E agora, José?
Por Cristina Silveira
Três poetas e dois crimes
Na manhã chuvosa do dia 5 de dezembro de 1946 da Belo Horizonte, as imaculadas alunas do Instituto de Educação chocaram-se diante o corpo morto, estendido no “bosque de eucaliptos” do Parque Municipal.
Não era o corpo de Bunda de Cetim, de Veludo da Noite ou de Pompom Grená, as depravadas do amor homoerótico em noites no parque. Era o corpo de Luiz Gonçalves Delgado, engenheiro paulista radicado em BH, caído com 27 golpes de faca. Crueldade escandalosa! Preconceito, homofobia, derrama para assegurar a moral e os bons costumes.
O primeiro suspeito, Nicanor Pereira da Silva, filho da empregada doméstica em casa de Escobar. Levado em cana, interrogado sob tortura, resiste e nega o crime. Nicanor é solto. Ferido, humilhado, se mata com a navalha na jugular.A derrama dos homens bons.
O suposto assassino era branco, alto, elegante, poeta, pintor e burocrata do Itamaraty, Décio Frota Escobar, que no decorrer do processo era dito, “Cristo transviado e alucinado”.
1941-51, nesta data limite as investigações apontaram vários culpados, inúmeras versões dos fatos e variadas motivações. Sem o nome do culpado, as investigações encontraram uma ORCRIM; extorsão, assalto, prostituição, nomes da boa família, soldados da Força Aérea, queima de arquivo.
Em 1953, Escobar é denunciado por Yeda Lúcia Ribas, com quem era casado. Ressentimento e coragem de mulher ofendida que do marido indesejável queria apenas o divórcio a liberdade que ele negava. Agora sim, vai ter espetáculo, meu senhor!
Em 25 de abril de 1954, o fórum de Juiz de Fora, MG, foi tomado por centenas de pessoas, dentro e fora da sala de audiência a plateia vaiava, gritava, ria, merendava, chorava, aplaudia. Eram todas (os) heteronormativas. Eram Todos Escobar. A liderança do levante a favor de Escobar, coube a mãe ditosa, Diva Frota Escobar, “distinta” dama da sociedade que se fez celebridade.
No plenário da justiça, João Pimenta da Veiga defende Escobar. Pedro Aleixo, aplaudido de pé, fez a defesa de Delgado. O réu nervoso, fumante, saia da audiência até o boteco de frente pra beber um copo de leite.No inquieto mutismo, sua única fala: o juramento de inocência.
Dada a sentença. O réu inocentado. A última cena do folhetim que, durante 18 anos alimentou o imaginário enlameado de sangue da população, fervor de prazer pela desdita alheia, do “Espreme e sai Sangue”. O grande final: Escobar,o “Dorian Grey das Alterosas”, impassível diante da plateia declama o poema José. A partir daí bastava girar o dial das rádios mineiras para se ouvir E agora, José? José, caiu na boca do povo. A falação foi além das Alterosas e hoje é de domínio público.
Tudo resolvido, o direito de matar consolidado. Assim é, que em 19 de abril de 1969 Décio Escobar é encontrado morto em sua casa na Urca.
Barone, o cara que arquitetou o crime, e o Italiano, eram ladrões profissionais sem carteira assinada, mas com curriculum respeitável: assalto a casas, bancos, sequestros, roubo de carros de luxo e de imagens sacras de igrejas do nordeste. Artur e Paulo eram ‘dimenor’, habitués nas festas em casa de Escobar, portadores de envelopes de cocaína (nesta época, sem controle alfandegário, devia ser pó di prima). Escobar foi enforcado com 5 voltas de um fio puxado pela direita e esquerda. Estendido na cama, o olhar morto na parede pichada com sangue: “Este era veado e chupador. ” Ele era veado e morreu. ”
Barone, a caminho da delegacia fala aos jornalistas que é poeta, que estava escrevendo um conto policial, Erro da Vida. E põe a prova sua poesia: “ Fale, fale outra vez querida /o que acabaste de falar”… ou “A nossa amizade eu defendo /E por ela sempre choro /Ah! Se eu não acabar morrendo /Sem confessar que lhe adoro”. E completa aos jornalistas: — Eu sou poeta. Foi feito para o meu amor. Eu tenho amor.”
Vicente, por Décio Escobar
Dei à minha morte o nome de Vicente.
Anotei Vicente num cartão
E guardei Vicente no bolso do paletó.
Para cima e para baixo eu ando com Vicente;
Vicente é um silogismo, uma consumição, mas não chega a ser a dor.
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Um dia eu perco Vicente
na rua, na praia, no escritório,
e vai e alguém acha Vicente — e pronto, e eu fico Eterno.
Em 1942 o poeta Drummond publica José.
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
Que ama, protesta?
e agora, José?
Haveria de ser esse quase conto em rimas e prosas, não fosse tanta tragédia enunciada.
E Lili que nada via em José, casou-se com JP Pinto que nunca entrou na estória.
Sabe Mauro, vou te contar uma historinha: na verdade, na primeira edição de Quadrilha, Lili casa-se com Brederodes, depois é que o poeta mudou pra JP Fernandes. E dois leitores reclamaram ao poeta a mudança de marido pra Lili, a namoradeira. O esplendido e amado imortal, o Pedro Nava e o embaixador do Principado Livre do Matto Denttro, Arp Procópio. E o poeta disse á eles que, Brederodes era um marginal e JP Fernandes um bem sucedido empresário português. Eu, como Nava e Procópio, prefiro Brederodes.
beijoca Mauro e não pare de escrever jamais.