Hipocrisia dos governos da União Europeia alimenta sofrimento em Gaza, afirma Médicos Sem Fronteiras
Hanan, em destaque, é palestina, mãe, avó e vive no epicentro da guerra em Gaza. Após meses de bombardeios, ordens de desocupação das forças israelenses e bloqueios à ajuda humanitária, ela, assim como tantas outras pessoas, passou a sobreviver entre os escombros, em abrigos improvisados, enfrentando escassez de água, comida e cuidados médicos (MSF)
Foto: Reprodução/ MSF/Instagram
Países precisam ir além da retórica e exercer pressão real por cessar-fogo e ajuda à população
A hipocrisia e a inação da União Europeia e de seus Estados-Membros têm permitido que Israel continue livremente o massacre de palestinos em Gaza com total impunidade, afirmou a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) em uma entrevista coletiva realizada nesta segunda-feira (16), em Bruxelas.
MSF apela para que a ajuda humanitária imparcial e baseada em necessidades reais seja facilitada em larga escala para a Faixa de Gaza, que os civis sejam protegidos e que um cessar-fogo sustentado e imediato seja restabelecido. Os governos europeus devem agir com firmeza para que isso possa acontecer o quanto antes.
Há mais de 20 meses, as autoridades e forças israelenses têm conduzido uma ação militar brutal, incluindo deslocamentos forçados em larga escala e limpeza étnica, contra os palestinos em Gaza.
Diariamente, equipes da MSF têm testemunhado padrões consistentes com genocídio, por meio de ações deliberadas das forças israelenses – incluindo assassinatos em massa, destruição de infraestrutura civil vital e bloqueios que sufocam o acesso a alimentos, água, medicamentos e outros suprimentos humanitários essenciais.
Israel está sistematicamente destruindo as condições necessárias para a vida palestina. “Casas, hospitais, mercados, redes de água, estradas e redes elétricas de Gaza foram destruídos não por negligência, mas por intenção deliberada”, relata a organização humanitária.
A União Europeia (UE) e os governos europeus possuem os meios políticos, econômicos e diplomáticos para exercer pressão real para que Israel cesse os ataques e abra as passagens de fronteira de Gaza para permitir o fluxo de ajuda humanitária sem impedimentos. “Esses não são instrumentos teóricos – eles podem ser mobilizados de forma eficaz para defender o direito internacional e proteger os civis.”
No entanto, até o momento, a UE e seus Estados-Membros parecem ter abdicado da liderança política que permitiria tomar essa atitude.
Pior ainda, declarações recentes feitas por Estados europeus, criticando a condução da guerra, “deixam ainda mais clara sua hipocrisia, pois eles continuam fornecendo as armas usadas para matar, mutilar e queimar pessoas que acabam em nossos hospitais”.

Responsabilidade e compromisso
“A guerra em Gaza é uma das mais hediondas, mortais e implacáveis já travadas contra um povo em nosso tempo”, diz Christopher Lockyear, Secretário-Geral da MSF. “É um massacre orquestrado do povo palestino. É uma limpeza étnica intencional.”
“Parar isso exige coragem política, responsabilidade legal e compromisso moral”, afirma Lockyear. “A escala do sofrimento em Gaza exige mais do que retórica vazia.”
A ajuda humanitária foi instrumentalizada, usada como moeda de troca, condicionada ou completamente bloqueada.
Desde o início das atividades da Fundação Humanitária de Gaza, em 27 de maio, como parte do esquema de EUA e Israel de instrumentalização da ajuda, centenas de palestinos foram atendidos em hospitais, e dezenas foram mortos após serem baleados nos locais de distribuição enquanto aguardavam para receber o mínimo necessário para sobreviver.
“O sistema de entrega de ajuda que foi imposto não é apenas um fracasso, mas também é desumanizante e perigoso”, diz Lockyear. “Ele expõe milhares de palestinos a riscos desnecessários, levando a derramamento de sangue que poderia ser evitado se as organizações humanitárias pudessem fornecer ajuda de forma imparcial e segura, na escala necessária que Gaza tanto precisa.”
Hoje, o hospital Nasser, principal hospital de referência no sul de Gaza para milhares de pacientes da região, mal consegue continuar funcionando, devido a repetidas ordens de evacuação e restrições de movimentação de funcionários e pacientes.
Nas últimas semanas, as equipes da MSF internaram mais de 500 pacientes que necessitavam de cuidados médicos no hospital, enquanto apoiavam a equipe médica local na resposta a repetidos eventos com múltiplas vítimas, causados pelos constantes bombardeios e ataques.
“As organizações humanitárias têm montado hospitais improvisados para suprir a lacuna, mas eles não podem, de forma alguma, substituir os hospitais regulares”, afirma Lockyear. “Os hospitais remanescentes devem ser protegidos, e a entrada de ajuda facilitada. Não fazer isso custará ainda mais vidas.”
MSF, assim como muitas outras organizações, tem repetidamente exigido um cessar-fogo imediato e incondicional, acesso humanitário irrestrito e respeito ao direito humanitário internacional – incluindo a proteção de profissionais de saúde e de instalações médicas.
“Vários governos continuam expressando preocupação com a situação terrível em Gaza, mas essas declarações invocando o respeito ao direito humanitário internacional são envoltas em hipocrisia, já que eles continuam enviando armas que matam e mutilam as crianças que tratamos”, afirma Lockyear.
“O que as pessoas estão vivendo em Gaza é insuportável: isso precisa parar agora”, diz o Secretário-Geral da MSF. “Enquanto essa investida contra um povo sitiado continua, a hipocrisia dos Estados da EU, que falam, mas não agem, torna-se mais evidente a cada dia.”
Saiba mais
Desde outubro de 2023, funcionários e pacientes da MSF em Gaza foram forçados a deixar pelo menos 18 diferentes unidades de saúde e enfrentaram 50 incidentes violentos, que incluem ataques aéreos contra hospitais, disparos de tanques contra abrigos previamente identificados, ofensivas terrestres contra centros médicos e disparos contra comboios. Onze funcionários da MSF foram mortos.