Dossiê – Violações de direitos, crimes e fraudes nos processos de licenciamento ambiental de projetos minerários no Serro
Centro Histórico do Serro, tombado em seu conjunto pela IPHAN
Fotos: Divulgação
Serro MG, Alto Vale do Jequitinhonha, território livre de mineração, é a região que abriga o Parque Estadual do Pico do Itambé e o Monumento Natural Estadual da Várzea do Lajeado e Pico do Raio, área de preservação ambiental, vertente das nascentes das Bacias do Jequitinhonha, Rio Doce e São Francisco, território de inúmeras comunidades quilombolas e tradicionais, de imensa importância hídrica, natural, antropológica, cultural e arquitetônica. O município, juntamente com Santo Antônio do Itambé, vem sendo assediado desde 2014 pelas mineradoras Anglo American, Conemp (Grupo Herculano MIneração), Onix Céu Aberto e Minermang.
O município, de grande importância cultural, foi a primeira cidade tombada pelo IPHAN, em 1938, por seu conjunto arquitetônico. O Serro é uma referência patrimonial para Minas Gerais e para o Brasil, abriga sete comunidades quilombolas certificadas e várias comunidades tradicionais, com detentores que resguardam raízes de todos os bens culturais imateriais registrados em Minas (Congados e Festas do Rosário, Bandas de Música, Queijo Minas Artesanal, Sinos, Folia, Quitandas, Cozinha Mineira etc). Todo esse patrimônio fica ameaçado diante da mineração.
A violação sistemática da legislação que rege o licenciamento e a violação dos direitos da população quilombola através de uma sequência de diferentes tipos de assédio, ameaças, intimidações, juntamente com uma série de fraudes, irregularidades e atos de corrupção por parte das empresas e da prefeitura do Serro no processo de licenciamento, faz a situação ser gravíssima.
Por este motivo este documento se faz presente, para denunciar os fatos que abaixo elencamos.
O escândaloso caso da Associação de Queimadas
A Comunidade Quilombola de Queimadas se situa a menos de 2km de distância do local pretendido para exploração de ferro pelas mineradoras Herculano e Onix, e tem sofrido diversos tipos de violências e violação de direitos.
A comunidade fundou em 2015 a Associação Comunitária Quilombola de Queimadas, com assistência jurídica da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais N´Golo, através do professor e advogado Matheus de Mendonça Leite. A associação vem durante todos esse tempo servindo como um instrumento de luta por direitos e acessos à comunidade de Queimadas.
No dia 14 de janeiro de 2024 houve eleições para composição da diretoria da Associação Quilombola de Queimadas. A associação já vinha há alguns anos sendo disputada por apoiadores declarados da Mineradora Herculano, e foi nesta data, definitivamente tomada por um grupo que tem trabalhado intensamente contra os direitos da população quilombola.
O processo de tomada de poder por esta nova diretoria foi marcada por assédios, ameaças, chantagens, disseminação de desinformações graves que acabou por intimidar e afastar muitos moradores das decisões comunitárias.
No dia 17 de março de 2024, a nova diretoria da associação quilombola, eleita de forma oportunista e declaradamente a favor da mineração, convocou uma reunião extraordinária com a intenção de votar um protocolo de consulta escrito pela própria diretoria sem a participação dos moradores, conferindo apenas à Associação o poder de decidir sobre o futuro da comunidade nos processos de consulta, livre, prévia e informada em Queimadas. Um caso sem precedentes no Brasil de apropriação, uso indevido e má fé acerca da construção do protocolo de Consulta Livre Prévia e Informada, como regula a Convenção 196 da OIT, do qual o Brasil é signatário.
Em 5 de junho de 2024, a Associação de Queimadas se manifestou no processo de licenciamento da Herculano, contra o direito à consulta, direito histórico de luta reivindicado por todas as comunidades quilombolas do Brasil e a favor da realização de uma audiência irregular convocada pela Herculano para o dia 11 de junho. A Associação de Queimadas também tem se pronunciado contra a Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, N´golo de forma caluniosa e difamatória.
Diante de todas essas violações, os moradores de Queimadas escreveram uma Carta Manifesto denunciando todos esses abusos.
O novo quadro da associação de Queimadas
O quadro da diretoria da Associação de Queimadas é atualmente composto por: Ataíde de Paula (presidente), Amarildo Magno (vice presidente), Jair Junior (primeiro secretário), Valdemir Barbosa (segundo secretário) e Maria das Neves (tesoureira).
Jair Dias Junior
Embora eleito como 1º secretário, assume a postura de presidente da Associação de Queimadas e tem liderado diversas ações para benefício da Herculano e contra os interesses do povo quilombola.
JJ é nascido e criado em BH e não conserva o modo de vida quilombola, apesar da sua mãe ter morado em Queimadas. Em 2021, JJ adquiriu terreno em Queimadas e vem atuando para criar divisões, rixas e intrigas na comunidade.
JJ ameaça, intimida, persegue, calunia e difama as lideranças e profissionais contrários à mineração. Após sua chegada, Valderes Quintino, liderança quilombola da comunidade de Queimadas, Juliana Deprá, coordenadora regional do MAM e o professor Matheus de Mendonça Leite, advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais N´Golo, tiveram que ser incluídos no Programa de Proteção de Direitos Humanos de militantes e defensores ambientais.
Como membro da diretoria da Associação de Queimadas, JJ tem articulado idas da Herculano na associação para conversas com moradores, expressamente proibido pela Convenção 169 da OIT.
Antes de ser membro da associação JJ organizou manifestações pró Herculano, conforme foto abaixo.
Recentemente a associação contratou o escritório de advocacia DINIZ & DINIZ Advogados Associados, sediado em Belo Horizonte, que peticionou juntamente com a Herculano exigindo a realização da audiência marcada para 11 de junho.
Jair Junior tem extensa ficha criminal e atualmente tem se intitulado como “Jair de Queimadas”. Segue em anexo a ficha criminal de Jair Dias Junior, para fins de comprovação da veracidade dos fatos. A lista de crimes cometidos por JJ inclui crimes de falsificação de documentos, estelionato, falsidade ideológica, receptação, falsificação e roubo de veículos, formação de quadrilha entre outros.
A resposta de JJ postada por ele em suas redes sociais para a sua própria ficha, é uma confissão primária dos seus crimes. Confira em sua página do instagram:
https://www.instagram.com/reel/C4YVZQDu77x/?igsh=cnZlajhrNGhlNHJz
Histórico de violências
Em abril de 2023, a Comunidade de Queimadas se preparava para receber o antropólogo Marcelo Vilarinho da CIMOS, órgão do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, na reunião da Associação Comunitária e Quilombola de Queimadas.
O objetivo da reunião era ler e entregar para a comunidade o relatório técnico com o levantamento das localidades pertencentes à identidade quilombola de Queimadas, ressaltando as características quilombolas e as relações de parentesco presentes nas 15 localidades da região: Córrego do Criminoso, São José das Maravilhas, Córrego Cavalcante, Córrego do Retirinho, Cabeceira de Mumbuca, Mombaça, Córrego do Baú, Córrego das Poças, Córrego da Gameleira, Floriano, Botafogo, Queimadas do Itambé, Perobas, Canavial e Taborna.
Nessa ocasião houve a invasão da reunião por fazendeiros, sitiantes não quilombolas da região e apoiadores da Herculano, muitos deles armados, com apoio da prefeitura e de vereadores do Serro, com o intuito de ameaçar a comunidade e impedir que a mesma avance no acesso aos seus direitos territoriais.
Na semana que antecedeu a reunião, um grupo de apoiadores da Herculano disseminou fakenews na região, afirmando que na reunião haveria uma votação sobre a demarcação do território de Queimadas, e que as pessoas deveriam impedir que o “estado tomasse as terras do povo”.
Essa campanha de desinformação, com o intuito de inflamar moradores da região contra os quilombolas de queimadas que lutam por direitos, acentuou o conflito e as divisões da comunidade, instaurando um clima de ameaças e intimidações que permearam o processo eleitoral da associação e se agravaram com a atuação da nova diretoria.
Obras ilegais
Desde dezembro de 2022, moradores da comunidade quilombola de Queimadas vem denunciando obras de ampliação na rodovia MG-010, estrada que corta o território de Queimadas, e de interesse das mineradoras Herculano e Onix Céu Aberto.
Mesmo sem a licença ambiental para iniciar qualquer atividade na região, o grupo Conemp (Herculano) iniciou a obra de construção da estrada que consta nos projetos minerários dessas duas empresas, para o escoamento do minério de ferro, com objetivo de trafegar mais de 400 caminhões por dia.
A autorização do Instituto Estadual de Florestas (IEF) para o desmatamento de Mata Atlântica para as intervenções na estrada foi cedido, a pedido da prefeitura do Serro, através do senhor Nondas Miranda, omitindo no pedido que a estrada consta nos projetos minerários que encontram-se em processo de licenciamento ambiental estadual. A autorização pelo IEF foi assinada na época por Carlissandra, que na sequência foi exonerada do cargo do IEF e contratada como advogada pelo Grupo Conemp.
A execução dessa obra de grande porte para a região foi mais um fator de acirramento de rivalidades e divisão da comunidade, de cooptação de apoiadores entre os quilombolas, e de desrespeito ao direito de decisão da comunidade sobre o seu território.
Está marcada para o dia 11 de junho uma audiência ABSURDA, ABUSIVA e IRREGULAR convocada pela Herculano. Essa audiência é mais uma grave violação aos direitos quilombolas e à legislação brasileira.
Em outubro de 2023 houve um fato inédito para a luta dos povos quilombolas de Minas Gerais. Uma corte formada por três desembargadores, abre um julgamento para deliberar sobre o cumprimento do protocolo de consulta nos licenciamentos de Herculano e Onix.
Ambas as empresas apresentaram um EIA RIMA fraudulento que sequer reconhecia a existência de comunidades quilombolas próximo ao empreendimento, uma omissão grosseira para um Estudo de Impactos.
O resultado do julgamento decidiu por 3 x 0 que os processos de Herculano e Onix Mineração ficam em suspenso em virtude de ausência de consulta livre, prévia e informada à comunidade.
Ou Seja, ESTÁ PROIBIDA A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS SOBRE LICENCIAMENTO MINERÁRIO NO SERRO, ATÉ QUE A COMUNIDADE QUILOMBOLA QUEIMADAS SEJA CONSULTADA SOBRE O EMPREENDIMENTO.
ESTRANHAMENTE, um juiz da 1ª instância contrariou essa decisão superior, tomada de forma unânime por um grupo de desembargadores e autorizou a Herculano convocar uma audiência para o dia 11 de junho de 2024.
A decisão do juiz de 1ª instância, Flavio Bittencourt de Souza, além de contrariar um grupo de desembargadores de instância superior, fere a Convenção 169 da OIT que determina o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada para a comunidade.
Diversos movimentos e instituições têm se manifestado oficialmente contra toda essa série de abusos. Além de todos os fatos narrados até aqui, um forte esquema de corrupção da máquina pública do município e do sistema judiciário do estado de Minas Gerais, que conta com a conivência e apoio do governo Zema.
O escândalo do Plano Diretor do Serro
O prefeito do Serro, Nondas Miranda, tem se mostrado o grande testa de ferro da mineração no município e traidor do povo quilombola.
Em 2017, ocasião em que o Plano Diretor do Serro precisava ser revisado, houve uma intensa mobilização com grande participação social. Foi produzido um Plano Diretor coordenado pela Fundação Israel Pinheiro, com a integridade garantida por uma equipe multidisciplinar e o envolvimento de todas as comunidades do Serro.
O resultado ao final do processo foi da limitação rigorosa da mineração, a partir de critérios técnicos, ambientais, culturais e antropológicos, que impediria a mineração nos locais pretendidos por Herculano e Onix.
O prefeito Nondas nunca validou este PD, ao contrário, o documento foi impedido de ser votado na Câmara dos Vereadores do município. Na época, a construção deste PD custou 300 mil reais aos cofres públicos.
Em abril de 2024, o prefeito Nondas assinou às pressas um documento formalizando a nomeação de Jair Junior para conselheiro representante de Queimadas no Condesq, Conselho de Desenvolvimento Quilombola do Serro.
A prefeitura também firmou contrato com o escritório de advocacia, no valor de R$ 1 milhão, para a revisão do Plano Diretor do município.
O PD tem sido feito a toque de caixa, sem repasse de informações, reuniões sem aviso às comunidades, convocações feitas com APENAS UM dia antecedência, inexistência de informações no site da prefeitura. Tudo isso apesar da intensa participação popular reivindicando seu direito de participação.
Serro, território livre da mineração
Desde 2017 a sociedade civil organizada resiste à entrada de projetos minerários predatórios de extração de minério de ferro, que ameaçam trazer graves impactos ambientais, sociais e econômicos para o município.
A Anglo American teve seu projeto negado por unanimidade em 2015 pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente. Desde 2018 várias empresas “menores” têm tentado obter o licenciamento para projetos desmembrados, mas que juntos terão o mesmo impacto devastador.
Diante da situação grave de crimes e violações que vem ocorrendo no município do Serro, assim como em todo o Vale do Jequitinhonha, nova fronteira dos grandes e criminosos empreendimentos minerários – do lítio ao ferro – estamos espalhando estas denúncias em busca de apoio para essa luta, junto a várias instituições de atuação nacional, internacional e mandatos políticos.
Uma intensa rede de apoio e solidariedade tem se formado para ajudar a enfrentar este avanço devastador do capital minerário no Vale do Jequitinhonha, pela destruição que gera para o ambiente, a sociedade, a saúde pública, o turismo, a cultura e tradições locais. Seguimos!
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