Há que se colocar os super-ricos no Imposto de Renda
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Países da OCDE têm em média 40% de tributação sobre renda e patrimônio; no Brasil esse patamar é de 23%
Charles Alcantara*
Jota – Assistir à volta da fome e ao aumento das desigualdades no país desperta tristeza e revolta, e nos questiona sobre como chegamos até aqui e para onde vamos se seguirmos nessa mesma direção e sob o mesmo “comando”.
A Constituição Federal brasileira, a despeito de todos os ataques que vem sofrendo, ainda conserva intacto o horizonte de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e fadada a erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Os impostos, vistos por muitos de forma negativa, são instrumentos dotados de potência transformadora, se cobrados com transparência, equilíbrio e progressividade, e aplicados rigorosamente no sentido de uma vida melhor para todos. A trajetória torta da tributação brasileira, contudo, fez do Brasil um verdadeiro paraíso fiscal dos super-ricos.
Dados recentes divulgados pela Oxfam Brasil apontam que o país tem cerca de 55 bilionários. Desses, os 20 primeiros somam, juntos, mais renda e patrimônio que 128 milhões de brasileiros. E tem mais: cerca de 70% das rendas dessas pessoas não são tributadas.
A progressividade tributária (que prescreve maiores impostos para rendas e patrimônios maiores), segue sendo solenemente boicotada, o que ajuda a explicar a vergonhosa posição do Brasil entre os 10 países mais desiguais do mundo e 2º que mais concentra renda no topo.
A arrecadação renunciada com a não tributação dos super-ricos reduz a capacidade do Estado de investir em políticas públicas de erradicação da pobreza e redução de desigualdades.
Apenas o imposto sobre grandes fortunas – previsto, inclusive, na Carta Magna – , se aplicado sobre quem possui patrimônio superior a R$ 10 milhões, geraria cerca de R$ 40 bilhões ao ano, segundo dados da Receita Federal. Esse imposto afetaria as fortunas de 59 mil brasileiros, ou 0,028% da população.
Segundo o estudo “Tributar os super-ricos para reconstruir o país”, da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e outras entidades – entre as quais a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e o Instituto Justiça Fiscal –, ajustes na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), com uma isenção maior para os brasileiros mais pobres e a criação de novas alíquotas, passando de quatro para sete, permitiriam maior progressividade no IRPF e acréscimo de R$ 158 bilhões na arrecadação anual.
Atualmente, a partir da faixa entre 30 e 40 salários mínimos, o sistema passa a ser regressivo, onerando proporcionalmente menos quem ganha mais.
Com cerca de 55% da população em situação de insegurança alimentar, é inacreditável que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se encorajem a assumir a agenda da tributação dos super-ricos, sem a mistificação da fuga de capitais, enquanto, no resto do mundo, bilionários suplicam por mais taxação sobre as suas fortunas.
É urgente e necessário cobrar responsabilidade e mais impostos sobre os super-ricos, que têm a oportunidade histórica de demonstrar o verdadeiro patriotismo que avocam para si, mas que, até hoje, não passam de patriotada sem graça e sem noção.
Nada que já não seja feito com sucesso por outros pares mais desenvolvidos: os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) possuem uma média de 40% de tributação sobre renda e patrimônio, enquanto no Brasil esse patamar é de 23%.
De nada adianta malabarismos orçamentários e destruição de programas sociais se não enfrentarmos esse gargalo histórico no sistema tributário. Não podemos mais tolerar lucros absurdos e o aumento de fortunas perpetuadas de geração em geração, enquanto a maioria da população não tem comida.
Embora não haja grande fortuna inocente, não é necessariamente um crime ser multimilionário ou bilionário. Criminoso é fechar os olhos à fome e às desigualdades, num país com um punhado de acumuladores de dinheiro e poder a salvo do pagamento de impostos.
É preciso, pela primeira vez na história, colocar os super-ricos no Imposto de Renda e, só assim, reduzir efetivamente as desigualdades que nos assolam.
*Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)