Flexibilização de norma ambiental municipal vai piorar a imagem da Vale em Itabira, adverte consultora da Unifei em reunião do GT da poeira
Foto: Carlos Cruz
Está pegando muito mal para a mineradora Vale S.A essa insistência em flexibilizar a deliberação normativa número 2 (DN-2), do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), principalmente no que se refere às Partículas Totais em Suspensão (PTS), que antes a empresa dizia “causar apenas incômodos” na cidade, sem afetar a saúde da população por serem partículas mais grossas que ficam retidas nas vias aéreas superiores sem chegar aos pulmões.
É o que a empresa até então vinha sustentando desde meados de 1986, quando o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou inquérito que se transformou em Ação Civil Pública, pioneira no país.
Trata-se de uma tese nunca confirmada de que a poeira que emporcalha a cidade e gera a famosa “meleca” itabirana, por demais conhecida pelos aqui residem, só “agrava” doenças com menor gravidade: sinusite, rinite, asma e outras doenças correlatas. Hoje, sabe-se que não é bem assim.
Pois não é que agora, com a instalação do grupo de trabalho (GT) instituído pelo Codema a pedido da mineradora para flexibilizar a DN-2, a “tropa de choque” da Vale, formada pelo conselheiro da empresa com assento no órgão ambiental, mas também com participação de outros analistas de meio ambiente e consultor contratado, o foco tem sido justamente na suspensão, por um prazo que pode chegar a três anos, dos parâmetros das PTS que formam a poeira mais grossa. justamente a “que não acarreta graves consequências à saúde do itabirano por não chegar aos pulmões”.
A Vale vinha, como ainda vem, sustentando essa tese, mas sem concluir os estudos epidemiológicos prospectivos das doenças respiratórias, conforme foi sugerido pelo professor Paulo Saldiva, em 2005, quando coordenou equipe do Laboratório de Poluição Atmosférica, da Universidade de São Paulo (USP), contratado pela Vale, em cumprimento a uma das condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), de 2000.
Na apresentação pela equipe de Paulo Saldiva, foi apontada a necessidade de aprofundar os estudos, pois havia sido constatada uma grande incidência de doenças cardiorrespiratórias e que não foram objeto do estudo epidemiológico de 2005.
Mas nada disso aconteceu. A Vale não fez aditivo ao contrato com a USP e as autoridades políticas e de saúde de Itabira nada cobraram até então.
Tempo de sobra
Durante todo esse tempo, que remonta à metade da década de 1980, quando a poluição do ar em Itabira foi agravada pela mineradora ao fazer a supressão, de uma só vez, da floresta remanescente da Mata Atlântica existente na Serra do Esmeril para a abertura das chamadas Minas do Meio, a empresa já deveria agir por todos os meios, conhecidos e futuros, para conter essa poeira com as partículas totais em suspensão.
Mas mesmo tendo tempo de sobra, a empresa ainda não deu conta de controlar e mitigar essa poeira, por negligência e também por falta de cobrança até recentemente da sociedade itabirana, o que só se tornou mais evidente a partir do momento em que a atual administração passou a divulgar pelo portal da Prefeitura, de hora em hora, os resultados do monitoramento da qualidade do ar, realizado sob controle total da disparada maior poluidora da cidade.
Essa cobrança se tornou maior também pela série de eventos críticos no período de estiagem nos últimos anos – e que resultaram em multas que a empresa não paga e judicializa para procrastinar para sempre o pagamento.
Grupo de Trabalho
Com a instalação do grupo de trabalho para estudar o pedido de flexibilização, tendo reunido pela primeira vez em 16 de março, a expectativa era que fosse apresentado na reunião do Codema, desta sexta-feira (20), as conclusões para apreciação e deliberação do órgão ambiental municipal sobre o pedido de flexibilização de vários parâmetros, com ênfase nas referências de PTS.
Trata-se da poeira de todos os dias que encobre a cidade principalmente na estiagem, para a qual a Vale espera menos rigor da municipalidade, em troca de uma contrapartida – pasme! – de construir uma Central de Processamento de Resíduos, uma condicionante e depois medida compensatória não cumprida pela mineradora desde a LOC de 2000.
Entretanto, o pedido de flexibilização não foi pautado para a reunião do órgão ambiental municipal nesta sexta-feira (20). Isso porque, de acordo com o secretário municipal de Meio Ambiente, Denes Lott, que preside o Codema, a mineradora pediu o cancelamento da reunião do grupo de trabalho que estava agendado para esta semana. “A reunião do GT foi adiada a pedido da Vale”, disse o secretário à reportagem.
Por certo a empresa caiu na real ao perceber que não vai ser dessa forma, coagindo e fazendo pressão sobre os conselheiros do Codema para que ocorra a flexibilização e não ser multada, que vai se habilitar a obter o necessário certificado social para ingressar no rol das grandes empresas que adotam e integram o ainda restrito clube sintonizado com as práticas da ESG (Environmental, Social and Governance).
Pra isso, a Vale precisa estar em dia com as melhores práticas ambientais, no cuidado com as pessoas e com a boa governança.
Composição do GT
A composição do Grupo de Trabalho (GT) constituído pelo Codema para analisar o pedido de flexibilização da DN-2 é majoritariamente favorável à mineradora, considerando apenas os conselheiros com direito a voto, o que é ampliado pelas participações de analistas de meio ambiente e consultor da mineradora.
É o que fica evidente com a leitura das atas das reuniões do GT que vem acontecendo desde março deste ano. São os seguintes conselheiros que estão aptos a votar o relatório final a ser submetido ao órgão ambiental para deliberação: Denes Lott, coordenador, Larissa Silva (Belmont), Breno Brant (Vale), Glaucius Bragança (Loja Maçônica), Bianca Pelucci Barreto (Secretaria de Saúde, ex-Funcesi) e Flávia Pantuza (Funcesi).
Além desses conselheiros com direito a voto, participam ainda técnicos da SMMA, além da consultora municipal, a professora Ana Carolina Vasques Freitas, da Unifei, coordenadora e parceria da Prefeitura na elaboração dos boletins sobre a qualidade do ar na cidade.
Pela Vale, além do conselheiro com assento no Codema, as reuniões são sempre acompanhadas pelos analistas de meio ambiente Joni Amorim, Eder Medina, Denis Duarte, o relações públicas da Vale Luiz Augusto Magalhães, além do consultor Anderson Simões, da empresa Quality Ambiental.
Debate técnico e político
Foi esse consultor que afirmou, em reunião do Codema de 10 de março, que legislação restritiva da poluição do ar espanta novas indústrias.
Essa mesma sandice ele repetiu na primeira reunião do GT. Isso depois de dizer que em uma avaliação inicial “a Vale atualmente aplica o que se tem de vanguarda no controle da poeira”. Ora se é assim, por que então não se submeter às normas restritivas da DN-2, ao invés de pedir a sua flexibilização?
Além disso, o consultor não sabe que historicamente o que atrapalha a atração de novas indústrias para o município não é a existência de uma legislação ambiental mais rígida para a poluição do ar, mas a falta de água, uma vez que as principais outorgas são monopolizas pela mineração, problema estrutural a ser resolvido somente a partir de 2026 com a execução do TAC do rio Tanque.
Foi esse monopólio das águas pela mineração que levou ao fechamento, na década de 1950, das duas fábricas de tecidos que existiam no município: Pedreira e Gabiroba.
Na mesma reunião, Denes Lott rebateu o consultor dizendo que “diante das opções apresentadas (a contrapartida da Central de Resíduos), “a escolha do município será pela saúde da população, pela melhoria da qualidade ambiental e não pela economia”, disse ele.
O secretário informou ainda que irá se reunir com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) para discutirem o licenciamento ambiental da Vale para o complexo minerador de Itabira, que se encontra vencido desde 2016.
A analista de meio ambiente da Prefeitura, Fernanda Pio, acrescentou que as empresas que venham a se instalar em Itabira não se submeterão às normas da DN-2, que trata da poluição difusa cujo principal e disparado maior emissor é a mineração da Vale.
“No caso dessas novas indústrias, a poluição é pontual, diferente da poluição difusa, como é o caso da mineração. Se uma indústria vier para Itabira, vai seguir a legislação estadual”, ela explicou ao consultor da Vale, para ver se ele para de dizer essa sandice.
O analista de relação com a comunidade, Luiz Augusto Magalhães, insistiu na mesma reunião com a tese absurda de que a Vale precisa de tempo para que novos equipamentos e medidas mitigadoras da poeira possam surtir efeito.
Larissa Silva, conselheira no Codema representando a empresa Belmont, fez questão de frisar que em Itabira não existe só a poeira da mineração, concordando com o consultor de que a legislação restritiva pode dificultar a instalação de novas indústrias no município.
Flavia Pantuza, conselheira representando a Funcesi, emendou dizendo que é preciso fazer o inventário de novas fontes poluidoras na cidade e que a mineração é pontual, sendo que a poluição advinda da atividade é amenizada pelo fato de a Vale manter reservas florestais no entorno da cidade.
Desmontando falácias
Todos esses argumentos pró-Vale, portanto, a favor da flexibilização, foram rebatidos pela consultora da Prefeitura, a professora Ana Carolina Vasques, da Unifei. Segundo ela, todas as fontes de emissão na cidade já estão sendo levantadas, inclusive as emissões de veículos.
Nesse ponto é importante ressaltar a maior parte da poluição por emissões no trânsito (monóxido de carbono, hidrocarbonetos, dióxido de enxofre) é agravada pelo excessivo número de veículos de empreiteiras a serviço da Vale.
A professora questionou também porque só agora a mineradora pede a flexibilização da norma municipal, sendo que ela existe, com os parâmetros gerais restritivos para PTS, desde a edição e aprovação da primeira deliberação normativa do Codema, em 2007.
Portanto, a mineradora Vale já teria tido tempo mais que suficiente para se adaptar à norma mais restritiva, que deve ser alterada para se tornar mais rígida em 2024, consoante com nova resolução que deve ser editada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), com base em novas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Ana Carolina questiona também o motivo de a Vale pedir essa flexibilização, sendo que na cidade canadense de Sudbury, na província de Ontário, onde a mineradora explora a mina de Totten extraindo cobre, níquel e metais preciosos, já se submete ao parâmetro de 2021 da OMS de 120 microgramas por metro cúbico de PTS, menor que o índice da norma municipal que a empresa quer flexibilizar em Itabira.
“Existem estudos indicando que o PTS (a poeira em suspensão) dissocia no corpo hídrico em nanopartículas e pode ingressar nas células pulmonares. Futuramente a OMS pode revisar e abaixar ainda mais o parâmetro se verificar que esses índices não são seguros.”
A professora se refere a um estudo realizado pela Unifei em parceria com a Universidade de São Carlos (UFSCar), tendo mostrado que o material particulado atmosférico da cidade de Itabira pode ser internalizado, ou seja, pode entrar nas células de pulmão humano e promover efeitos citotóxicos em condições de laboratório (in vitro).
Saiba mais aqui:
Custo político e administrativo
Outro artigo apresentado pela professora da Unifei se refere ao alto custo que a poluição do ar acarreta ao município com o tratamento de doenças respiratórias. Segundo ela, se Itabira já estivesse há mais tempo adotado padrões mais restritivos, como agora estão na DN-2 do Codema, muitas internações teriam sido evitadas.
“Só no ano de 2019 ocorreram 28 internações por doenças cardiovasculares e 40 mortes prematuras de adultos maiores de 30 anos, que poderiam ter sido evitadas, sem contar a redução da expectativa de vida”, acrescentou.
Diante desse quadro, a professora apresentou um outro questionamento que é crucial nesse momento de decisão sobre a flexibilização ou não da norma ambiental. “Qual é a mensagem que o município vai mostrar se retroceder agora”, perguntou, acrescentando que haverá perda de capital político da empresa.
E também desgastará profundamente a imagem do governo municipal, acrescente-se. Afinal conforme pesquisa apresentada pela professora da Unifei, num universo de 207 pessoas da comunidade entrevistadas, 75% são acometidos por problemas crônicos respiratórios, enquanto 73% classificaram a qualidade do ar no local onde moram como ruim ou péssima.
A mensagem é clara e serve como advertência ao governo municipal. É que no ano que vem tem eleição municipal e certamente uma eventual flexibilização da norma, caso os conselheiros cedam à pressão da Vale, isso será relacionado pela oposião entre “as más realizações” do prefeito, que indica metade mais um dos conselheiros do Codema.
Incrível a participação de empregados da mineradora maldita no Codema. Não devia, eles estarão defendendo as atrocidades da VALE a qualquer preço. Imoral pedir mais três anos para poluir e matar. Indefensável. Já o Conselho do Codema se tiver o mínino respeito pela vida não aceitará a imoral proposta da famigerada mineradora estrangeira.
E creio, sinseramente que o Prefeito não aceitará a troca desonesta, desleal. Ppois trata-se de um programa iniciado na década de 90, pelo Ocidente coletivo despejar o seu lixo industrial na América Latina. Quem defende está ideia não merece respeito, é ignorante e lesa-pátria. Tenho dito e repetido