Epifania
Texto e ilustração:
Amanda Drumond*
Peguei na folha de papel e na caneta.
Como se fosse uma tortura transcrever os sentimentos do limbo para a vida real.
Falar talvez consumiria a esperança de tudo se ajeitar naturalmente.
Afoita, esperava ansiosa e intensamente que escorressem as palavras.
Subitamente me veio à janela, uma espécie de pássaro, onde eu jamais havia visto tantas cores e magia reluzindo em um mesmo instante de vida.
Esse pássaro, olhava tão profundamente para minh’alma que tremia com a possibilidade de que um ser tão peculiar pudesse tão de repente me acessar onde eu sempre havia escondido.
Olhava-nos.
Como se essa troca pudesse mudar o mundo, ao meu ver, já eu estava sendo como ele.
Feita de Asas e uma indumentária tão quão importante para levantar voo.
Olhávamos, paralisados e encantados.
Notei que em algumas partes do seu corpo, havia marcas de voos distantes, de aventuras longínquas, talvez ele estivesse perdido em frente à minha janela.
Provavelmente ele não era do meu país, e nem pertencia a essa mata atlântica que me rodeava.
Esse pássaro vinha de muito longe, cantava em outro idioma, tons coloridos como suas asas longas.
logo tomei de partida,
Irei propor a ele um ninho com comida.
isso fará com que possamos nos conhecer.
empolgada, vi nos seus olhos uma enorme agonia, ele fechou as suas asas e olhou profundamente nos meus olhos, calou seu canto e se fez mudo. Sua beleza por um instante transformou em um medo nunca antes sentido.
Arqueou seu bico, mostrou-me sua caça. Vi que não era ninho também o que nos aproximava.
Novamente peguei na caneta,
tal pássaro me deixava cada vez mais confusa,
não poderia amar um ser que jamais iria me querer.
Ele tinha asas, eu possuía apenas a arquitetura de um ninho protegido.
Levantei-me da cadeira, que se punha ao lado da janela.
fui até a porta e peguei minha carteira de cigarros,
queria testar se me aceitaria com falhas, as mesmas que estavam nas suas penas de quem já havia rodado o mundo.
Disse não a esse pássaro com os olhos.
Não sei se me fez bem ver tamanha liberdade, meu ninho é uma casa de covarde.
Suas cores já me incomodavam, você canta demais.
Sempre vem com muitas oportunidades, o seu tempo não poderia condizer com o meu, que já não mais pensava em outra coisa a não ser cuidar desse ser encantado.
Ele logo voou.
Fiquei eu, sentada, novamente sozinha, após uma epifania, entre saber que o pássaro era eu.
Olhava para mim como se soubesse que a necessidade do ninho, viesse onde já havia pouso,
esquecendo-me que de nada se valem asas,
se elas estiverem de repouso.
Eu sei que ele me levou com ele.
Sua migração se faz em minhas terras,
onde sei que o direito tanto das asas e dos oceanos,
é de quem neles sabem amar.
Nunca vou me esquecer dessas asas coloridas e do seu canto.
Esse pássaro me jogou para fora do ninho, e em queda, no abismo vi que também sei voar.
Talvez em seu silêncio, ele estava me ensinando a cantar.
*Amanda Drumond é escritora, poeta brasileira contemporânea, conhecida por sua escrita sensível e marcante. As suas poesias, crônicas e contos abordam temas como amor, feminilidade, empoderamento e autoconhecimento, muitas vezes explorando a dualidade entre força e vulnerabilidade.