Drummond, 123 anos: mesa celebra o poeta e os 80 anos de “A Rosa do Povo” no 5.º Flitabira
Fotos: Carlos Cruz
Pedro Drummond, Edmilson Caminha e Marcelino Freire homenageiam o autor e discutem a atualidade de sua poesia
Nessa sexta-feira (31), data em que, em Itabira, foi celebrado o 123º aniversário de nascimento de seu filho mais ilustre, Carlos Drummond de Andrade, o 5.º Festival Literário Internacional de Itabira (Flitabira) abriu sua programação com uma mesa especial no teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade.
O encontro, reuniu o neto do poeta, Pedro Drummond, o escritor e jornalista Edmilson Caminha e o escritor pernambucano Marcelino Freire, que atuou como mediador.
Durante a conversa, Marcelino Freire destacou a emoção de estar pela primeira vez em Itabira e de ter visitado a casa de Drummond, na praça do Centenário, no centro histórico de Itabira.
“Você foi nos conduzindo ali e ia lembrando de cada peça da casa. Olha ali, os copos, as xícaras, a cômoda. Foi muito emocionante”, disse, dirigindo-se a Pedro Drummond.
O mediador também compartilhou o impacto de receber o abraço do neto do poeta. “Recebendo o abraço do neto, a gente está recebendo de toda a família Drummond.”
Poesia em tempos de guerra e permanência
A boa prosa girou em torno dos 80 anos de A Rosa do Povo, obra publicada em 1945 e considerada um marco na poesia brasileira.
Pedro Drummond destacou o contexto histórico do livro, escrito durante a Segunda Guerra Mundial, e sua impressionante atualidade diante das crises contemporâneas.
Ele leu um trecho da apresentação escrita por Drummond para a segunda edição, nos anos 1980, em que o autor reconhece o caráter coletivo e moral de seus versos , uma poesia que não se fecha em si, mas se abre ao mundo.
Edmilson Caminha, jornalista e professor cearense, amigo pessoal de Drummond e membro do conselho editorial da obra do poeta na Editora Record, trouxe à mesa um exemplar da primeira edição de A Rosa do Povo, cuidadosamente encadernado.
Ao folhear o volume diante do público, ressaltou a permanência dos poemas e a capacidade dos grandes poetas de antecipar os dilemas da humanidade. “Os poetas são as antenas da raça”, disse, evocando a célebre frase de Ezra Pound que Drummond gostava de citar.
Memória afetiva e humor

Pedro Drummond compartilhou lembranças pessoais do avô, revelando seu lado bem-humorado e afetuoso.
Entre as histórias, destacou-se o episódio da dentadura usada como truque para divertir crianças na rua. Também relembrou o momento em que, ainda criança, quebrou a antena da televisão e se escondeu debaixo da cama, temendo a reação do avô, que, no fim, o perdoou com carinho.
Edmilson Caminha contou como se aproximou de Drummond enviando doces de caju feitos por uma tia em Fortaleza. Durante anos, ele mandava o presente pela Varig, diretamente para a casa do poeta.
Foi ao se identificar como “o professor que manda o doce de caju” que conseguiu, pela primeira vez, falar com Drummond ao telefone.
A política dos versos

A mesa também abordou o poema Confidência do Itabirano e a polêmica em torno do verso “esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil”.
Edmilson Caminha relatou que, ao visitar o Memorial Carlos Drummond de Andrade em Itabira durante o centenário do poeta, em 2002, deparou-se com uma escultura em concreto curvo, concebida como uma página de livro, onde o poema estava transcrito em letras metálicas.
Ao ler atentamente, percebeu que um dos versos mais simbólicos havia sido omitido: aquele que faz referência direta à vocação mineral da cidade e a transformação da pedra de minério em “futuro aço do Brasil”.
Segundo Caminha, o verso ausente, “esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil”, aparece em algumas edições do poema e desaparece em outras, o que gerou debates entre estudiosos e leitores.
Atento à obra e à história editorial de Drummond, o jornalista alertou sobre a omissão. A correção foi posteriormente feita, restituindo o trecho à escultura.
Para Caminha, não há dúvida sobre a intenção do poeta. “Se Drummond leu esse verso em gravação da antologia poética, é porque ele quis que constasse.”
Ele argumenta que a leitura pública do poema pelo poeta, registrada em disco, é uma evidência de que o autor considerava o verso parte integral da obra.
A controvérsia, segundo ele, revela não apenas uma disputa editorial, mas também uma “pequena política literária” sobre o que deve ou não ser preservado na memória pública de um autor.
Três tempos do poeta

Foi também Edmilson Caminha quem trouxe à mesa uma leitura crítica memorável de Afonso Romano de Santana, que propõe uma divisão simbólica da trajetória poética de Carlos Drummond de Andrade em três grandes momentos existenciais.
Segundo essa interpretação, Drummond teria transitado entre diferentes formas de se posicionar diante do mundo, ora em confronto, ora em humildade, ora em conciliação.
O primeiro momento é o do “eu maior que o mundo”, presente no célebre Poema de Sete Faces, publicado em 1930, em que o poeta afirma: “Mundo, mundo, vasto mundo, mais vasto é o meu coração.” Aqui, explica Caminha, o sujeito lírico se coloca como centro, como potência que transcende o mundo à sua volta.
O segundo momento, já nos anos 1940, é o do “eu menor que o mundo”, expresso no poema Mundo Grande, do livro Sentimento do Mundo.
Nele, diz o jornalista, Drummond reconhece sua fragilidade diante da realidade: “Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor.” O tom é de humildade, de rendição ao peso da história e da coletividade.
O terceiro momento, mais maduro e complexo, é o do “eu igual ao mundo”, que aparece em Caso do Vestido, poema narrativo de A Rosa do Povo.
A narradora, uma mulher que conta sua história às filhas, afirma: “O mundo é grande e pequeno.” Aqui, o sujeito poético já não se opõe nem se submete ao mundo, explica. “Ele se reconhece como parte dele, em uma relação de equivalência e ambiguidade.”
A análise, apresentada com clareza e entusiasmo por Caminha, foi recebida com atenção pelo público, que pôde revisitar a obra de Drummond sob uma nova lente que revela não apenas o poeta, mas o homem em transformação diante de seu tempo.
Esperança e resistência
A mesa encerrou com a leitura de poemas como Nosso Tempo, Áporo e Medo, reforçando a atualidade da obra de Drummond.
Os participantes destacaram que, mesmo diante da violência e do medo, a literatura segue como um espaço de resistência e esperança.
“Estamos aqui, numa sexta-feira à noite, celebrando poesia. Isso nos dá esperança”, disse Pedro Drummond.
Foi nesse espírito que a mesa se despediu, com aplausos calorosos e a certeza de que Drummond segue vivo na memória, na palavra, em Itabira e no Brasil.
Serviço
5.º Festival Literário Internacional de Itabira – Flitabira
Data: De 29 de outubro a 2 de novembro, quarta-feira a domingo
Local: Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade e avenida lateral.
Entrada gratuita
Toda a programação é transmitida online pelo Youtube @flitabira
Acesse a programação completa em www.flitabira.com.br








