Estudo reforça papel do “distanciamento social” para refrear contágios de Covid antes da vacina

Além da redução de mobilidade, outro fator destacado na pesquisa pela correlação com o aumento no número de contágios é os aumentos da temperatura e da pressão máximas. Condições meteorológicas estão relacionadas à mudança no comportamento das pessoas e é nisso que estão as suas consequências sobre a pandemia. Quando faz calor, é mais provável que as pessoas não obedeçam ao “fique em casa”.

“Nosso trabalho conclui, mais uma vez, pelo papel importante do distanciamento social para o enfrentamento da pandemia”, resume Marcus Werner Beims, professor na UFPR, onde lidera grupo de pesquisa sobre caos, desordem e complexidade em sistemas de física.

Ainda segundo Beims, o estudo avança ao mostrar a inter-relação entre três variáveis bastante estudadas na investigação de novos casos — mobilidade e tempo —, mas que geralmente não são associadas ao mesmo tempo.

A medida usada no estudo, a correlação de distância (distance correlation ou DC), permite detectar correlações não-lineares entre séries de tempo diferentes. Ou seja, possibilitou que os pesquisadores verificassem a correlação entre eventos que não ocorreram simultaneamente, no caso, as novas infecções, a redução de mobilidade e as mudanças no tempo, de acordo com as janelas de tempo válidas para cada variável.

A pesquisa também contribui para a prevenção de doenças infecciosas como a covid-19 ao sugerir que a mudança no comportamento das pessoas para uma postura mais preventiva leva de oito a 17 dias para aparecer nos números de contágio.

Com esse tipo de informação sobre a cidade em mãos, a saúde pública consegue pensar melhor sobre como promover a cooperação coletiva no enfrentamento de patógenos (organismos que causam doenças) que funcionam de forma semelhante ao da covid-19.

“Para um outro vírus que se comporte como a covid-19, nossos resultados podem ser levado em consideração, sem dúvida. Basta adequar os parâmetros”, avalia Carlos Fábio de Oliveira Mendes, um dos autores do artigo, que é doutor em Física pela UFPR e hoje é professor na Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Papel do tempo na epidemiologia da covid-19 é explicar comportamento social

A pesquisa também ajuda a fortalecer conceitos mais atuais sobre as consequências das condições meteorológicas sobre a pandemia de covid-19. De acordo com a professora Alice Grimm, coordenadora do Laboratório de Meteorologia (Labmet) da UFPR, esse foi um dos objetos de pesquisa cuja compreensão evoluiu à medida que a ciência caminhou.

“Praticamente todos os trabalhos anteriores que procuraram relacionar características meteorológicas com a disseminação da covid-19 adotaram a abordagem de determinar quais características favorecem a disseminação do vírus. Tal abordagem levou a muitos trabalhos com resultados discrepantes sobre quais seriam as condições meteorológicas mais favoráveis para a disseminação, porque o vírus sobrevive e se dissemina muito bem em um amplo intervalo de condições ambientais, bastante haver o suficiente contato entre as pessoas e falta de vacinação”, explica.

A abordagem que tem se mostrado mais procedente é a que investiga como o tempo altera as relações entre as pessoas e, assim, contribui ou não para a disseminação do vírus da covid-19.

“Isso exige que os dados meteorológicos sejam também relacionados com a mobilidade humana, que influi na quantidade de contatos”.

Nesse sentido, o estudo aponta que dias de temperaturas mais altas e de pressão atmosférica elevada — essa última causa a sensação de calor “sufocante”, difícil de respirar — tiveram mobilidade maior em mercados, farmácias e locais de recreação, mesmo com as restrições do governo municipal.

Modelo da capital paulista pode ser adaptado para cidades de mesmo porte

A escolha pela cidade de São Paulo para o estudo tem a ver principalmente com a disponibilidade de dados.

A fonte dos dados meteorológicos foram as estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a Mirante de Santana (na região Norte) e a Interlagos (na Sul). Já os dados de mobilidade foram coletados nos relatórios de mobilidade comunitária do Google durante a pandemia (COVID-19 Community Mobility Reports).

“Uma cidade grande e populosa também proporciona dados mais numerosos e, portanto, mais confiáveis de mobilidade humana, indicando tendências de deslocamento ao longo do tempo em diferentes categorias de locais, como varejo e lazer, mercados e farmácias, parques, estações de transporte público, locais de trabalho e áreas residenciais”, explica Alice.

Os cientistas avaliam que as principais considerações da pesquisa podem ser generalizadas para cidades com tamanho e população semelhantes às da capital paulista.

Também é outro estudo que reforça a validade do distanciamento social na prevenção de doenças altamente contagiosas e causadas por vírus que infectam por meio das vias respiratórias, caso da covid-19. No período sem vacina, a restrição de contato atuou pela contenção.

“Na minha opinião, temos dois motivos que impedem que as pessoas se convençam disso. O primeiro é político, quando acreditam e seguem, de forma irrestrita, um governo que não acredita em ciência. O segundo é a falta de conhecimento aprofundado sobre análise de dados e estatística”, afirma Beims.

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