Itabira, berço do poeta Drummond, merece título de Capital da Poesia?
Lenin Novaes*
Tramita na Câmara de Deputados, em Brasília, projeto que propõe conceder o título Itabira Capital Nacional da Poesia à cidade natal do poeta e jornalista Carlos Drummond de Andrade, morto há 30 anos. Itabira é um dos 853 municípios de Minas Gerais, sendo o sexto em arrecadação tributária, principalmente com a exploração de minério de ferro. Em 2015 a arrecadação foi de R$ 525 milhões; em 2016, caiu um pouco com a queda do preço de minério para R$ 460 milhões; e em 2017 deve ser R$ 475.218.904,00. É ou não é arrecadação substanciosa que inveja a maioria dos mais de 5.560 municípios brasileiros? E em que a população de Itabira é beneficiada ou tem suas necessidades reclamadas atendidas?
A proposta de conceder o título é defendida pelo deputado federal mineiro Lincoln Diniz Portela (PRB), pastor e presidente da igreja Batista Solidária, apresentador de TV e radialista. Parte dos habitantes de Itabira considera a sugestão oportunista e eleitoreira, enquanto outra parcela, favorável, conjectura que a proposta transformada em lei vai obrigar o poder executivo a executar obras de melhorias, pois, atualmente, Itabira está em total estado de abandono. Uma decadência contínua.
Datas comemorativas
Mas, antes de entrar no mérito da questão polêmica em Itabira, é imperativo observar o conflito existente na data comemorativa relativa ao Dia Nacional da Poesia, que tem dois períodos antagônicos e personagens distintos, diferentes. Ou seja, o dia 14 de março é dedicado ao poeta Castro Alves e, o dia 31 de outubro, em tributo a Carlos Drummond de Andrade.
O Dia Nacional da Poesia sempre foi festejado, há anos, em 14 de março, mas, entretanto, projeto para oficializar essa celebração, sabe-se lá porque, estava em arquivo morto. Arquivo morto? Aí, não se sabe se a então presidente Dilma Rousseff rifou, por descuido ou não, o símbolo festejado na figura do poeta Antônio Frederico de Castro Alves (nascido em 14/3/1847, na cidade baiana de Curralinho, que hoje tem o nome dele) ao sancionar a Lei 13.131/2015, em 3 de junho de 2015, que instituiu o Dia Nacional da Poesia, comemorado a 31 de Outubro, data de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade.
É também comemorado o Dia Mundial da Poesia, em 21 de março e, ainda, o Dia do Poeta, em 20 de outubro, criados pela Unesco, na sua XXX Conferência Geral, em 16 de Novembro de 1999, com o objetivo de estimular a produção e celebrar a poesia como forma de arte em todo o mundo.
O que é cidade da poesia?
A qualificação do poeta Drummond não se discute. É inquestionável e, por certo, a chancela que representa ajuda a remover pedras do caminho. E creio que o deputado Lincoln Portela, com proposta eleitoreira ou não, aposta todas as fichas exatamente na marca indelével do nome Carlos Drummond de Andrade. Mas, caro leitor da Vila de Utopia, você pode se perguntar qual o conceito que fundamenta a aprovação de lei que dá titulo a cidade da poesia. Quais os requisitos básicos para tal título? Quero contar com a sua colaboração, pois o assunto é complexo e não irá se esgotar nesta matéria. Envie-me, portando, a sua opinião para o correio eletrônico leninnovaes@gmail.com.
Bem, Itabira está a nordeste da capital mineira, Belo Horizonte, cerca de 110 km, com área de 1.253,7 Km² e população de aproximadamente 117 mil habitantes, dos quais 80 mil são eleitores. Dados no site da Prefeitura de Itabira mostram que são 57.050 mulheres para 52.733 homens. E em que área da vida itabirana está a representação feminina? Na Câmara de Vereadores, por exemplo? O nome da cidade vem de origem da língua Tupi e significa “pedra dura, empinada e brilhante”.
Com o declínio da mineração de ouro, que enriqueceu e deu tanto poder para algumas famílias – ppoucas se constituíram em oligarquias –, a exploração do ferro deu início ao processo de devastação de Itabira. A mineração é feita no coração da cidade e haja pulmões para resistir ao acúmulo de resíduos do minério de ferro. Exagero à parte, ou não, a quem afirme que Itabira vai desaparecer do mapa. Vale um mergulho – sem analogia à Vale S.A (antiga Companhia Vale do Rio Doce) – na trajetória do que avaliaram como as maiores jazidas de minério de ferro do mundo no interior de Minas Gerais para serem exploradas.
A ineficiência acentuada nos diversos setores da área administrativa de Itabira também atinge em cheio área cultural. Nada de novo, além dos saudosos filhos da terra, como o poeta Carlos Drummond de Andrade; o escritor e jornalista Horácio de Carvalho; o historiador João Camilo de Oliveira Torres; contando com as irmãs e modelos Ana Beatriz Barros e Patrícia Barros. Porém são perceptíveis novos talentos nas artes cênicas, musical, literária etc. Falta de fato incremento de política pública para estimular a cultura.
Na exploração turística centrada na imagem de Carlos Drummond de Andrade, o roteiro – no que se refere aos espaços públicos em homenagem ao maior símbolo itabirano – deixa a desejar. São tantas as precariedades que não cabe aqui, no momento, relatar. Deixo ao poder público explicar. E quero que a administração executiva se manifeste de fato. Pode ser através de mensagem para a Vila de Utopia, questionando os fatos ou apontando resultados.
Estive visitando os locais e um deles, o Pico do amor, me inspirou soneto que publico abaixo da matéria. Lá tem o Memorial Carlos Drummond de Andrade, em obra inacabada do projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, onde se verifica a falta de tudo na infraestrutura para o seu bom funcionamento. No local, a escultura de Drummond fica num plano escondido e, isso, perto do anfiteatro que ficou em ruínas por alguns anos. De lá se vê a marca da destruição causada pela exploração da mineração. É um quadro dantesco.
Bem, prezado leitor, reforço o pedido da opinião de você sobre o que significa Capital Nacional da Poesia. E deixo outra pergunta direta à população: o município merece o título Capital Nacional da Poesia?
*Lenin Novaes é Jornalista e produtor cultural. É realizador do Concurso Nacional de Poesias para Jornalistas, em tributo ao poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade; e autor da biografia da cantora Elza Soares, Cantando para não enlouquecer, juntamente com o escritor José Louzeiro.
Pico do amor
Lenin Novaes
Da janela, à esquerda, avisto o Pico do Amor,
Destacando-se a cruz de madeira moribunda,
Esfarrapada; nenhum sentido de ali se expor,
No penhasco desflorido, liso igual uma bunda.
Ainda ontem lá estive: o descaso causou furor,
Ao legado que deixas-te de maneira profunda
A Itabira, berço natal que desdenha teu valor,
Como cravando teus versos numa cova funda.
Ah, poeta, que gente institucional Itabira tem,
De picuinha e mazela não consegue ver além,
A sede e a fome cultural estampadas no povo.
Se possível for de outra dimensão vir de novo,
Cuida que a ternura abrolhe na forma de ovo,
Depurando maus políticos; assim seja, amém!
não devia comentar, mas não resisto: esta pergunta (que eu já respondi por duas vezes), Itabira, MERECE (ops!) o título de capital nacional da poesia? proposta de um elemento-deputado do PRB, me cheira a arrivismo, uma falácia. Pergunto ao deputado? você já ouviu falar no poeta José João de Brito? Se Itabira for a capital nacional da poesia, será um vergonhaço. E fico achando, com base em falas do próprio poeta Drummond, de que ele acharia a proposta no mínimo….. Pra mim é papo furado de deputado, se pelo menos fosse de escritores? Já perguntaram pras viúvas do poeta? Vamo cair na real?
Certo é, Drummond ficaria envergonhado quando instituíram como data nacional e comemorativa para o DIA DA POESIA no mesmo dia do aniversário dele, em detrimento da data que se comemorava tradicionalmente e dia do aniversário do Castro Alves – dia 14 de Março.