Índices da qualidade do ar não são informados em tempo real para a população

“Mãe, olha como o céu está sujo”, disse um menino que brincava na pracinha do Pará, quando um vento forte levantou poeira na mina da Vale, próxima da antiga Vila Cento e Cinco. Preocupada, a mãe disse que o filho é asmático e que todo ano o seu sofrimento aumenta com a estiagem, quando cai a umidade do ar e os ventos fortes sopram levantando poeira na mina.

“A poeira sujou o céu”, disse à mãe um garoto, que sofre com asma (Fotos Carlos Cruz)

Desde que a empresa Vale assinou termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público, em 7 de abril de 1993, os índices de monitoramento da qualidade do ar em Itabira passaram a ser divulgados para os órgãos ambientais, mas a população só tem acesso mensalmente, nas reuniões do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema).

A divulgação teve início após a abertura de ações ambientais instauradas contra a empresa, depois de concluídos os inquéritos abertos pelo então promotor José Adilson Bevilácqua, em 30 de setembro de 1985, a pedido do jornal O Cometa, com base na Lei federal 7.347 (que trata dos interesses difusos da sociedade).

Na ocasião, os índices de poeira em suspensão superaram em 22 vezes o máximo admitido de 240 microgramas por metro cúbico (µg/m³). Esse índice máximo, segundo resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), não pode ser superado mais de uma vez no ano.

Atualmente, legislação municipal definida pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) e aprovada pela Câmara Municipal, restringiu ainda mais esse parâmetro, passando a ser de 150 µg/m³, não podendo, da mesma forma que determina a resolução do Conama, se repetir mais de uma vez ao ano.

Monitoramento

Com a aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC) pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), a Vale passou a fazer o monitoramento on line da qualidade do ar em Itabira. Os dados são disponibilizados em tempo real à Fundação Estadual de Meio Ambiente e ao Codema.

De acordo com a assessoria de imprensa da mineradora, os dados do monitoramento são públicos. “E podem ser solicitados aos órgãos ambientais (Codema e Feam).”

Renato Couto e Priscila Martins da Costa: dados do monitoramento só na reunião do Codema

Segundo o superintendente municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Renato Couto, neste ano esse índice só foi superado uma única vez. “A empresa foi notificada e será autuada caso volte a reincidir”, assegurou.

Divulgação

Ele, entretanto, se negou a disponibilizar para a reportagem o monitoramento da qualidade do ar no período. “Todos os dados serão divulgados na próxima reunião do Codema (na quinta-feira, 14/9), como tem sido de praxe”, disse ele. “Esses índices nunca foram disponibilizados on line para a população”, enfatizou o superintendente.

Poeira de minério e fuligem de queimadas são grandes males na estiagem

“Você não acha que a equipe técnica responsável por analisar os dados e tomar as decisões representa a população?”, questionou o superintendente, ao ser indagado pela reportagem sobre o por quê dos dados do monitoramento não serem disponibilizados em tempo real para a população, assim que chegam à Superintendência e à Feam.

“Se amanhã tiver outro canal, podemos estudar outras formas de divulgação”, admite a secretária de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Priscila Braga Martins da Costa. “Por enquanto, a divulgação seguirá sendo feita nas reuniões mensais do Codema”, disse, taxativamente.

Estudo epidemiológico

Segundo estudo realizado pela Vale, por intermédio da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelo professor Paulo Saldiva, embora não tenha sido conclusivo ao apontar as causas, os efeitos da poeira afetam toda a população independentemente da idade.

Qualidade do ar na cidade também é afetada pelas queimadas e incêndios florestais

Entretanto, o estudo epidemiológico constatou que as partículas ficam retidas nas vias aéreas superiores, agravando os quadros preexistentes de pessoas acometidas pela asma, rinite e sinusite, principalmente.

É que, por serem maiores, as partículas não chegam aos pulmões. Portanto, de acordo com o mesmo estudo, não causam pneumoconioses, como são chamadas as doenças que afetam os pulmões, comuns em trabalhadores de mina subterrânea, com destaque para a silicose.

A constatação pode servir como consolo para a maioria da população, mas não para os que sofrem com as doenças das vias aéreas superiores.

Condicionantes

Durante as negociações da LOC, foi acertado que a Vale iria instalar quiosques multimídias em pontos diferentes da cidade para divulgar as ações ambientais da empresa, assim como os dados da qualidade do ar em tempo real. Isso, entretanto, nunca chegou a ocorrer.

Aspersores, revegetação e aplicação de polímeros minimizam a emissão de poeira

A LOC foi aprovada em 18 de maio de 2000 pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), após amplo debate com a sociedade itabirana, iniciado com uma audiência pública, realizada no dia 12 de fevereiro de 1998.

A empresa considera que todos as condicionantes foram cumpridas, mas não é bem assim. Por exemplo, a cortina verde que deveria existir entre as minas, a ferrovia e a cidade tem falhas e nunca chegou a ser integralmente implantadas.

De acordo com a assessoria de imprensa da Vale, são empregados todos os meios disponíveis para reduzir ao máximo a emissão de poeira sobre a cidade. “A Vale mantém monitoramento permanente de particulados de forma a atuar preventivamente em suas operações.”

Mitigação

Irrigação das vias de acesso às minas: redução da poeira

Entre as medidas para minimizar as emissões, a empresa destaca a aspersão de vias de circulação e nas partes altas das minas. “Em alguns locais, são aplicados polímeros (um material que retém os particulados nas áreas expostas), que reduzem o carreamento de particulado pelo vento.”

Ainda segundo a assessoria, a Vale faz também a revegetação de áreas descobertas. “Os parâmetros de monitoramento estão dentro dos padrões vigentes. Esses dados são públicos e os relatórios são enviados aos órgãos competentes e podem ser solicitados aos mesmos”, finalizou a nota da empresa enviada à redação deste site.

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