Vila de Utopia

Diretor da Unifei publica foto preconceituosa na rede social e gera nota de protesto de estudantes

Uma postagem do diretor do campus da Unifei de Itabira, professor José Eugênio Lopes, publicada no dia 22 de setembro nas redes sociais, causou polêmica na universidade, com manifestações contrárias e favoráveis à publicação.

Na postagem de uma foto descontextualizada em sua página no Facebook, com algumas mulheres com tarjas pretas cobrindo seus órgãos sexuais, em um suposto ato de protesto, o diretor escreveu: “Esse é o nível das universitárias esquerdistas que (é) a favor da legalização do aborto e da maconha.”

A polêmica postagem do diretor José Eugênio, na foto em destaque

Após as reações, um dia depois o diretor encerrou a sua página na rede social. E permaneceu em silêncio.

Procurado pela reportagem, por meio da assessoria de imprensa da universidade, ele não quis se manifestar sobre a postagem e a polêmica gerada posteriormente. A reitoria também não se manifestou até o fechamento dessa reportagem, o que pode fazer a qualquer momento, caso queira.

Uma nota de repúdio à postagem do diretor, assinada pela Representação Estudantil de Itabira e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), foi lida na reunião do Conselho Universitário (Consuni) realizada no primeiro dia deste mês. Nela, os universitários pedem a retratação do diretor do campus de Itabira, o que ainda não ocorreu.

“O primeiro ponto que levantamos é que consideramos a publicação extremamente machista e mentirosa, pois a imagem não traz nenhum elemento que leva a inferir sobre uma ligação com a esquerda, com a legalização do aborto e da maconha ou até mesmo que as mulheres da imagem tenham vínculo com alguma instituição de ensino superior”, afirmam em nota as entidades de representação estudantil.

“Ao compartilhar tal publicação, o senhor diretor compactua com a generalização de estereótipos infundados e mentirosos sobre o movimento feminista, sobre a esquerda e sobre as pessoas que defendem as lutas e as pautas antiproibicionistas, contribuindo para a perpetuação de ódio e preconceitos, além de ofender as mulheres, sobretudo as universitárias e funcionárias, que compartilham dos ideais que ele atingiu.”

Crise instalada

A polêmica com o diretor é também o prolongamento de uma crise instalada que se arrasta no campus de Itabira desde que o reitor Dagoberto de Almeida, em memorando, cancelou a realização de uma consulta para que professores, alunos e funcionários se manifestassem sobre a proposta de divisão do campus local em unidades acadêmicas.

É, portanto, reflexo de um descontentamento que se arrasta desde o ano passado. Foi agravada quando o reitor Dagoberto de Almeida, também por meio de memorando, cancelou uma consulta pública que seria realizada para ouvir os corpos docentes e discentes sobre a divisão do campus local em unidades acadêmicas.

A decisão acarretou a renúncia do então diretor e do vice-diretor do campus, os professores Dair de Oliveira e Márcio Yasuda. Após a renúncia, houve uma nova consulta para a escolha da nova direção do campus.

A nomeação dos segundos colocados na consulta quebrou uma tradição que vinha sendo mantida após a democratização do país de se nomear os vencedores.

Em nome da “unidade administrativa”, o reitor no uso de suas atribuições legais, mas rompendo com a tradição, nomeou os segundos colocados, os professores José Eugênio Lopes de Almeida e Élcio Franklin Arruda, respectivamente para os cargos de diretor e vice-diretor.

Essa quebra de tradição gerou mais protestos entre os universitários. Foi, pois, nesse clima de descontentamento, que persiste no campus da Unifei, que repercutiu a postagem do diretor José Eugênio nas redes sociais. Foi a gota d´água para aumentar ainda mais o descontentamento estudantil com a direção do campus local.

Insinuação polêmica

Ao legendar a foto como sendo de mulheres universitárias a favor do aborto e da liberação da maconha, numa manipulação que tem sido comum nesse período de eleições, o diretor provocou protestos generalizados nas redes sociais.

Mas houve, também, comentários de estudantes que apoiaram a postagem, defendendo o direito de o diretor expressar a sua opinião, ainda que polêmica e descontextualizada.

“Como diretor de um campus universitário, ele generalizou preconceituosamente, o que causou muita indignação, ainda que a postagem tenha ocorrido em sua página particular”, conta um universitário da Representação Estudantil de Itabira, que pede para não ter o seu nome divulgado para não sofrer retaliações.

“O silêncio da reitoria é sintomático. Revela indiferença e desrespeito a quem dela diverge. Após a leitura da nota na reunião do Consuni, em que estava presente o vice-reitor Marcel Parentone, o coordenador se limitou a dizer: ‘pronto, já está lida”, e mudou de assunto. Mas pelo menos a nota foi registrada em ata”, resigna-se o universitário.

Segundo ele, como ocorre em todas as universidades e na sociedade, há quem apoie a liberação da maconha e do aborto, assim como há também estudantes que são contrários. “O mais democrático, e condizente com o ambiente universitário, seria promover um debate sobre esses temas”, pondera.

Afinal, são temas controversos que estão na pauta dos que lutam pelos direitos de última geração, aqueles que mesmo ainda não estando assegurados em lei, já são corriqueiros em sociedade. E que não deveriam ser tratados com preconceitos, ainda mais em um campus universitário.

Como se sabe, a prática do aborto no país é uma triste realidade – e diz respeito à saúde feminina. “Milhares de mulheres morrem por fazer aborto em clínicas clandestinas. É uma triste realidade que o Estado e a sociedade, e a universidade, não podem ignorar”, diz o estudante.

Da mesma forma, acrescente-se, é o consumo de maconha no país – um outro tema que não pode ser ignorado, nem ser tratado com desdém e preconceitos. Mesmo políticos tradicionais, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), defendem a sua descriminalização como forma de reduzir danos aos usuários.

E há também os entendem que os malefícios da maconha são menores que os apontados pela campanha contrária. Para eles, o Estado não tem que reprimir o consumo. “Querem o Estado mínimo na economia, mas não na vida pessoal do cidadão.” Mas há também os que acham que a maconha deve permanecer ilícita e o seu usuário penalizado.

“A universidade deve abordar esses temas como parte de um debate acadêmico e científico. E não da forma irresponsável que tratou o diretor, reproduzindo os preconceitos do senso comum”, afirma o estudante universitário.

Leia abaixo a nota de repúdio à postagem do diretor. Como não houve retratação, os estudantes devem pedir que a auditoria interna da universidade investigue o caso – e tome as medidas cabíveis.

Nota de repúdio ao diretor José Eugênio de Almeida

“A Representação Estudantil de Itabira, juntamente com o DCE Unifei e em apoio a todos e todas estudantes e coletivos da Universidade Federal de Itajubá vem por meio da presente nota manifestar seu veemente repúdio ao atual diretor do campus de Itabira e a sua conduta ao realizar em suas redes sociais publicações falaciosas e de caráter extremamente ofensivo.

No dia 22 de setembro de 2018, o Sr. Diretor José Eugênio de Almeida compartilhou uma publicação com os seguintes dizeres “Esse é o nível das universitárias esquerdistas que a favor da legalização do aborto e da maconha” acompanhada dessa imagem descontextualizada e protagonizada por mulheres em um ato de protesto.

O primeiro ponto que levantamos é que consideramos a publicação extremamente machista e mentirosa pois a imagem não traz nenhum elemento que leva a inferir sobre uma ligação com a esquerda, com a legalização do aborto e da maconha ou até mesmo que as mulheres da imagem tenham vínculo com alguma instituição de ensino superior.

Ao compartilhar tal publicação, o sr. Diretor compactua com a generalização de estereótipos infundados e mentirosos sobre o movimento feminista, sobre a esquerda e sobre as pessoas que defendem as lutas e as pautas antiproibicionistas, contribuindo para a perpetuação de ódio e preconceitos, além de ofender as mulheres, sobretudo as universitárias e funcionárias, que compartilham dos ideais que ele atingiu.

Tal publicação ficou visível nas redes sociais do mesmo por mais de 24 horas e gerou um grande incômodo em alunas, alunos, funcionárias, coletivos estudantis, e até mesmo a pessoas não ligadas a universidade as quais a publicação alcançou.

As representações estudantis da Universidade Federal de Itajubá, repudiam toda e qualquer fala falsa e ofensiva que busque atacar e ferir qualquer classe social e grupos organizados que pautem e defendam lutas por seus direitos.

Ressaltamos que não concordar ou não defender pautas de outros grupos não dá a ninguém o direito de tentar manchá-las, o direito do outro diz respeito somente a ele e isso deve ser respeitado por todos!

Exigimos uma retratação pública por parte do diretor, visto que o mesmo apenas deletou as redes sociais sem se desculpar com as pessoas que ele ofendeu e esperamos que atitudes como essa não voltem a se repetir por parte de pessoas que ocupam cargos administrativos, acadêmico ou técnico dentro ou fora da nossa universidade.

A seguinte carta foi lida na última reunião do CONSUNI, no dia 01/10/2018. Mediante isso, esperamos a retratação do Sr. Diretor José Eugênio de Almeida.

Machistas não passarão!”

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