Em nome do social, Itabira sanciona lei que permite venda de imóveis invadidos, a exemplo de “área verde” no início da avenida das Rosas
Foto: Carlos Cruz
A Câmara Municipal aprovou e a Prefeitura de Itabira sancionou e publicou, em 14 de maio, a lei municipal 5.528/24, que regulamenta em âmbito municipal o que é previsto na Lei Federal 13.465/2017, que permite a regularização fundiária de áreas públicas para fins sociais, a exemplo das ações do programa Mina Casa Legal, instituído pelo governo municipal, com base na Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S).
Como um autêntico “jabuti”, o projeto de lei municipal, de autoria do vereador Rodrigo “Diguerê” Assis Silva (PTB), ele também relator da matéria, incluiu a legalização de invasões de áreas verdes (institucionais) por empresários, desde que ocupadas até 22 de dezembro de 2016, por meio da Regularização Fundiária de Interesse Específico (Reurb-E).
Para fundamentar o projeto de lei, o vereador Diguerê” citou a legislação federal editada com o fim específico de assegurar, ainda que em área pública, o direito de moradia à população de baixa renda, o que definitivamente não é o caso dos comerciantes que invadiram essa faixa de terra na avenida das Rosas.
“A regularização fundiária dessa área será com a venda direta pela Prefeitura aos atuais ocupantes pelo justo valor”, explicou o vereador autor do projeto de lei, aproveitando-se de brecha da Reurb-E, pela qual o invasor paga pelo imóvel ocupado irregularmente.
Conforme o próprio autor da matéria afirmou em sessão da Câmara, o projeto aprovado e já sancionado, permitirá desde já, a regularização das invasões ocorridas, na década de 1980, em uma faixa de terreno no início da avenida das Rosas, margem direita sentido bairro Bela Vista, até atingir a Igreja Batista Central.
Essa faixa invadida correspondente a 5% do bairro Santo Antônio, destinada pelos empreendedores para regularizar e aprovar o loteamento, com o fim específico de ser destinada como área verde e instalação de edificações públicas.
Origem das invasões
As invasões dessa faixa de terreno público tiveram inicio na administração do prefeito Li Guerra (1993-96), que pouca coisa fez para impedir a continuidade das irregularidades, assim como para retirar o comércio que se instalou no local, conforme denunciou na ocasião o jornal O Cometa Itabirano.
O único efeito prático das denúncias do jornal foi a retirada de um areal com pequena edificação no trecho inicial da área invadida.
Na mesma ocasião, o então promotor César Augusto Campos, curador do Patrimônio Público, obteve na justiça ordem para impedir a instalação de um posto de gasolina nessa mesma área, determinando a retirada de sua estrutura do local.
Anos mais tarde, o ex-prefeito Damon Lázaro Sena (2013-16) deu início à construção de um imóvel, patrimônio do município, que seria destinado à instalação de um restaurante popular.
Entretanto, esse projeto que seria de grande repercussão social, foi abandonado pelo ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-20), optando por instalar na edificação a Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento.
Invasões lucrativas
Sem fiscalização, e com a omissão e prevaricação dos prefeitos posteriores, essa faixa de terra sofreu mais invasões de comerciantes, que agora podem ser beneficiados pelo projeto de lei aprovado pela Câmara e sancionado pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB), com as respectivas aquisições dos imóveis invadidos.
Mesmo que paguem o “justo valor” pelo imóvel invadido, a legislação nesse caso irá privilegiar invasores de áreas públicas, pelas quais não se pode requerer usucapião. Mas podem agora ser adquiridas por valor a ser estipulado pelo município, na forma da lei.
Tudo certo e legalizado, em benefício de quem invadiu área pública não com fins sociais para construção de casas populares, mas para atividades econômicas lucrativas em ponto nobre da cidade.
É bem provável até que esses proprietários não se interessem pela aquisição dos imóveis invadidos. Afinal, comprar para quê, se eles já detêm há anos a posse livre e desimpedida, inclusive obtendo alvarás de funcionamento, concedidos pela Prefeitura de Itabira, mesmo sendo para comércio em “área verde institucuional”.
Dessa forma, para que investir capital em um imóvel que já tem a finalidade comercial pretendida, sem ônus? E no caso de o invasor beneficiado não fazer uso dessa prerrogativa, a Prefeitura entrará com ação de despejo, já que não existe o instituto do usucapião para áreas públicas?
Possivelmente, somente devem fazer uso desse “direito” de compra o invasor que pretender construir outra edificação no local, na “área verde” que deveria ser destinada à construção de uma praça ou para edificação de alguma estrutura pública.
Prefeitura diz que projeto é legal, por isso foi sancionado e publicado
Em resposta às indagações da reportagem, a Prefeitura de Itabira encaminhou a seguinte nota à redação deste site:
“A matéria (a lei sancionada) não faz qualquer referência a áreas específicas da cidade, mas apenas regulamenta em âmbito municipal o que já está previsto na Lei Federal 13.465/17, que trata do processo de regularização fundiária em âmbito nacional e é seguida pelo município para todas as ações do Programa Minha Casa Legal.
A Lei Federal, em seu artigo 98, faculta aos estados e municípios “utilizar a prerrogativa de venda direta aos ocupantes de suas áreas públicas objeto da Reurb-E, dispensados os procedimentos exigidos pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e desde que os imóveis se encontrem ocupados até 22 de dezembro de 2016, devendo regulamentar o processo em legislação própria nos moldes do disposto no art. 84 desta Lei”.
Ao estabelecer a Reurb-E, a Lei Federal, no artigo 16, informa que a “aquisição de direitos reais pelo particular ficará condicionada ao pagamento do justo valor da unidade imobiliária regularizada, a ser apurado na forma estabelecida em ato do Poder Executivo titular do domínio, sem considerar o valor das acessões e benfeitorias do ocupante e a valorização decorrente da implantação dessas acessões e benfeitorias”.
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