“Grande imprensa” critica o governo Lula por interesses do mercado, que faz oposição às reformas

Foto: Marcelo Camargo/
Agência Brasil

A mídia nacional tem intensificado suas críticas ao governo Lula, refletindo os interesses do mercado financeiro e de elites econômicas que resistem às reformas propostas pelo Planalto

Valdecir Diniz Oliveira*

A reforma tributária em curso, que visa redistribuir renda ao taxar os mais ricos e aliviar a carga tributária sobre os trabalhadores de baixa e média renda, enfrenta resistência não apenas de setores empresariais, mas também do Centrão – bloco político que historicamente atua como fiel da balança em troca de benefícios próprios inconfessáveis, mas amplamente conhecidos.

Além disso, a proposta enfrenta críticas da “grande imprensa”, especialmente de São Paulo, que segue os cânones neoliberasis ditados pela Faria Lima.

É assim que, historicamente, em consonância com esses ditames da elite brasileira, tem-se observado resistência a governos de centro-esquerda, com uma preferência por políticas liberais que veem o Estado como um obstáculo ao desenvolvimento econômico.

A “grande imprensa” segue essa elite que defende o Estado Mínimo, pelo qual entende que a intervenção estatal deve ser reduzida ao essencial, com cortes de investimentos sociais. O argumento é de que o mercado, por si só, seria capaz de regular a economia e promover o crescimento.

No entanto, essa mesma elite não hesita em recorrer às benesses financeiras do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sempre que enfrenta crises econômicas ou momentos de instabilidade.

Nessas circunstâncias, os defensores do neoliberalismo frequentemente abandonam seus princípios e adotam práticas inspiradas na teoria de John Maynard Keynes (1883-1946), tornando-se, na prática, ferrenhos keynesianos.

A teoria keynesiana, desenvolvida durante a crise de 1929, defende que o Estado deve intervir na economia para evitar crises e garantir o pleno emprego. Keynes argumentava que, em momentos de recessão, o mercado não é capaz de se autorregular.

Daí que cabe ao governo estimular a economia por meio de investimentos públicos, controle de juros e políticas fiscais. Essa abordagem contrasta diretamente com o liberalismo clássico, que acredita na eficiência do mercado livre sem intervenção estatal.

No Brasil, essa contradição é evidente. Enquanto a elite defende o Estado Mínimo em tempos de bonança, ela recorre ao Estado em momentos de crise, buscando subsídios, financiamentos e incentivos fiscais para salvar seus negócios.

Essa postura revela não apenas a incoerência ideológica, mas também a dependência estrutural de setores econômicos em relação ao Estado, mesmo em um modelo que tenta minimizar sua atuação.

Essa visão considera os gastos sociais como excessivos e prejudiciais ao equilíbrio fiscal, ao ponto de propor medidas como o congelamento do salário mínimo, defendido por Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo FHC (1999-2003).

Essa proposta, que sugere congelar o salário mínimo por seis anos, reflete uma lógica que privilegia o mercado e penaliza os trabalhadores mais vulneráveis, um política tipicamnte neoliberal.

Reforma tributária

O governo Lula, por outro lado, busca reverter essa lógica ao propor a taxação de dividendos recebidos por grandes empresários, que atualmente não pagam imposto de renda, enquanto os assalariados têm o desconto na fonte.

A medida é parte da reforma tributária.Visa promover justiça fiscal e redistribuir renda. E tem enfrentado diretamente os interesses das elites econômicas que lucram com o atual sistema regressivo.

Desse modo, a reforma tributária proposta pelo governo Lula é mais do que uma medida econômica – é um antídoto contra as desigualdades estruturais do país.

Ao redistribuir a carga tributária, taxando os mais ricos e aliviando os trabalhadores de baixa renda, sobretudo a classe média, a reforma tem o potencial de promover justiça social e estimular o consumo interno.

No entanto, enfrenta resistência de setores ligados ao mercado financeiro, especialmente da Faria Lima, que preferem manter privilégios fiscais e evitar mudanças que possam impactar seus lucros.

A dependência de commodities e o atraso econômico

O Brasil, apesar de ser uma das maiores economias do mundo e possuir uma riqueza natural incomparável, continua preso a um modelo econômico baseado na exportação de bens primários, como soja, minério de ferro e petróleo bruto.

Essa dependência de commodities, que pouco agregam valor, perpetua um ciclo de atraso econômico e social. Mantém privilégios de uma elite que se beneficia desse sistema enquanto o país permanece como um mero fornecedor de matérias-primas no mercado internacional.

A exportação de commodities coloca o Brasil em uma posição vulnerável no comércio global. Por ser um “tomador de preço” no mercado internacional, o país fica sujeito às oscilações de preços e choques externos, como crises econômicas globais ou mudanças na demanda por produtos primários.

Além disso, a falta de diversificação na pauta exportadora impede o desenvolvimento de setores industriais mais avançados, que poderiam gerar empregos qualificados e aumentar a competitividade do país.

Esse modelo econômico também reflete uma lógica de exploração dos recursos naturais sem preocupação com a sustentabilidade ou com a agregação de valor.

Em vez de investir na transformação de matérias-primas em produtos industrializados, o Brasil opta, desde a chegada de Cabral, por exportar recursos em estado bruto.

Com isso, deixa de aproveitar o potencial de geração de riqueza e inovação que poderia impulsionar o desenvolvimento econômico e social.

Privilégios e resistência às mudanças

A manutenção desse modelo econômico beneficia uma elite que controla os setores agropecuário e extrativo, garantindo lucros elevados enquanto o restante da população enfrenta desigualdades sociais e econômicas. A Lei Kandir, que isenta as commodities de pagamento de ICMS, ainda permanece assegurando privilégios, enquanto penalisa os municípios produtores.

A manutenção do modelo econômico vigente beneficia uma elite que controla os setores agropecuário e extrativo, garantindo lucros elevados enquanto a maioria da população enfrenta profundas desigualdades sociais e econômicas.

Além disso, a Lei Kandir – que isenta as commodities do pagamento do ICMS e que, mesmo com a reforma tributária, ainda não foi reformulada nem extinta – continua a assegurar privilégios aos setores exportadores, enquanto penaliza os municípios produtores.

É mantida por força dessa elite do atraso, como a define o sociólogo Jessé Souza, que tem forte influência na política nacional. E que resiste às mudanças estruturais que poderiam redistribuir renda e promover justiça social.

Ao contribuir com a permanência desse modelo econômico extrativo-exportador, e ao divulgar essas narrativas, a “gande imprensa” reforça a ideia de que o Brasil deve continuar dependente de commodities. Escamoteia o impacto negativo dessa dependência no desenvolvimento econômico e social do país.

Essa postura editorial reflete os interesses de setores que se beneficiam do modelo atual e se opõem a reformas capazes de transformar a economia brasileira. Não à toa, esses setores investem de forma expressiva em publicidade e publieditoriais nos principais veículos de comunicação hegemônicos do país.

Ao criticar a reforma tributária e outras medidas progressistas do governo, a “grande imprensa” repercute os interesses de elites econômicas. Mas, convenhamos, essa postura não é nova.

Historicamente, campanhas moralistas e anticorrupção, como as promovidas pela UDN de Carlos Lacerda, nos anos pré-golpe militar de 1º de abril de 1964, serviram mais para desestabilizar governos do que para moralizar a gestão pública.

O mesmo padrão de campanha “moralista” pode ser observado na cobertura do asilo concedido à ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, que alega ter sido condenada sem provas, apenas com base em delações premiadas.

Diferenças cruciais na política econômica

Como se observa com fatos diversos, a condução da política econômica no governo Lula contrasta fortemente com a do governo Bolsonaro.

Enquanto o governo anterior priorizou medidas populistas, como o inchaço do Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) para fins eleitorais, o atual governo busca reestruturar os programas sociais, corrigindo distorções, como meio de assegurar que os benefícios cheguem a quem realmente precisa.

Além disso, o governo Lula retomou investimentos sociais e econômicos estratégicos, utilizando keynesianamente o BNDES como ferramenta para fomentar o desenvolvimento.

Um exemplo disso é o financiamento das importações de bens de capital pela indústria nacional, um indicativo de que o setor busca modernizar-se para enfrentar os desafios de um cenário global marcado por retrocessos protecionistas, como a política de taxação implementada pelo governo Trump nos Estados Unidos.

A conjuntura internacional desafiadora aumenta os desafios e cria novas oportunidades. Nesse contexto, o Brasil tem a chance de se posicionar como líder entre os países emergentes.

Mas pra isso é preciso modernizar a indústria nacional, impulsionando-a com políticas de incentivo e investimentos estratégicos. É o que transforma dificuldades em oportunidades, via BNDES, como sempre, isso nunca muda.

O governo Lula, ao priorizar justiça social e desenvolvimento sustentável, tem a oportunidade de desconstruir narrativas midiáticas e reafirmar seu compromisso com a democracia e o progresso econômico e social.

É assim que o seu governo está longe de ser socialista. Aproxima-se, no máximo, da social-democracia.

Seu objetivo com as reformas em curso e outras que virão, é salvar um capitalismo moribundo em um mundo dominado por economias de mercado não planificadas. E que, por isso, as elites brasileiras deveriam, no mínimo, agradecer.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

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