Doação de CDA a Itabira: afeição perene, solidariedade ativa

Ilustração: Genin 

Por Arp Procópio, chegando no Rio

“Meu passo torto/ foi regulado pelos becos tortos/ de onde venho. – Do lado esquerdo carrego os meus mortos/ Por isso caminho um pouco de banda” CDA

Toda a obra de Drummond, perfeita iluminura de sua existência modelar, está de tal maneira impregnada de Itabira, que se torna inviável destacar trechos dela como testemunho, sem quebrar-lhe a intrínseca harmonia.

Procuramos aqui no Cometa, em ligeiro resumo, realçar apenas alguns aspectos da atividade literária de Drummond, que revelam como, desde cedo, se vem manifestando sua extrema ligação afetiva à cidade natal, até sua arrebatadora explosão, na sequência poética, sob denominação geral de “Boitempo”, sem similar, na literatura nacional, e, muito provavelmente, em âmbito universal.

Pode-se afirmar, com certeza, que nenhuma cidade, província ou nação terá sido tão persistentemente lembrada, cortejada e amada como Itabira, por seu Poeta.

Itabira, como seu nome sonoro, já não sobrevive apenas “na gaveta saudosa” de seus filhos ausentes, mas ressoa, graças ao seu Poeta, em âmbito nacional e internacional, seja em universidades e centros culturais, seja em qualquer recanto da terra onde haja alguém sensível à verdadeira poesia. Drummond, irônico por vocação e natureza, é lírico, quando é seu tema.

O primeiro trabalho publicado, com apenas 17 anos, no Diário de Minas, de 22/4/1920 (no qual, a partir de então, colaboraria intensamente, até mudar-se para o Rio, 1934), versa assunto grato a nossa terra, sobre o poeta itabirano, então recém-falecido, Alexandre de Oliveira.

Encerra-o afirmando que o Poeta Morto “não prostituiu sua arte”, lema que Drummond, com discrição e extrema coerência, vem seguindo ao longo de toda a sua extensa e profícua atividade, como escritor, e igualmente, como cidadão.

A doce herança itabirana

Também, quando na fase da mais intensa campanha modernista, convocado por Mário de Andrade para colaborar no “Mês Modernista” do jornal A Noite, o jovem Drummond (agora com 23 anos), a 6 de janeiro de 1926, apresenta dois poemas relativos a Itabira.

– a – Bucólica no caminho do Pontal, único em toda a sua poética, em que se declara feliz:

A vida é bela! A vida é bela! Como é bom viver. Garanto que sou feliz.

Talvez por essa circunstância o autor o tenha marginalizado, pois, escrevendo em 1933, em amargurada crônica sobre um amigo morto, reportando-se a essa época, rememora: “Não éramos felizes”;

– b – Itabira, primeira versão do que depois se consolidou em famoso poema (Cada um de nós tem seu pedaço no Pico do Cauê), marco da poética drummondiana, com a mitificação do personagem geral, Tutu Caramujo.

No conjunto de sua obra, Itabira ostenta galhardamente sua presença, não apenas quando é seu expresso objeto, mas, principalmente, quando ao seu Poeta esse nome cheio de magia se insinua e sorrateiramente se impõe no desenvolvimento de outros temas, aos quais, à perfeição, se integra.

Assim, no poema Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin (uma de suas vibrações permanentes), o Poeta define a nossa gente e nele se absorve:

…era preciso que um pequeno cantor teimoso, não dos maiores, mas dos mais expostos à galhofa, de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior, onde nem sempre se usa sapato, mas todos são extremamente polidos e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia…

Eis mais alguns, entre centenas de exemplos, em que o indelével ranço itabirano se faz presente, ao longo da obra de Drummond.

– No deserto de Itabira/ a sombra de meu pai/tomou-se pela mão.

 – Uma rua começa em Itabira, que vai dar no meu coração.

– Olho ao pé do fogo/ homens agachados/ esperando comida.

– Eu preparava uma canção/ em que minha mãe se reconheça.

 – Ó monstros lajos e andridos, que me persegues com vossas barganhas.

– Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho.

– E como eu palmilhasse vagamente/ uma estrada de Minas, pedregosa.

 – Meu santo Antônio de Itabira/…ensina-me um verso.

– Uma construção em barrotes, / o mugir da vaca do eterno…

– Há cinquenta anos passados, / Padre Olímpio bendizia /Padre Júlio fornicava.

 – Do rude Cauê, / a TNT aplainando/ resta o poste/ na gaveta saudosista.

– Pois a ironia da terra/que deu Tico e deu Fernando/ Terceiro e deu Minervino/ ri de quem está gozando.

– Meu edifício Itabira, /que eu vejo na Avenida Copa/ cabana, e a saudade mira/ de uma colina lontana.

– O rio Amazonas é o maior do mundo, / o córrego da Penha, esse, coitado, / mal fazia um poço raso,/ onde a gente, fugindo, se banhava.

Para que mais, para que tantos exemplos, se, mais do que em palavras, Itabira inteira se projeta em Drummond, marcando-o por toda a vida? Como diz nosso Poeta, “cada cidade tem a sua linguagem, nas dobras da linguagem transparente”, mas Itabira frui a glória maior de ver a sua linguagem própria, coloquial, trasladada em poesia, no caricioso estro drummondiano.

Outro aspecto relevante da conduta de Drummond, em seu amor à cidade natal, é a sua transmutação de “indivíduo encaramujado” em áspero mosqueteiro, porfiando desafiadoramente e correndo grandes riscos, sempre que estão em causa interesses, morais ou materiais, de Itabira.

Mas isso já é outra história, longa história, Lúcio, que fica para outra oportunidade, pois não?

[Jornal O Cometa Itabirano, 31/10/1982]

 

 

Posts Similares

2 Comentários

  1. Ninguém pode falar que o Drumond não gostava de Itabira . A indiferença a ele em outros tempos imagino eu em uma especulação meio rasa , é que o tal do retrato na parece despertou uma sensação negativa dos que pouco liam e leem suas obras . Como dizer que o poeta não gostava de Itabira se em um de seus rabiscos ele citou até a rua do cascálho ?

  2. Caro João Tobias, que bão que você não faz parte da ralé intelectual que difama o poeta. Amanhã a Vila vai contar a história das primeiras namoradas itabiranas do poeta, elas, antes do Cometa, criaram uma base bem fundada na educação, em sala de aula, pra acabar com o achincalhe.
    Agradeço você, porque cada manifestação à favor engrandece Itabira e consolo nós, que respeitamos o poeta e abra dele.
    Você é um docinho de amendoim torradim, beijoca

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *