Em Itabira nada se cria, tudo se retira
Mauro Andrade Moura
Sai governo, entra governo e a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA) é sempre lembrada nas eleições municipais, com muitas falas, elucubrações diversas – e é até mesmo mal falada.
Essa fundação foi criada com o objetivo de promover os cuidados, e não os malcuidados, com a obra do poeta. Tem ainda a incumbência de cuidar da diretriz cultural do município de Itabira.
Para divulgar a obra do poeta, havia a já histórica Semana Drummondiana, desde o tempo em que as faculdades de Ciências e Humanas de Itabira (Fachi) a promovia mas que já não é mais realizada pela FCCDA.
Descuida dos Caminhos Drummondianos (primeiro museu de território a céu aberto) hoje totalmente mal cuidado, literalmente sucateado.
A casa do poeta se mantém, embora preservada, sem uso, tendo-se ainda um Memorial pouco ou quase nada memorializado.
Tudo isso sem se esquecer da Fazenda do Pontal que, desde a sua inauguração, ainda não encontraram uma destinação adequada para esse nobre espaço cultural de muitos significados.
Existem tantos outros espaços culturais subutilizados, mas deixo ao leitor elencar o que mais de descasos para com a nossa arte e cultura é capaz de irresponsáveis dirigentes relegar ao abandono e ao pouco caso.
Já no Centro Cultural, temos uma biblioteca totalmente sem condições de funcionamento. Abafada, com iluminação precária e sem acréscimos de títulos por conta do espaço diminuto – e a maioria para uso escolar. Sem contar que não há acesso facilitado para os deficientes físicos.
O teatro municipal também é uma lástima. Tido como moderno na época de sua inauguração, em 1983, tornou-se obsoleto. E a manutenção é precária. E ainda por cima, alguém que sabemos quem teve infeliz ideia de pintar os tijolinhos aparentes de sua fachada.
Fora a infelicidade desse tresloucado ato que dificilmente será reabilitado, o centro cultural, desde a sua inauguração, não recebeu investimentos para a sua atualização. E até mesmo para uma manutenção decente, somente reformas “meia colher”, paliativas.
Cabides
No organograma da FCCDA existe um Departamento de Produção e Promoção Artística (DPPA), mas é somente decorativo, totalmente inoperante.
Pois bem, todo esse “nariz de cera” é para dizer que no programa do prefeito eleito Marco Antônio Lage consta a promessa de se criar a Secretaria Municipal de Cultura, desejada por alguns, mas sempre rejeitada e até mesmo rechaçada pelos governos anteriores.
Criar uma nova secretaria não me parece condizente com quem diz que irá otimizar o serviço público. E que fará isso sem onerar ainda mais o erário municipal, que precisa se adequar à nova realidade já próxima de uma cidade mineradora exaurida, que passará a conviver com receitas decrescentes.
Uma nova secretaria se traduz em mais um cargo de secretário, chefes de departamentos e seções. Tudo isso para se fazer o que poderia muito bem ser executado pela FCCDA, se competência houvesse, por meio do DPPS, desde que saia da mesmice que anda devagar quase parando.
O orçamento da FCCDA corresponde a 1% do orçamento geral do município, mas o que efetivamente é investido na cultura é bem menos que isso. A maior parte é alocada no custeio de salários e encargos, bem como em alguma manutenção dos espaços culturais que estão sob a sua tutela.
Sobra praticamente nada para investir na criação artística e para a programação cultural. Praticamente não há verba para a criação artística em si.
Mas Marco Antônio Lage quer criar mais uma secretária, como se fosse a panaceia geral para o desenvolvimento cultural da cidade. Não me parece oportuno, haja vista a já dita queda de arrecadação do município no futuro próximo.
Caça níquel
No primeiro governo do prefeito Ronaldo Magalhães, o então secretário municipal de Desenvolvimento Econômico Cácio Duarte Guerra lançou campanha dizendo que turismo é desenvolvimento econômico.
Foi quando o turismo passou a ser vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, saindo da área de Meio Ambiente, onde estava o setor alojado anteriormente.
Como para a secretaria do dinheiro o que vale é garimpar um fluxo a mais de moeda circulante, a diretriz máxima foi atrair um fluxo maior de pessoas para conhecer as nossas “riquezas naturais” e o legado drummondiano.
Em concorrência com a Semana Drummondiana, da FCCDA, a secretaria do dinheiro promoveu um arremedo de Festa Literária, um redundante fracasso com artistas globais que só os áulicos elogiaram.
Sob a tutela da secretaria do dinheiro estão os museus de Itabira, do Tropeiro, em Ipoema, e pasmem!, o Arquivo Histórico de Itabira. Esse importante acervo itabirano está há anos abandonado. É grande o risco de nossa memória arquivada seguir para a vala comum da história renegada.
Desde sempre, a pasta do Turismo, não importa onde esteja alojada, não promove com eficiência e criatividade o turismo no município. Como também não interage com a sociedade itabirana, que mal conhece os seus pontos turísticos, nada promove nas escolas.
Fica apenas na promoção de algumas festas breganejas, popularescas, que não elevam o padrão cultural do itabirano a ponto de querer consumir o “biscoito fino” da poesia drummondiana, que continua renegada, em boa parte, pelos itabiranos.
A Prefeitura promove um ou outro evento em Ipoema, e nada em Senhora do Carmo, joga asfalto mal assentado nos topos de morros das estradas, e acha que assim vai atrair o dinheiro dos turistas para as comunidades próximas dos atrativos naturais. Vão consumir coca-cola e produtos industrializados, pois não há uma política firme e eficiente de incentivo à produção rural local.
Reestruturação
O departamento de Turismo da Prefeitura, assim como acontece na FCCDA, nada acrescenta no contexto turístico do município. Somente retira com o pagamento de salários e nada se cria, o que é uma lástima.
Mas tudo isso não justifica a criação da Secretaria de Cultura e Turismo, como promete o prefeito eleito. Que ao invés de abrir mais “cabidão de empregos”, que assim será quem viver verá, melhor seria tornar eficiente, até mesmo com novas atribuições, o hoje inoperante o DPPA, para que sejam reestabelecidas as suas funções básicas, dialogando com o segmento artístico e cultural –e com toda sociedade itabirana.
E com muita transparência rever orçamentos, abandonando uma vez por toda o fisiologismo e o empreguismo também comuns na área cultural. E que o DPPA assuma, na forma de políticas públicas, as sugestões e ideias propostas pelo Conselho Municipal de Cultura.
Atualmente, todas as deliberações aprovadas nas Conferências de Cultura, as quais por determinação do extinto Ministério da Cultura deveriam ser bianuais, não foram aplicadas ou mesmo implementadas como política governamental municipal. O que historicamente se observa é o desmerecimento do grande esforço de seus conselheiros pelos administradores municipais.
Memória esquecida
Para se ter ideia ainda mais de como ocorre o descaso nessa área, é só relembrar como foi a reabertura do Museu de Itabira. Para isso ocorrer, o prefeito Ronaldo Magalhães determinou o fechamento do Arquivo Histórico. E pior, pegou a verba que deveria ser destinada ao arquivo municipal, desviando para outras finalidades. Tirou de um santo para vestir outro mal vestido.
O Museu de Itabira, para o qual foi desviada a verba do arquivo, não passa de um amontoado de objetos que são simplesmente antigos. Contém descrições com crassos erros históricos, um espaço sem vida.
Já o Arquivo Histórico continua, em sua maior parte, como um amontoado de papéis, embora os testamentos e inventários já tenham passado por uma mínima organização, mas sem um índice decente que possa ser publicado.
E muitos documentos já se perderam por força da incúria de quem teria por obrigação preservá-los, enquanto muitos foram até mesmo “surrupiados” por mãos nada bobas de quem diz ter em alta conta a preservação da memória histórica, mas que leva para si o que é patrimônio coletivo. Está aí mais um dano ao patrimônio histórico municipal que o Ministério Público deveria investigar.
Recado das urnas
Portanto, ao invés de o prefeito eleito criar uma Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, o melhor a fazer é tornar operante, transparente e eficiente os atuais espaços de cultura, otimizando as estruturas já existentes, reformulando-as.
Para isso é preciso que se tenha compromisso com o fazer cultural local e com a nossa diversidade. É simples.
Não é preciso criar novos “cabidões de empregos” para abrigar os apoiadores de campanha. Esses, após as eleições, já chegam próximos de 80% dos votos válidos. Portanto, não há vagas para todo mundo.
O povo execrou essa política fisiológica nas urnas e não perdoará quem não entender o recado. Que a cultura não seja, mais uma vez, renegada, esquecida e ultrajada.
Mas que volte a brilhar, como poucas vezes brilhou, ficando à altura da História e da Cultura de Itabira de tantas riquezas bamburradas, mas tão mal distribuídas nessa terra onde pouco se cria, mas muito se retira para gáudio de poucos “curiangos”.
Ótima colocação, criar somente a secretaria de Turismo e Cultura não trará a realização das necessidades culturais de Itabira, será preciso ter uma visão ampla do que é esse importante seguimento da nossa sociedade. Já dei a minha opinião aqui a respeito da criação de novas secretarias, entendo que o novo governo possa sair dessa rotina viciadas do toma lá dá k.
Prezado Edirson, a minha preocupação maior é mesmo esta, a de se criar mais uma secretaria nos escalões da Prefeitura Municipal de Itabira.
Não precisamos de mais órgãos e cargos públicos e, sim, de eficiência e vontade de criar.
Grato pela leitura e comentário,
Mauro
E todo este desmazelo não é por crise e nem covid . A inércia tomou conta da cultura . Agora quem vem tem visão de 360 graus e num vai ficar sentado no terceiro andar se inflando com bajuladores infuncionais . E pra que a coisa ande será preciso fazer a peneirada porque senao continuará do mesmo jeito . Gente capaz e acima de tudo que gostem de trabalhar com seriedade e compromisso para honrar as suas atribuições. Pode ser que não fique pedra sobre pedra porque será uma trabalho de nova consciência e modos . Ninguém terá como fingir estar trabalhando pela cultura tendo um prefeito que sabe como funciona a coisa toda é pode dar aula sobre o assunto .
Então, João Tobias, é muito triste ter de apresentar sempre tanto desmazelo com nossos bens públicos e culturais, dói!
E espero que o novo prefeito saiba colocar fora do caminho dele os bajuladores de plantão, pois estes são o que há de pior na política, conseguem enebriar quem está no comando e este fica achando que está sempre nas nuvens.
Espero que chegue na Fundação Drummond gente capaz e cheia de vontade de trabalhar e criatividade.
Grato pela leitura e comentário,
Mauro