Ex-aliada, Joice Hasselman pede impeachment de Jair Bolsonaro
Por Mariama Correia
ENTREVISTA
Agência Pública – Ex-aliada de Bolsonaro, a deputada federal Joice Hasselman (PSL) protocolou um pedido de impeachment baseado nas denúncias feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro. Hasselmann se diz arrependida de ter apoiado o presidente. Diz que pensava que ele fosse “um homem bronco e despreparado”, “até meio limitado intelectualmente” mas que jamais imaginava que ele fosse capaz de “cometer os desmandos que cometeu”. “A direita precisa fazer o seu mea culpa, eu já fiz o meu”, diz.
Você apoiou o presidente Bolsonaro (sem partido) durante as eleições de 2018 e exercia a função de líder do governo no Congresso. Como foi o rompimento de sua relação com o presidente?
Meu distanciamento do presidente da República começou quando pra mim ficou absolutamente claro que o Flávio Bolsonaro era culpado por todos os esquemas de desvios de dinheiro público, de corrupção no Rio de Janeiro. O presidente, o Palácio como um todo queria que eu como líder defendesse veementemente o Flávio Bolsonaro, o que não aconteceu.
Eu, pelo contrário, dizia publicamente que as investigações deveriam continuar e, se ele fosse inocente – eu até daria o benefício da dúvida – ele que provasse sua inocência, mas que deveria se afastar do mandato para isso. Porque eu estava vendo a clara interferência do Planalto para ajudar o Flávio Bolsonaro, do pai para ajudar o Flávio Bolsonaro que claramente é um corrupto, ladrão. Alguém que desviou dinheiro público, que tem patrimônio infinitamente maior do que poderia ter construído com aquilo que ganha como político.
Então, nesse momento houve distanciamento e depois houve uma série de outros fatores como frituras de ministros, que eu sempre fui contra, a demissão do [ex-ministro] Santos Cruz, a questão do [ex-ministro Gustavo] Bebiano, eu fui contra aquela ação.
Quando o presidente começou a fritar o Sérgio Moro, eu fui contra. Quando foi contra o pacotão envolvendo os crimes de corrupção e crimes violentos, porque o presidente ajudou a desfigurar algumas ações que tinha prometido ao Moro fazer, eu fui contra. Então, a coisa foi um somatório de ações que eu claramente dizia para o presidente que era contra, porque eu não podia compactuar com aquele tipo de sujeira.
Aquilo foi desgastando a relação até o ponto em que ele resolveu fazer uma interferência direta no meu partido, no PSL, para de novo beneficiar um filho. Ele quis dar um golpe no partido para colocar o filho na liderança e eu fui contra, porque já tinha palavra empenhada com outro parlamentar. E aquilo foi a gota d’água.
Na sua visão, quais crimes Bolsonaro teria cometido?
Há uma sucessão de crimes e eventos com indícios de crimes cometidos pelo presidente da República. Mas os mais graves, com toda certeza, são os recentes. As interferências na PF para salvar seus filhos. É um crime que puxa outros crimes.
No momento que o presidente interfere politicamente na Polícia Federal, tenta abafar investigações envolvendo seus filhos – tanto o Carlos quanto o Flávio, e o Eduardo também, por conta de ter a fábrica de fake news dele- , mas essencialmente o presidente tenta blindar o Flávio, que é corrupto, que é ladrão e o Carlos Bolsonaro, que tem toda uma máquina de fake news por trás dele.
Quando o presidente usa o Estado brasileiro, a Polícia Federal, quando forja um documento – ele cometeu falsidade ideológica quando forjou a assinatura do Moro, colocou a assinatura do Moro quando ele não assinou na exoneração do Valeixo -, quando troca deliberadamente um superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro para perseguir desafetos políticos.
Tudo isso é uma sucessão de crimes claros cometidos pelo presidente da República.
Nós vemos um desapreço pela democracia, nós vemos um presidente ferindo o tempo todo a Constituição, participando de ações antidemocráticas, então tudo isso forma o conjunto criminoso que envolve o presidente da República, e isso é muito grave.
O problema é que é uma sucessão tão grande de eventos criminosos ou com indícios de crimes, e sempre tem alguma coisa nova, que as pessoas estão se acostumando com esses desmandos, estão se anestesiando, o que é muito grave para a democracia brasileira.
Você disse que apresentou o pedido de impeachment como uma representante da direita. E que esse movimento, de impeachment, deve ser liderado pela direita. Isso quer dizer que a direita precisa fazer um mea culpa pela eleição do presidente Bolsonaro?
É, sem dúvida. E eu já fiz o meu mea culpa, já pedi perdão à nação brasileira por ter ajudado com tanto trabalho, com tanta veemência a eleger esse homem.
Por óbvio que, no segundo turno, a gente tava num mato sem cachorro porque era PT de um lado e Bolsonaro de outro, que todo mundo sabia que era um grosseirão, um despreparado, mas ninguém imaginou que ele fosse flertar tanto com corrupção e cometer tantos desmandos.
Eu jamais imaginei que ele fosse cometer os desmandos que cometeu. Imaginei que ele fosse um homem bronco e despreparado. Até meio limitado intelectualmente, mas nunca imaginei que ele fosse ceder tanto à corrupção como está cedendo nos últimos tempos.
Então a direita precisa fazer o seu mea culpa, eu já fiz o meu.
Nós precisamos consertar o que ajudamos a fazer e seguir na busca de um grande líder que possa enfrentar esse homem. Precisamos colocar um líder de direita, alguém que respeite a Constituição, os ideais liberais da presidência da República.
Em vídeo, você diz que a melhor opção seria a renúncia imediata do presidente para que o vice, o general Hamilton Mourão, pudesse assumir. O governo do vice não representaria uma continuidade do atual?
O vice é mais preparado, mais ponderado, ele tem inteligência emocional, é alguém disposto a dialogar. Então, realmente é um homem que abriria um diálogo de verdade, não esse tipo de cooptação que o presidente tá fazendo com partidos do centrão, vendendo o governo.
O impeachment é a melhor opção ou apenas aprofundaria a crise do país? É uma pauta que, na sua opinião, une a esquerda e a direita nesse momento?
O impeachment une todos aqueles que respeitam a Constituição, a lei, que querem o cumprimento da lei e um país decente. Infelizmente o presidente perdeu todas as condições de governar – morais e legais.
Resumo do pedido de impeachment
O pedido de impeachment feito pela deputada Joice Hasselman (PSL-SP), toma como base a coletiva de imprensa realizada pelo ex-ministro Sérgio Moro no dia 24 de abril – e inclusive cita diversos trechos entre aspas.
Primeiro, argumenta que o ex-diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, foi demitido pelo presidente, mas no Diário Oficial da União o decreto saiu como “exonerado a pedido”. “O ex-ministro Sérgio Moro classificou a voluntariedade da exoneração, expressamente, como inverídica”, afirma.
O objetivo de usar dados “ideologicamente falsos” seria dissolver “eventuais críticas” pela demissão. O que é crime, de acordo com o artigo 299 do código penal, ou seja, omitir declaração que deveria constar em um documento público com o fim de “alterar a verdade sobre fato jurídico relevante”.
Embora seja um crime comum, o documento argumenta que a ação viola o artigo 7º da Lei de Crimes de Responsabilidade (1079/50), que determina como motivo possível “permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública”.
O segundo fato é “ainda mais grave”, segundo Hasselman. O pedido ressalta que os filhos do presidente são objeto de investigações e que Jair Bolsonaro “gostaria de colocar no comando da Polícia Federal alguém que estivesse em condição de subserviência para com ele, podendo, ao seu mando, repassar essas informações sensíveis, especialmente se englobarem qualquer consideração sobre os seus filhos, para então tomar as medidas cabíveis e manipular tais informações”.
Para corroborar, o documento cita textualmente Sérgio Moro, a respeito da troca na PF: “Falei para o presidente que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”.
O crime estaria tipificado no artigo 7º da Lei dos Crimes de Responsabilidade, pois teria tentado “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua”.
O pedido pede que seja instaurado o impeachment e sejam ouvido, como testemunhas, além de Moro e Valeixo, o ex-diretor da PF no Rio Ricardo Saadi, Flávia Blanco, ex-chefe de gabinete de Moro e dois assessores especiais do ex-ministro, Marcos Koren e Flávia Rutyna Heidemann.