E se o vinho desaparecer com as mudanças climáticas
Foto: Reprodução/ Brasil de Vinhos
Veladimir Romano*
Duro para quem labuta nas terras aráveis, mais ainda a quem numa atividade ancestral, acompanhando como a cada ano o clima está impondo mudança severa e, com isso, retirando sorrisos de cada viticultor quando vê, testemunha e enquadra desafios trazidos pelas alterações que a natureza está colocando no prato de uma balança onde o ponteiro passou à inquietação abrasadora.
Prevendo novos modelos climáticos, investigadores do Instituto de Biometeorologia, Agricultura Europeia do Ambiente, desenvolveram relatórios atualizados sobre fragmentação e rigores de resistência das uvas, garantindo colheitas contínuas no futuro próximo.
Com rigor, se prevê o quanto produções poderão ser comprometidas seriamente, afetadas em 50% até 2050, enquanto terras agrícolas, regiões classificadas como propícias ao cultivo e que, entretanto, estão sofrendo alterações, entrando nas colheitas em maturação precoce, se perderá até 80%… É o que ocorre mais nesses terrenos onde nos 150 anos últimos foram dando vinhos e produções históricas.
Contando histórias tradicionais, trabalho árduo desenvolvido por diferentes gerações, paixão, criatividade e dedicação, no presente, já não podem garantir tal futuro.
Quem obviamente não ficou feliz com a notícia foi a União Italiana dos Vinhos, recolhendo 52 milhões de hectolitros, se transformou no maior produtor mundial; e que está perdendo esta liderança, todos os restantes já perderam de igual modo.
Com temperaturas chegando nos 50º Celsius, na Sicília, já em 2021, se perdeu 30% da produção local. Outros exemplos estão sendo catalogados um pouco pelo mundo puxando em idêntico tempo pela inovação tendo em conta que no aumento da temperatura em 2º C., até 2050, sendo esta constante, resultará numa quebra de 50% nas produções, segundo explicam os mais recentes estudos.
Por outro lado, vem o Instituto Nacional Agrícola, Alimentação e Ambiente de Bordéus apostando castas ainda “indígenas” podendo residir nesta solução alguma salvação, o que evitaria assim qualquer maior declínio… mas seriam novas castas produzindo vinhos talvez diferentes(?!)… quem sabe, não se sabe, não se adivinha.
Porém, uma coisa fica clara, entre tanta incerteza. Foi Pablo Neruda quem dedicou livro de poesias ao vinho no qual verso ele lança:
Y se fuera por los momentos vividos yó.
Si, mi vino ayer ya se fue, desapareció…?
Palavras sábias, mas tristes. O vate chileno parece que já na sua época adivinhou futuro entroncado numa montanha incógnita de sombras… Como vai ser comer bacalhau sem um bom vinho?
*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano.