de técnico e cidadão, as contradições e as possibilidades que atravessam esse vínculo.
Por isso falo com convicção: o Projeto Itabira Sustentável é exequível, equilibrado, e oferece caminhos concretos para uma transição justa e regenerativa. Não é um plano retórico. É um projeto de cidade.
Mas não há plano, por mais bem concebido, que sobreviva ao desinteresse coletivo.
O Itabira Sustentável precisa ser apropriado pela sociedade. Como todo projeto amplo e estruturante, está sujeito a críticas, ajustes e aprimoramentos — e isso é parte do processo. Nenhuma proposta que se pretenda viva está imune ao debate.
É hora das associações, dos sindicatos, dos partidos, das escolas e das igrejas chamarem o projeto para si.
Mas é especialmente a Câmara Municipal que merece destaque: casa do povo, representante legítima do poder legislativo, ela acaba de instituir sua Comissão Permanente de Meio Ambiente.
Essa comissão pode — e deve — assumir protagonismo nos debates, nas audiências e nas articulações que envolvem o Itabira Sustentável.
É preciso que se fale dele nas praças, nos conselhos, nas universidades, nas ruas. Porque não se trata de um projeto de governo. É um projeto de cidade. E Itabira não pode se dar ao luxo de esperar mais. Não há mais tempo para lutar apenas por justiça. É hora de fazer.
Já em 1933, na crônica Vila de Utopia, Carlos Drummond vaticinava:
“A cidade não avança nem recua. A cidade é paralítica. Mas de sua paralisia provêm sua força e a sua permanência. Os membros de ferro resistem à decomposição. Parece que um poder superior tocou esses membros, encantando-os. Tudo aqui é inerte, indestrutível e silencioso. A cidade parece encantada. E de fato o é. Acordará algum dia? Os itabiranos afirmam peremptoriamente que sim. Enquanto isso, cruzam os braços e deixam a vida passar. A vida passa devagar, em Itabira do Mato Dentro…”
O desafio de despertar permanece. A travessia para uma cidade mais justa, viva e sustentável nos levará, enfim, a romper esse encantamento.
O projeto é plausível, palpável, concretizável. A cidade tem condições de realizar as propostas, somar outras, corrigir rumos e transformar ideias em realizações.
Mas isso exige mobilização. E coragem. Coragem de abandonar a descrença resignada — aquela crença na derrota incomparável, da qual cismava Tutu Caramujo em outro poema de Carlos Drummond.
O projeto Itabira Sustentável deixa um rastro — uma trilha possível, aberta, que aponta caminhos. Cabe a Itabira seguir por ela, consolidá-la, regenerar seu território e disputar um futuro que esteja à altura de sua história.
É claro que a Vale tem responsabilidade. Não só técnica, legal e jurídica, mas também histórica, moral e principalmente financeira.
A cidade que forneceu o corpo e a alma do projeto de mineração brasileiro exige mais do que compensações: exige corresponsabilidade na reconstrução.
São compromissos intergeracionais. O futuro de Itabira não pode ser financiado por sobras, mas por investimentos estruturais.
O mundo gira e as alpargatas rodam — dizia um antigo slogan publicitário da marca Alpargatas, que marcou gerações com sua simplicidade e permanência no imaginário popular.
O mandato do atual prefeito se encerra em 2028, mas os desafios não esperam calendário eleitoral.
Tampouco serão resolvidos pelas promessas de palanque em trevos de rodovia. Não virão de Brasília, nem de Belo Horizonte.
Virão de nós. Como escreveu Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não salvo a mim.”
A circunstância de Itabira, hoje, é de urgência.
O site http://sustentavel.itabira.mg.gov.br reúne propostas que merecem ser lidas com atenção, debatidas com seriedade e tratadas com senso de urgência.
Ali está um conjunto de diretrizes que pode orientar escolhas reais para uma transição planejada. Para isso, é fundamental que o projeto ganhe visibilidade, circule entre lideranças, instituições e cidadãos comuns, e se consolide como horizonte compartilhado para o futuro da cidade.
O futuro se constrói com escolhas, coragem e maturidade institucional. Nesse contexto, mais do que nunca, é hora de transformar propósito em ação, consciência em compromisso.
Não se trata apenas de cobrar, mas de compreender o novo tabuleiro: o controle acionário da Vale hoje é pulverizado, com baixa influência direta do governo federal.
Isso muda as estratégias possíveis e exige uma articulação mais sofisticada entre sociedade civil, setor produtivo e poder público local.
As propostas reunidas no site http://sustentavel.itabira.mg.gov.br precisam ser conhecidas, discutidas e assumidas como parte de um pacto intersetorial e intergeracional. Menos dispersões, mais convergências. Menos retórica, mais construção.
A sociedade de Itabira — formada por aqueles que aqui nasceram e por todos que aqui chegaram e decidiram viver — tem responsabilidade, legitimidade e capacidade para construir a vida futura da cidade.
*Denes Martins da Costa Lott, advogado especializado em Direito Minerário e Ambiental, ex-secretário de Meio Ambiente de Itabira, atuou na Vale e é autor do livro ‘O Fechamento de Mina e a Utilização da Contribuição Financeira por Exploração Mineral’ (Editora Del Rey)
Referências bibliográficas
Carlos Drummond de Andrade. *Confissões de Minas*. São Paulo: Cosac Naify, 2011. (Texto “Vila de Utopia”, publicado originalmente em 7 de outubro de 1933 nos jornais A Tribuna e Minas Gerais).
José Ortega y Gasset. *Meditaciones del Quijote*. Madrid: Revista de Occidente, 1914. (Citação: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não salvo a mim.”)