Drummond e agora?

Alfredo Volpi – Grande Fachada Festiva – óleo sobre tela

por Denira Rozário

A repórter Denira Rozário conversou por telefone e marcou entrevista com Drummond, pouco antes de sua morte.

Conversa por telefone, 9 de julho, 13 horas.

Perguntas feitas e não temos mais o entrevistado! Mas ele gostou e até se divertiu com a ideia desta entrevista, por isso achamos importante publicá-la.

Quinta-feira, dia nove de julho, deste ano, às 13h, liguei para a residência do poeta Carlos Drummond de Andrade. Atendeu um rapaz, que me pareceu ser um de seus netos.

BIS – Por favor, o Drummond está?

Voz – Um momento.

Alguns instantes após, ouço a voz frágil do poeta.

CDA – Alô.

BIS – Alô Drummond, é Denira.

CDA – Denira?…, Ah! Sim, como vai?

BIS – Vou bem e você?

Com a voz predisposta à conversa, respondeu entre brincalhão e irônico.

CDA – Muito bem, vivendo com um sério problema de angina e muitas proibições.

BIS – Mas não deve ser nada grave, não é?

CDA – Não sei se é grave ou não grave. Só sei que estou cheio de privações.

Após ouvi-lo falar mais um pouco sobre suas limitações físicas, fui direto ao assunto.

BIS – Olha, Drummond, o que desejo é o que muitos da imprensa desejam também. Uma entrevista sua. Pretendo fazer uma série de entrevistas com poetas, e já comecei com Ivan Junqueira.

CDA – Você começou muitíssimo bem, mas eu estou proibido pela minha médica de fazer qualquer esforço intelectual.

BIS – Mas, essa entrevista é diferente, você pode até se divertir com ela. Não vou me encontrar com você, carregando um gravador e nem haverá fotógrafo por perto. Deixarei na portaria de seu prédio uma relação de perguntas, formuladas por pessoas de várias camadas da sociedade. Por exemplo, entrevistei um guardador de automóveis, conhecido como Flanela.

Perguntei-lhe, se ele conhecia o Drummond. De imediato interrogou-me: “o da viação? Respondi: não o poeta. “Ah! Já sei, Carlos Drummond de Andrade, não é?

E continuando quis saber: Quantos anos têm ele? Oitenta e cinco, disse-lhe. Esfregando a flanela e arranhando ainda mais um velho Passat estacionado, concluiu:

Bom, então, não vai dar, porque o que eu queria saber é se ele sobe em favelas e o que acha delas, mas com oitenta e cinco anos é barra…

Drummond divertido e se animando respondeu rindo:

CDA – Está vendo, até a sabedoria popular reconhece que velho fica cheio de privações. Mas me dá um tempo, vou falar com minha médica, ela deve me autorizar. Não acredito na medicina, e nem tão pouco em Deus, mas tenho que consultá-la.

BIS – Quanto à ilustração para essa matéria, descobri na casa do jornalista Ponce de Leon, antigas fotos suas, as quais mandarei reproduzir e prometo enviar cópias para você. Assim como uma espécie de chantagem.

CDA – Então ligue para mim dentro de umas semanas. E enquanto isso, como você está interessada em velhinhos, procure o Dante Milano e faça uma entrevista com esse poeta que vive escondido em Petrópolis.

BIS – Dante Milano já está incluído na nossa relação para essa série. Vou procurá-lo, também vou continuar entrevistando o povão e a elite para saber que pergunta gostariam de lhe fazer. E no dia 10 de agosto, deixarei essas perguntas na portaria do seu prédio para você respondê-las, combinado?

CDA – Combinado, dentro de um mês.

  Portinari, Futebol, 1935. Portinari (1903-1962)

17 de agosto. O tempo parou

Despedimo-nos com carinho. E parti em busca do poeta Dante Milano, que teve sua entrevista publicada neste jornal, exatamente na segunda-feira, dia 17 de agosto.

Nesse dia, às 10 horas, estava eu na portaria do prédio, n. 60 da rua Conselheiro Lafaiete, pedindo ao porteiro o favor de entregar ao poeta um envelope contendo a página da Tribuna da Imprensa com a entrevista de Dante Milano.

Voltei para minhas atividades do dia e durante toda esta segunda-feira, 17 de agosto, estive profundamente ligada ao poeta. Me indagava o tempo todo. Já terá lido a entrevista de Milano? Deve ter se divertido, se emocionado, e se encantado com o jeito simples e com os conceitos desse poeta grandíssimo.

E de extraordinária qualidade como afirmou o próprio Drummond em sua última entrevista ao Jornal do Brasil. Somente à noite e bem tarde da noite, a televisão invadiu a tranquilidade do meu quarto com a notícia: Morreu…

No dia 10 de agosto, portanto 5 dias após a morte de sua filha Maria Julieta, perda definitiva na vida do poeta, ele estaria recebendo as perguntas formuladas por presidiário, político, prostituta, bicheiro, surfista, psicanalista, entre outros.

Essas perguntas não ficarão no ar; encontramos todas as respostas na obra do poeta Drummond, porque ele buscou responder com seus poemas todas as questões da vida e da morte.

  Banhistas, óleo sobre tela de Maria Auxiliadora (1935-1974)

O Povão e o silêncio das respostas

Octávio Koeler Plácido Teixeira, 59 anos, tataraneto do engenheiro alemão que, com D. Pedro II, trouxe a colônia alemã fundadora de Petrópolis. Foi presidente da Corretora de Câmbio e Valores, de 1954 a 78. Hoje vive de rendas, na Lagoa Rodrigo de Freitas.

P – Drummond você já aplicou no open-market? Você prefere o over, open ou suas profundas raízes mineiras lhe fazem acreditar apenas em caderneta de poupança?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

José Costa do Nascimento, 22 anos, nasceu no Ceará, presidiário, condenado ha 22 anos de reclusão, já tendo cumprido 10 anos e seis meses no Instituto Penal Milton Dias Moreira.

P – Qual a solução que você daria para melhorar a língua portuguesa em nosso país?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Paulo César Chaves, 34 anos, carioca, presidiário, condenado há 34 anos de reclusão, já tendo cumprido 15. Encontra-se no IMDM.

P – Qual o poema de outro poeta que você gostaria de ter escrito?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Aluízio Dias, o Aluízio do Violão, 75 anos, fundou a Ala dos Compositores da Mangueira há 50 anos. É presidente da Velha Guarda da mesma Escola, autor do samba “Ordenes e farei”, gravado por Cartola no seu primeiro disco.

P – Qual sua maior emoção como poeta, e qual o poema que você mais ama?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Francisco Amaral, 53, vice-governador do Estado do Rio de Janeiro e Secretário de Estado da Secretaria de Assuntos Fundiários. Nasceu em Pedreiras, MA, é casado, tem quatro filhos e vive em Nova Iguaçu desde 1948.

P – Drummond, você não acha que estamos perdendo a dimensão da poesia, diante dessa vida tão materializada?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Maria Luiz do Carmo, Malu, 30 anos, aparenta 40 – nasceu em Santa Catarina, vive no Rio de Janeiro há nove anos, e trabalha só durante o dia, como prostituta. Tem um aspecto maternal, cabelos louros e lisos, amarrados na nuca, é gordinha e parece uma mãezona protetora.

Sempre que a vejo me lembro de Freud. Quando a abordei para propor uma pergunta a Drummond, disse-me conhecer o poeta desde os tempos de menina lá no Sul.

P –… e me perguntou se poderia saber do poeta, com o devido respeito, é claro, se ele gosta das prostitutas, e qual foi a última vez que ele transou com uma delas?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Ismael Miranda, 25 anos, é campeão de surf, tendo obtido colocações importantes em ranking tanto no Brasil como no exterior, é formado em administração de empresas.

Tem cursos de especialização em marketing, salva-vidas, judô, capoeira, karatê e jiu-jitsu. Quando não está no Havaí, África do Sul ou Califórnia vive em Ipanema onde sempre vê o poeta caminhar pela Praça Garota de Ipanema. Ismael fez um apelo e uma pergunta:

P – Drummond, perto de sua casa existe uma das praias mais lindas do nosso litoral. Faça um poema para a Praia do Arpoador. E me responda: você acha que o surf, as ondas são as linhas e o movimento – da prancha e criação poética?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Carlos Roberto Saba, 40 anos, nascido em Belo Horizonte, médico psiquiatra, com formação em psicanalise, cursando o segundo casamento, segundo suas palavras, três filhos e um a caminho.

Ao poeta não pergunto, é Carlos quem, no momento, me interessa.

P – Queria saber das dores, amores do Carlos, guardados todo este tempo no asceticismo. Que prazeres e desgostos teve o Carlos com o poeta?

José Flores de Jesus, Zé Ketti, nasceu em Inhaúma, compositor de grandes sucessos como “A voz do morro, 55, “Samba opinião”, 64 e “Mascara negra”, 67. Foi o único entrevistado a tratar Drummond de senhor, com a simplicidade que lhe é peculiar perguntou:

P – Senhor Carlos Drummond de Andrade, será muito difícil ser poeta?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

José Petros, Zinho, 57, nasceu na Praça XI, advogado, casado, pai de um engenheiro, uma advogada, um médico e um professor de educação física, vive na Tijuca.

Em 1984 foi presidente do Conselho Deliberativo da Mangueira, quando esta conquistou o supercampeona6to, inaugurando o Sambódromo. Enquanto atendia ao mesmo tempo vários telefones, Zinho perguntou:

P – Grande poeta, você já acertou alguma vez no jogo do bicho? Você acredita que nós bicheiros somos capazes de misturar o jogo com o tóxico, conforme a imprensa algumas vezes insinua?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Ivan Junqueira, 52, poeta, ensaísta, tradutor e jornalista.

P – Drummond, qual o sentido mais profundo daquela “pedra no meio do caminho”?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Franco Terranova, marchand e poeta com três livros publicados. Nasceu em Nápoles (Itália) em 1923. Amigo dos principais artistas e intelectuais da vanguarda brasileira, formulou sua pergunta em carta dirigida ao próprio poeta:

P – Mestre Drummond, o que sempre me emocionou em sua obra poética foi a simplicidade da palavra em sua mais profunda essência. A palavra certa no momento e no lugar exatos, sem a perda de sua verdade e de sua emoção contida….

Esta simplicidade e esta essencialidade que é, para mim, uma das características dos gênios, eu a vejo também num dos nossos grandes pintores: Volpi.

Como eu sei que você foi amigo e grande admirador como eu, de outro artista como Portinari, gostaria de saber sua opinião sobre estes dois importantes de nossa cultura.

Com minha admiração profunda, Franco Terranova.

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Taís Pereira de Lima, mineira, sobrinha de Aníbal Machado, casada com o psicanalista, artista plástico e poeta Pedro Pelegrino, mãe de Joana, 12 anos e Antonio Pedro, 2 meses. Educadora, especialista em programas educacionais para televisão.

P – Drummond vou lhe fazer três perguntas:

A televisão é poética?

Você acredita que ela pode ser um meio de difusão cultural?

Qual é a sua relação com esse veículo de comunicação de massa?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Joaquim Nunes, funcionário público, procurador Federal, poeta, ator amador, 46, natural de Recife. Residente no Leblon enfrenta um matriarcado de quatro filhas e duas netas. Não se contendo fez duas perguntas ao poeta:

P – Como você Carlos, conseguiu, com sua sensibilidade, romantismo e honestidade poética, conciliar a sua vida literária com a rotina medíocre e frieza da função pública que exerceu durante tantos anos?

Quando o homem se descobre como poeta? Quando relê as suas obras ou quando o público e a imprensa assim o consideram?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

Hermes Frederico, médico homeopata e professor da PUC. Nasceu há 29 anos no Recife, vive há dez anos no Rio, onde com sua voz calma tranquiliza as aflições mais complicadas de seus pacientes.

P – Drummond, o que mantém o homem vivo? E o homem Drummond, o que o mantém vivo?

R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

  1. Ponce de Leon, 49, jornalista, publicitário e professor de criatividade na UFRJ, é assessor de comunicação do secretário Eduardo Portella, na Secretaria de Cultura. Seu primeiro contato com Carlos Drummond foi em 1966, quando fez a primeira reportagem com o poeta para o Caderno B do Jornal do Brasil.

Algumas das fotos do poeta que Ponce guarda, com muito carinho, foram conseguidas nas suas andanças por Itabira. Certa vez encontrando-se com Drummond quando estavam tirando suas carteiras de identidade, Ponce de Léon falou das fotos que guardava, inclusive da foto de formatura do poeta dedicada ao pai, Drummond não as pediu de volta. Apenas comentou: “então, foi você quem as encontrou?

P – Carlito (era esse o seu apelido em Itabira). Como será o seu encontro com Deus na eternidade?
R.: …………………………………………………………………………………………………………………………..

[Diário do Pará, 29/8/1987. BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *