Em defesa do patrimônio histórico e arquitetônico de Itabira, Ministério Público obtém várias conquistas
O pouco que ainda resta do patrimônio histórico e arquitetônico de Itabira, com certeza já teria desaparecido se não fosse a intervenção do Ministério Público na defesa desse acervo memorialístico, que pertence não só aos seus proprietários, mas que é também de Itabira, Minas Gerais e do país.
Da ação coercitiva e pedagógica da promotora Giuliana Talamoni Fonoff, curadora do Patrimônio Histórico e Cultural de Itabira, advém grande parte da preservação e restauração do que ainda resta – e do que está em curso na cidade (leia mais aqui).
Foi assim com a restauração da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, um marco histórico da escravidão no município. Em que pese a recente mobilização popular clamando por sua reforma, o seu atendimento foi também definido a partir da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), celebrado em fevereiro de 2017 entre o Ministério Público, Prefeitura, Diocese e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A ermida do Rosário dos Pretos, cuja construção é datada do século XVIII, foi tombada pelo Iphan, em 1949.
Com as medidas emergenciais e de recuperação, esse patrimônio por ora se encontra preservado – e espera-se que para sempre, tendo sido reaberto ao público em 18 de junho do ano passado.
É o único patrimônio religioso de relevância arquitetônica que resta à cidade, depois que a outra igreja Nossa Senhora do Rosário, a matriz e maior, que era dos brancos, tombou-se ao chão, uma triste lembrança que não se deve esquecer de lembrar.
Outros reparos
Além da igrejinha, a restauração de outros patrimônios vem ocorrendo em Itabira, ou já está programada para ocorrer, por força da intervenção do Ministério Público.
É o que se verifica com a reconstrução da casa situada na Rua Monsenhor Júlio Engrácia, nº 34, no centro histórico. A obra está sendo executada pela Prefeitura em cumprimento a um dos muitos TACs firmados com o Ministério Público.
A casa da rua do Bongue pertenceu a Miguel Alves de Araújo, filho do célebre ex-prefeito desta urbe Antonio Alves de Araújo, o Tutu Caramujo (1869/72), imortalizado no poema “Itabira”, de Carlos Drummond de Andrade.
Por negligência e descuido geral, a pequena e histórica casa tombou literalmente ao chão – e agora está sendo reconstruída com recursos alocados do Programa de Revitalização do Patrimônio Cultural do Município.
Não é diferente a situação de outros dois imóveis situados na rua Santana, nº 191, bairro Penha, e na Praça Joaquim Pedro Rosa, nº 14, no centro da cidade. Em ambos os casos foram assinados os respectivos TACs para a manutenção e reforma dessas construções pela Prefeitura.
Iniciativa privada
Na rua Tiradentes, onde mais se conserva a história da arquitetura colonial de Itabira, outros imóveis estão em reforma.
Por conta própria, mas também em atendimento a um TAC firmado com o Ministério Público, o empresário José Luiz Jardim Mariano está reformando o casarão de sua propriedade, onde residiu o célebre inventor itabirano Chico Zuzuna.
Esse imóvel fica ao lado do casarão onde morou Tutu Caramujo, hoje pertencente ao seu tataraneto, o memorialista Marconi Ferreira.
O casarão está sendo reformado às próprias custas de seu proprietário – e sem que fosse preciso assinar um TAC com o Ministério Público. O imóvel não é tombado, mas faz parte do gabarito do entorno do centro histórico.
“Tutu Caramujo e Chico Zuzuna eram vizinhos. Em frente, morava padre Olímpio, eram todos primos. Chico Zuzuna inventava as suas maluquices, que tinham sentido prático, enquanto Tutu Caramujo observava a cidade na porta de sua venda e padre Olímpio benzia os católicos que o procuravam”, resgata o memorialista itabirano.
“Já reformei o telhado, substituindo todo madeirame por estrutura metálica, sem nada descaracterizar. A pintura das grades da sacada tem assinatura do saudoso Marzagão”, conta com orgulho, referindo-se ao artista plástico e restaurador João Batista Letro de Castro, falecido em maio do ano passado.
Que esses exemplos sejam seguidos pelos proprietários do antigo Armazém Sampaio, tombado pelo patrimônio histórico, na mesma rua Tiradentes, antes que seja tarde e se torne mais uma perda incomparável.
Recentemente foram feitos escoramentos no imóvel para assegurar a sua integridade física. Falta restaurar a fachada e a parte posterior do casarão, que já ruiu.
Os herdeiros do imóvel já apresentaram planilhas de custo e o inscreveram na lista dos patrimônios que aguardam recursos municipais para a reforma.
No entanto, pelo fato de seus proprietários disporem de recursos financeiros, não figura entre as prioridades definidas pelo Comphai e pelo Ministério Público.
Pelo mesmo motivo, ainda não foi incluída no rol de prioridades a reforma do casarão na rua Tiradentes, 55, próximo do clube Atlético, dos herdeiros do escritor João Camilo de Oliveira Torres.
Segundo o diretor de Patrimônio Histórico e Cultural, e presidente do Comphai, Duval Augusto Coelho Gomes, esse casarão, embora esteja com a fachada deteriorada, não apresenta problemas estruturais, conforme constatou uma vistoria realizada pela Prefeitura.
Responsabilidades
Em 23 de março, numa reunião com representantes da administração do município, a promotora Giuliana Talamoni Fonoff recomendou a definição de critérios complementares para a inclusão de imóveis no programa de revitalização do patrimônio histórico.
Dentre esses critérios há de se observar a capacidade financeira do proprietário, assim como o estado de conservação do imóvel tombado.
“São critérios que devem ser utilizados para o estabelecimento de prioridade na execução das obras de restauro, uma vez que existem imóveis em pior estado e maior risco, mas em posição inferior na lista de preferência”, afirma a promotora.
Giuliana Fonoff lembra que são muitos os desafios para a preservação desses patrimônios que resistiram à ação do tempo e à incúria de seus proprietários e das autoridades municipais.
“Infelizmente a necessidade de preservação e conservação do patrimônio histórico e cultural não é um valor difundido na sociedade brasileira e itabirana”, lamenta a promotora.
“Com isso, temos dificuldades em instituir bens protegidos. E, mais, temos dificuldades de manter o bem já protegido em bom estado de conservação.”
Primeiros passos
Mesmo com todas as críticas, a promotora considera que foram dados passos importantes com o programa de Revitalização Municipal de Imóveis Tombados, pelo qual a Prefeitura tem destinado recursos do município à revitalização de bens patrimoniais históricos e arquitetônicos.
Mas também nesse caso, a promotora faz ressalva. “Infelizmente, a existência do referido programa tem gerado omissão por parte de alguns proprietários dos imóveis tombados que são, por lei, os primeiros responsáveis pela conservação, preservação e manutenção desse patrimônio”.
Omissão privada e pública
Em consequência, muitos desses imóveis estão abandonados. Aguardam uma intervenção municipal, sendo que é dever dos proprietários mantê-los em bom estado de conservação.
A administração municipal é também omissa, principalmente quando deixa de fiscalizar e exigir a conservação desses imóveis.
A curadoria do Patrimônio Histórico e Cultural de Itabira tem cobrado mais fiscalização da Prefeitura. Isso para que esses imóveis em estado de abandono não virem novas fotografias na parede.
Outra linha de atuação da promotoria tem sido no sentido de recomendar que sejam feitas alterações na legislação, assim como quer que se tenha uma fiscalização continua do estado dos bens tombados.
A finalidade dos inquéritos instaurados pela promotoria é exigir, dos proprietários e do executivo municipal, a revitalização de todos os imóveis tombados pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Arquitetônico de Itabira. Que assim seja.
Preservar o centro histórico é buscar alternativas econômicas no turismo
A preservação do patrimônio histórico e arquitetônico não deve ocorrer por saudosismo ou simples apego ao passado. Além de ser uma obrigação legal, é também pelo valor intrínseco que possui, material e imaterial, como registro da arquitetura de uma época. E também como testemunho da história econômica e social de um lugar.
É pela história que se conhece o presente e se projeta o futuro, é importante sempre repetir esse aforismo.
Isso porque, para os deslumbrados com a pós-modernidade líquida e virtual, o passado histórico pouco representa, como se nada de importante tivesse existido anteriormente às suas existências.
Itabira, principalmente após o advento da mineração em larga escala, em 1942, quando a modernidade teria enfim chegado a essa urbe, entendeu que patrimônio histórico era estorvo.
E que a sua preservação além de onerosa, atrapalhava os ares de modernidade que pela cidadezinha sopravam.
Pedras roladas
Perdeu-se muito de seu patrimônio com essa mentalidade estoica, que não se abala diante das perdas incomparáveis. Como, por exemplo, o seu calçamento em pedras roladas de pura hematita, único no estado e no país.
Basta observar as fotos antigas da cidade para se avaliar o quanto a cidadezinha perdeu de seu charme, privando-se de sua originalidade, que eram as calçadas do centro histórico.
Se preservadas, seriam mais um atrativo turístico da Cidadezinha Qualquer, com as suas casas entre bananeiras.
Hoje, quando se fala em incremento do turismo na cidade, pouco se tem a mostrar desse patrimônio histórico que ainda resiste à ação do tempo e das mãos destruidoras – e de suas máquinas – , com a sua sanha de destruir os resquícios do passado.
Ouro Preto, Mariana, Tiradentes, Diamantina e tantas outras cidades históricas não seriam polos turísticos se elas não tivessem preservado os seus patrimônios históricos e arquitetônicos.
Infelizmente em Itabira isso não ocorreu como deveria ter acontecido ao longo dos anos. Administradores municipais e proprietários de muitos imóveis não tiveram sensibilidade e perspicácia até mesmo para se tirar vantagem financeira com a preservação, incrementando o turismo histórico.
Prevaleceram as ações antrópicas destrutivas, provocadas pela má-fé e negligência da Prefeitura e de muitos proprietários.
Propositadamente, provocaram o destelhamento de alguns casarões para que ocorressem infiltrações da água de chuva – e assim comprometer a sua estrutura para que tombem ao chão. Vários são os exemplos dessa má ação na histórica cidade.
Das ruas calçadas de minério só restam um pouco mais na Princesa Isabel e bem pouco, quase nada, na Major Paulo – todas com falhas e remendos que as desfiguram.
E há desse minério, não de seixo rolado, mas parecido, na restabelecida calçada do paredão, por onde não há mais footing e o itabirano já não é mais um flâneur a divagar sobre a sua história. Ele tem pressa. E não há tempo a perder.
Já repeti zil vezes que não considero que qualquer edificação antiga seja digna da preservação.
Se não tiver conteúdo, história, desenho arquitetônico de importância deixa tombar ao chão.
Mas em Itabira, da sua parte “aldeia” dos séculos 18, 19 e início do 20 só restaram poucos prédios em poucas ruas.
Daí o conceito preservação do patrimônio histórico, arquitetônico e artístico ganha conotações de urgência e emergência. Mas falta visão política ao município, sejam de seus moradores no geral, dos políticos e dos empresários.
Não entendem a importância para Itabira de se preservar o que ainda está de pé. Mesmo o que possa estar caindo aos pedaços. E isto acontece principalmente por dois motivos: falta dinheiro ou sobra vontade por parte dos herdeiros, que algumas edificações históricas se inviabilizem para restauração
Em se falando em empresas, sabe-se, a Vale não se mexe se não for provocada. Com os últimos governos sempre subservientes, a mineradora se sentiu livre de eventuais pressões. Como se também não fosse responsável pela cidade que lhe deu ferro e ouro e onde desenvolveu tecnologias de mineração.
O maior exemplo da necessidade de preservação é a rua Tiradentes (junto com algumas vias transversais).
E preservar a rua Tiradentes é bom para o itabirano e é necessário para o turismo.
Luta que não pode parar. Nunca.
Me preocupa não ter nome de nenhum arquiteto especialista em restauro, Reforma e restauro são coisas diferentes e podem acarretar mais danos aos imoveis. Além da não inserção da comunidade no processo…Restauro aberto, ensinar aos proprietários e moradores a importância disso tudo faz toda diferença para diminuir a distancia que ha entre o patrimônio e seu reconhecimento cultural coletivo. Parabéns a promotoiria.
Itabira é um caso perdido. Uma cidade subordinada a mineração. Uma cidade sem Periferia. Uma cidade de 20% de puro sangue. Uma cidade sem pessoas Pretas. Uma cidade sem Pobres. Enfim, uma cidade túmulo de 20% da população.
Excelente matéria.
Uma cidade como Itabira não deve perder suas memórias.
Há que se unir recursos particulares e públicos para preservar o que ainda resta. E reforçar tais valores na população, para que percebam quanta riqueza existe em cada um destes imóveis.