Itabira está fora do ranking das cidades com maior índice de criminalidade do país, mas juventude negra segue como principal vítima das mortes violentas intencionais
Fotos: Carlos Cruz
Cidade mineira apresenta índices abaixo dos principais polos de violência do estado e do país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Apesar disso, a letalidade entre jovens negros e pardos revela dinâmicas locais ligadas ao tráfico de drogas e à disputa territorial pela venda de entorpecentes
Diferentemente do que se desprende do noticiário da imprensa local, principalmente nos portais de notícias, que se espremer sai sangue, Itabira não figura entre as cidades mais violentas de Minas Gerais nem do Brasil, de acordo com os dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 24 de julho deste ano.
A divulgação oficial do ranking da violência urbana está na 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O documento reúne dados referentes ao ano de 2024 e apresenta rankings, análises e estatísticas sobre violência letal em municípios com mais de 100 mil habitantes.
Itabira está fora das cidades mais violentas do país, não aparece sequer entre os 20 mais violentos do estado de Minas Gerais, o que desmitifica a ideia de que a cidade vive crise generalizada de segurança pública. O levantamento engloba homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes por intervenção policial.
A cidade registra uma taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes, número inferior ao de cidades como Governador Valadares (34,6), Nova Serrana (29,4) e Teófilo Otoni (29,84, descontado o impacto de um acidente rodoviário classificado como homicídio doloso).
Violência está concentrada na juventude negra e periférica
Apesar da posição relativamente confortável no ranking nacional e mineiro, Itabira enfrenta uma realidade que não pode ser ignorada: a concentração da violência letal entre adolescentes pretos e pardos, moradores de bairros periféricos.
Segundo o Atlas da Violência 2024, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o FBSP, 82,9% dos jovens assassinados no país entre 2021 e 2023 eram negros ou pardos. A taxa de letalidade entre jovens negros foi de 18,2 por 100 mil habitantes, enquanto entre jovens brancos foi de 4,1, revelando um risco 4,4 vezes maior.
Tráfico de drogas e disputa por território
Em Itabira, esse padrão se repete. Reportagens locais apontam que os casos de homicídio geralmente envolvem jovens entre 16 e 25 anos, vinculados ou afetados pelas dinâmicas do tráfico de drogas.
Os bairros Pedreira do Instituto, Gabiroba, Nova Vista e Praia concentram episódios violentos, frequentemente relacionados à disputa por pontos de venda de entorpecentes.
A ligação entre homicídios e disputas territoriais no tráfico é confirmada por autoridades locais. Em entrevista a este site, o ex-delegado regional da Polícia Civil de Itabira, afirmou que cerca de 99% dos homicídios registrados na cidade estão relacionados à disputa por pontos de venda de drogas.
Essa realidade é observada em operações policiais e boletins de ocorrência que apontam facções rivais disputando território em bairros com baixo índice de infraestrutura e oferta de serviços públicos.
Bahia concentra cidades mais violentas
O estado da Bahia aparece com destaque no ranking das cidades mais violentas do país. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, cinco das dez cidades mais letais estão no estado: Jequié, Juazeiro, Camaçari, Simões Filho e Feira de Santana. Ilhéus, terra de Nacib e Gabriela, também figura entre as 20 cidades mais violentas do pais, com uma taxa de 54 mortes violentas por 100 mil habitantes.
A violência em Ilhéus, cidade marcada pela cultura e pelo turismo, reflete o avanço das facções criminosas no interior baiano. Segundo o FBSP, a principal causa das mortes violentas é a disputa por territórios do tráfico de drogas, com atuação de grupos como o Bonde dos Malucos (BDM) e dissidências locais.
A presença dessas facções transforma bairros em zonas de conflito, com vítimas majoritariamente jovens, negros e moradores de áreas vulneráveis.
As 20 cidades mais violentas do Brasil em 2024

- Maranguape (CE) – 79,9
- Jequié (BA) – 77,6
- Juazeiro (BA) – 76,2
- Camaçari (BA) – 74,8
- Cabo de Santo Agostinho (PE) – 73,3
- São Lourenço da Mata (PE) – 73,0
- Simões Filho (BA) – 71,4
- Caucaia (CE) – 68,7
- Maracanaú (CE) – 68,5
- Feira de Santana (BA) – 65,2
- Itapipoca (CE) – 63,8
- Sobral (CE) – 59,9
- Sorriso (MT) – 59,7
- Porto Seguro (BA) – 59,7
- Marituba (PA) – 58,8
- Teófilo Otoni (MG) – 58,2
- Santo Antônio de Jesus (BA) – 57,7
- Santana (AP) – 54,1
- Ilhéus (BA) – 54,0
- Salvador (BA) – 52,0
Grandes capitais estão fora do ranking das 20 cidades mais violentas
Apesar da gravidade dos problemas de segurança em grandes centros urbanos, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo não aparecem entre as mais violentas do país. No ranking das 20 com maiores taxas de Mortes Violentas Intencionais (MVIs), apenas Salvador figura, ocupando a 20ª posição com 52 mortes por 100 mil habitantes.
A ausência de Rio de Janeiro e São Paulo no topo do ranking se explica pelas taxas relativamente mais baixas de homicídios por habitante. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, o Rio registra 15,8 mortes violentas por 100 mil habitantes, enquanto São Paulo aparece com 8,2 – uma das menores entre as capitais brasileiras.
Esses dados revelam que a violência letal está mais concentrada em cidades médias e pequenas, especialmente no interior do país. A explicação é que nesses municípios, há menor presença do Estado, maior atuação de facções criminosas e disputas intensas por territórios do tráfico de drogas.
O quadro contraria o senso comum, frequentemente moldado pela cobertura nacional dos crimes nas capitais, dando a impressão equivocada de que o epicentro da violência urbana está nos grandes centros.
Política de drogas como alternativa à violência
Especialistas em segurança pública e direitos humanos apontam que a criminalização das drogas, especialmente as consideradas leves como a maconha, alimenta o mercado ilegal e fortalece facções criminosas.
A legalização e regulamentação do uso de substâncias como política de redução de danos poderia enfraquecer o tráfico, reduzir disputas territoriais e permitir que o Estado assuma o controle sobre a produção e distribuição, inclusive cobrando impostos elevados, a exemplo do que ocorre com o tabaco.
Essa abordagem já é adotada em países como Portugal, Canadá e Uruguai, com resultados positivos na diminuição da violência associada ao narcotráfico.
No Brasil, o debate ainda enfrenta resistência política e cultural, mas ganha força entre pesquisadores e organizações da sociedade civil.
A discussão sobre políticas de drogas, inclusão social e segurança pública precisa avançar com coragem e responsabilidade.
Desmitificar estigmas é necessário, mas enfrentar as causas estruturais da violência é urgente, mesmo em Itabira, pois toda forma de violência afeta a sociedade como um todo, principalmente as famílias mais vulneráveis
Fontes:
Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Anuário 2025
Atlas da Violência 2024 – Ipea/FBSP
G1 Bahia – Ranking das cidades mais violentas, Ilhéus Net – Anuário 2025
O Globo – Ranking das cidades mais violentas
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, Revista Brasileira de Políticas Públicas sobre Drogas