Infratores ambientais famosos visitaram Alvorada durante governo Bolsonaro
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Lista inclui ex-presidente da Aprosoja e ‘maior grileiro de terras indígenas’ da Amazônia
Por Karina Tarasiuk e Rafael Oliveira
Agência Pública – 138 milhões de reais em multas e dezenas de milhares de hectares de floresta destruídos ilegalmente. É esse o passivo ambiental que apenas seis infratores acumularam desde 2008.
Em comum, além do rastro de destruição, todos constam na lista de visitantes do Palácio da Alvorada entre 2021 e 2022, período em que o morador da casa era Jair Bolsonaro (PL). Ao todo, os infratores acumularam 24 multas e estiveram no registro da residência oficial em sete ocasiões nos períodos analisados.
O cruzamento foi feito entre a base pública de multas do Ibama e a lista de visitantes do Alvorada obtida pela Agência Pública. Como o ex-presidente tinha o hábito de receber apoiadores no “cercadinho”, não é possível saber se os autuados efetivamente entraram no Palácio ou se apenas ficaram na região em que Bolsonaro interagia com seus eleitores.
Foram considerados apenas infratores famosos ou que tivessem nomes pouco comuns, que permitissem checagem por outros meios que não o CPF, uma vez que os dados disponibilizados pelo Governo Federal não permitem a checagem de todos os indivíduos que aparecem em ambas as bases de dados.
Há multas por desmatamento que chegam a até 10 mil hectares, além de autuações por descumprimento de embargos, incêndio e funcionamento de atividade poluidora sem licença ambiental. Há 11 multas com valores acima de R$ 1 milhão, com duas na casa dos R$ 50 milhões.
Todas as autuações foram aplicadas em municípios da Amazônia Legal, sendo a maior parte delas no Amazonas (11) e no Pará (8); as demais foram no Mato Grosso. Há, inclusive, multas por desmatamento dentro de terras indígenas.
Entre os infratores há nomes conhecidos, como o de Jassonio Costa Leite, definido pelo Ibama como “chefe do esquema criminoso” de grilagem de terras indígenas na Amazônia, Antônio Galvan, ex-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), e Valmir Queiroz Mariano, ex-prefeito de Parauapebas (PA), que apontou fraude nas urnas, entre outros.
Maior grileiro de terras indígenas na Amazônia foi multado uma semana antes de ir ao Alvorada
Na sexta-feira de 16 de abril de 2021, 51 pessoas foram registradas como visitantes do Palácio da Alvorada. Uma delas foi Jassonio Costa Leite, um empresário de Tocantins que ficou no local durante quase quatro horas.
Mas não se tratava de apenas um apoiador comum de Jair Bolsonaro: uma semana antes da visita, o Ibama havia divulgado uma nota informando que identificara e multara o “chefe do esquema criminoso” de grilagem de terras indígenas na Amazônia, que liderava um grupo que invadia terras indígenas, fazia loteamentos e as vendia dentro do território protegido. O grileiro era Jassonio Costa Leite, como apurou o Estadão.
Segundo o jornal, Leite mantinha relações com políticos de Brasília, frequentava gabinetes no Congresso Nacional e era presença frequente no “cercadinho”, onde o ex-presidente reunia seus apoiadores. Ele recebeu quatro multas no dia 9 de abril, que totalizaram R$ 105,5 milhões, por conta do desmatamento de mais de 22 mil hectares de vegetação na Terra Indígena Ituna/Itatá.
O território abriga indígenas isolados e é protegido por portaria de restrição de uso – que limita o ingresso de terceiros e veda atividades econômicas em terras ainda não demarcadas – desde 2011.
No dia 29 de setembro, o grileiro recebeu outra multa do Ibama no valor de R$ 90 mil, por desmatar 17,93 hectares de vegetação nativa na mesma terra indígena, que fica localizada no município de Senador José Porfírio, no Pará. A região registrou um dos maiores índices de desmatamento ilegal em toda Amazônia entre 2018 e 2020.
Em 2020, Jassonio pediu a ajuda de políticos diante da megaoperação do Ibama de combate ao desmatamento na Amazônia Legal. Quem ajudou o empresário e sua filha foi o senador paraense Zequinha Marinho (então no PSC, hoje no PL), que gravou um vídeo de crítica ao Ibama no qual avisava que iria recorrer ao governador do Pará, Helder Barbalho, para acabar com a operação.
Ainda em 2020, as investigações do Ibama já apontavam Jassonio como líder de invasões de terras indígenas. Mostravam também que havia a tentativa de erguer uma vila dentro do território e de transferir títulos eleitorais para consolidar a ocupação e criar vínculo dos invasores com o poder público.
A Pública procurou o grileiro por e-mail e telefone, mas não obteve retorno até a publicação.
Presidente da Aprosoja também visitou Alvorada
Menos de um mês depois da visita do ‘maior grileiro de terras indígenas da Amazônia’, o Alvorada de Bolsonaro registrou outro visitante “ilustre”. Em 16 de maio de 2021, por pouco mais de uma hora, o presidente da Aprosoja Brasil, Antônio Galvan, esteve nas imediações da residência oficial da autoridade máxima do país.
A visita ocorreu pouco mais de um mês depois da posse de Galvan na presidência da associação ruralista que deu suporte a Bolsonaro durante seu mandato.
Presidente da Aprosoja no Mato Grosso entre 2018 e 2020, Galvan ainda não figurava na lista de multados pelo Ibama na época da visita ao Alvorada, mas já acumulava tanto passivos ambientais quanto processos judiciais, como apurado pela Repórter Brasil.
À época, a lista incluía desmatamento ilegal flagrado por autoridade estadual, plantio clandestino de grãos, tentativa de invasão de terra em uma fazenda vizinha à sua e transporte de soja com notas ‘frias’, entre outras acusações.
Desde a visita, porém, a ficha e a fama de Galvan aumentaram exponencialmente. Em agosto de 2021, meses após se registrar no Palácio do Alvorada, o sojeiro protagonizou uma cena bastante repercutida entre bolsonaristas, quando foi “escoltado” por uma carreata de tratores no trajeto até a sede da Polícia Federal em Sinop, em Mato Grosso.
Investigado sobre a participação em atos antidemocráticos, ele se voluntariou a depor antes mesmo de ser convocado oficialmente para prestar esclarecimentos. No mesmo mês, foi acusado de corrupção pelo próprio filho, que o chamou de “otário” em grupo de mensagens. Dias depois, foi apontado como um dos financiadores dos atos de 7 de setembro de 2021 e comemorou vantagens para produtores obtidas do Governo Federal.
No primeiro semestre de 2022, o presidente da Aprosoja entrou na mira do Ibama, sendo multado em duas ocasiões, ambas em Vera (MT), em um total de R$ 1,56 milhão. A principal infração refere-se ao funcionamento de “aeródromo civil particular para operação com produtos de defesa agropecuária, considerado potencialmente poluidor”.
Meses depois, Galvan se licenciou da organização de sojeiros para concorrer ao Senado do Mato Grosso pelo PTB de Roberto Jefferson, se autointitulando “o único candidato da direita” no estado. Na campanha, durante os atos de 7 de setembro, ele articulou um ‘tratoraço’ pró-Bolsonaro. Galvan acabou não sendo eleito, mas recebeu votação expressiva, com cerca de 26% dos votos válidos e a segunda colocação no pleito.
A reportagem buscou Galvan por intermédio da Aprosoja Brasil, mas não obteve retorno até a publicação.
Lista ainda inclui ex-prefeito que questionou urnas e infratores com milhões em multas
Além dos dois infratores famosos, a Pública conseguiu identificar outros quatro autuados pelo Ibama na lista de visitantes do Alvorada entre 2021 e 2022. Somados, eles totalizam mais de R$ 31,3 milhões em 17 multas aplicadas entre 2008 e o ano passado.
O mais recente infrator a visitar o Alvorada é o político e empresário Valmir Queiroz Mariano, que foi prefeito de Parauapebas (PA) entre 2013 e 2016, pelo PSD. Ele visitou a residência oficial por pouco mais de uma hora na manhã de 9 de maio do ano passado. Meses depois, após as eleições de 2022, o político seguiu a cartilha bolsonarista ao publicar vídeo questionando as urnas eletrônicas e afirmando ter sido vítima de fraude no pleito de 2020, quando ficou em terceiro lugar.
Conhecido como “Valmir da Integral”, nome da empresa de construções e comércio de que é fundador e sócio, ele já havia tentado se reeleger em 2016, sem sucesso. Suas tentativas de ser deputado estadual, em 2006 (pelo PSB), em 2010 (pelo PDT) e em 2018 (pelo PSD), também não deram certo. Na última eleição em que participou, o político declarou pouco mais de R$ 30 milhões em bens.
O ex-prefeito foi multado em R$ 685 mil pelo Ibama em setembro de 2010 por destruir mais de 136 hectares de floresta nativa em Cumaru do Norte (PA). A autuação do órgão ambiental, porém, não é a única controvérsia no histórico do político. Além de acumular dezenas de processos trabalhistas, Mariano figurou na “Lista de Fachin”, suspeito de ter recebido R$ 1 milhão de ‘caixa 2’ da Odebrecht em 2012, já foi condenado a devolver milhões aos cofres públicos e foi processado por improbidade administrativa.
Um mês antes, em 13 abril, outra infratora ambiental figurou a lista de visitantes do Alvorada. Deusimar Nascimento Vidal Alves, moradora de Medicilândia (PA) e proprietária de uma fazenda, chegou ao local às 17h57 e não há registro do seu horário de saída. Lista obtida pela Pública mostra que seu marido, Darci Alves Pereira, que afirma ser pastor da Assembleia de Deus em seu Facebook, também esteve presente no local neste mesmo horário.
Em seu perfil na rede social, a fazendeira fazia várias publicações diárias de apoio a Jair Bolsonaro e de conteúdo antipetista. Há, inclusive, uma foto sua com o ex-presidente. Seu marido, Darci, também tem posts bolsonaristas no perfil. Um deles convida a população de Medicilândia à mega carreata pró-Bolsonaro no dia 28 de outubro.
Foram registradas duas multas em seu nome, na propriedade Fazenda Bela Vista I, em Uruará (PA), segundo a base pública do Ibama. Ambas são de 28 de junho de 2017 e totalizam mais de R$ 900 mil. Envolvem o desmatamento de mais de 183 hectares de floresta nativa “sem licença da autoridade ambiental competente”.
Ao longo de 2021, pelo menos outros dois infratores ambientais aparecem na lista de visitas do Palácio da Alvorada: Antônio Donizeti Casagranda e Wilmar Cesário Rosa.
Casagranda visitou a residência oficial em 10 de setembro daquele ano, e depois novamente em 8 de setembro de 2022 – ambas nas proximidades dos atos do dia da Independência que ocorreram em 2021 e em 2022. Ele foi multado três vezes pelo Ibama, em um total de R$ 10,7 milhões, por desmatamento e por descumprimento de embargo. A maior multa, de R$ 6,4 milhões, foi aplicada em novembro de 2016. As outras duas autuações foram feitas no mesmo dia de maio de 2019.
Já Wilmar Cesário Rosa esteve no Alvorada no dia 18 de março de 2021, no período da tarde, por quase três horas. Ele possui dois comércios e uma fábrica de embalagens de material plástico em Rio Branco (AC). Segundo levantamento da Pública, o empresário acreano já foi multado pelo Ibama em 13 oportunidades desde 2008, em um total de R$ 18,9 milhões. A maior autuação, de pouco mais de R$ 5 milhões, refere-se ao desmatamento ilegal de mais de 1.000 hectares de floresta em Lábrea (AM). Em seu perfil no Twitter, Wilmar Rosa faz recorrentes posts pró-Bolsonaro e de conteúdo negacionista.
A Pública procurou todos citados, que não responderam até a publicação desta reportagem.
Créditos de imagens
*Esta reportagem faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.
Reportagem originalmente publicada na Agência Pública