Deus e o Diabo na terra do ferro
Cristina Silveira
Para que insultam as mulheres? Para que matam as mulheres?
Em setembro de 1967, a atriz e naturista Luz del Fuego desapareceu de sua casa na Ilha do Sol, no Rio. Dias depois Luz foi encontrada no fundo do mar. “Abriram à faca o seu ventre depois de matá-la com pauladas na cabeça”, informou o delegado de polícia.
Essa sanha assassina se fortalece na era virtual. Por isso é interessante uma reportagem de 1967 trazida à luz de 2020, data de êxtase da misoginia e feminicídio – palavras novas no dicionário –, conceito feminista no combate à violência e violação de corpos femininos.
Sexo, milagre e a possessão de alma de outro mundo no corpo das mulheres são imagens velhas da falocracia canibal, agora a reproduzir, com roupa nova, o espetáculo financeiro das mídias, com intermeio de comerciais a vender drogas licitas para todas as idades tolerarem as violações do Estado.
A função do jornalismo é informar os acontecimentos corretamente ao público, premissa trocada pelo lowfer jornalístico que avança por todos os cantos.
Itabira já o tem curtido na cachaça e comigo-ninguém-pode a partir da escolinha Folha do Espinhaço, um jornal do século passado.
Publicam mentiras para vilipendiar a imagem de pessoas corretas, criam a espetacularização de corpos e mentes; o inferno é o outro. Mas a vida é mutável, o mundo gira, como agora em que se descontrói uma reportagem de 1967.
Na reportagem de O Cruzeiro, 19/8/1967, reproduzida na sequência, com os nomes das pessoas e fotografias suprimidas, só com as iniciais por uma questão de privacidade e, que respeitamos. Mas excluir as imagens é de se lamentar, pois representam pessoas belas como as flores raras do Itabirismo.
As duas meninas, M.M, 15 anos na época, e M.G, 17. Uma esguia, altiva, unhas longas bem tratadas, a outra de rosto carnudo, sorriso farto e confiante, vê-se logo que são bem nascidas.
O avô das meninas, senhor R.M, homem de corpo e sorriso forte de quem sabe que a vida é dura e não esmorece o espírito. Um rapaz, tão belo que posso imaginar Camille Claudel contemplativa diante dele para esculpir a representação da beleza masculina.
Entretanto as três figuras invisíveis e centrais da reportagem mereceram uma única frase na reportagem da revista O Cruzeiro: “Após o contratempo (sic) – acontecido numa praça de Itabira e provocado por três rapazes – a jovem caiu em grande trauma…”
Não foi contratempo, foi crime e a reportagem implicitamente isenta os rapazes do crime de violação. Quem eram eles? Não foram fotografados, ouvidos e nem tiveram seus nomes divulgados, mas é certo que tinham o cérebro sifilítico.
Isso enquanto as vítimas, como é comum na imprensa sensacionalista, foram fotografadas e mencionadas com os seus nomes completos, embora fossem menores de idade.
Lares (do latim), para os etruscos e romanos, são espíritos tutelares encarregados de proteger a casa. E o sr. R.M, foi um Lares. Na reportagem da revista O Cruzeiro chama atenção a presença desse grande líder de uma família: inteligente decidiu com a razão e serenidade as estratégias de proteção das netas.
Pessoa de fé (ação) e respeito à vida. Tenho a liberdade de imaginar o que passou pela cabeça do sr. R.M. Talvez tenha até pensado: ‘se é coisa do tinhoso vou buscar apoio do único que pode vencê-lo, Deus. Subiu a Serra do Caraça, bateu na porta do padre Francisco Trombert para o aconselhamento de que precisava. E o Tim Maia cantou, “quem ama cuida”.
Outras personas se destacam na reportagem. O padre Trombert e o ex-prefeito Daniel de Grisolia. Padre Trombert tocou no amago da questão: nada de anormal, apenas um caso comum de histeria, passível em homens e mulheres, tratável e curável. O avô, confiante, permitiu o tratamento na base da boa conversa e de orações.
O prefeito Daniel de Grisolia – que foi criança e cresceu entre livros da “maior e mais completa biblioteca de medicina e literatura da Cidadezinha” –, assumiu a responsabilidade de dispersar a balbúrdia da imprensa.
Compromisso respeitoso com o povo que lhe confiou o governo da cidade. Uma cidade infeliz desde 1942 quando foi possuída pela força destruidora da mineradora que não se consegue expulsar da cidade.
O sr. R.M e sua família venceram a parada sem truques, com dignidade humana e, deixaram o bom exemplo. E por fim, tenho a dizer que me senti docemente protegida pelo sr. R.M. um homem, um Lares.
A seguir, leia a reportagem transcrita da revista O Cruzeiro, publicada em 19 de agosto de 1967
O Diabo de Itabira
Por Fernando Richard
Fotos: José Nicolau
(Da sucursal de O Cruzeiro em Minas Gerais)
Itabira deixou de ser apenas um retrato na parede. De repente, a cidade abandonou as estrofes de saudade de Carlos Drummond de Andrade e pulou para as manchetes dos jornais do país inteiro.
Inacreditável ou não, acontece que o capeta passou a fazer das suas na cidade do minério, atormentando a vida pacata de duas mocinhas e colocando em polvorosa padres, estudiosos de parapsicologia, médicos curiosos e “cambanos” de terreiros de umbanda.
Durante uma semana, jornalistas de toda parte afluíram à região do Vale do Rio Doce, procurando esclarecer os fatos que vão contados nesta reportagem. E… acreditem se quiserem!
É comum em qualquer cidade antiga do interior, principalmente em Minas, falar-se da existência de um fantasma tradicional que, em determinados períodos do ano, aparece numa casa velha, perambula pelas ruas em noites escuras, toca os sinos da igreja local, assusta os animais e, em alguns casos, segundo narração de algum valente, é íntimo seu.
Assim acontece em Ouro Preto, Mariana, Sabará, Diamantina, Tiradentes, Serro, locais históricos que tem suas “almas penadas” particulares, respeitadas, conhecidas e temidas na região.
Itabira, cidade centenária do Vale do Rio Doce e fundada por bandeirantes, não fugiu à regra geral. Os mais velhos residentes falam da moça loura que enlouqueceu um jovem que a acompanhava, quando parou diante do cemitério e esfumaçou-se por entre as grades do campo santo.
Há, ainda, o caso da moça que cavalgava todo o amanhecer pelos campos das fazendas vizinhas e, depois, sumia por entre a neblina. E, também, o do casal atormentado pela presença de “maus espíritos” que quebravam louças, vidraças, móveis, atiravam pedras no telhado e só desapareceram com a benção do lugar por um padre da cidade.
Mas esta foi a primeira vez que Itabira teve conhecimento da presença do Capeta em seus plagas. Segundo o noticiário, os fantasmas boas-praças deram lugar a um animal com cabeça de gato, orelha de cachorro, corpo empinado e pés de cavalo.
Duas jovens, M.M (15 anos) e M.G (17), foram os personagens principais desta história que tomou conta dos jornais por mais de 15 dias e continua sendo objeto de estudos por parte de entendidos em fantasmas e assemelhados. Um susto em M.M. teria sido o responsável pelo transtorno que envolveu toda uma numerosa família e prendeu a atenção pública.
Após o contratempo – acontecido numa praça de Itabira e provocado por três rapazes – a jovem caiu em grande trauma nervoso e, segundo a narração de testemunhas, quase que diariamente deixava de lado seu jeito de ser calmo, educado e alegre, assumindo ares estranhos, ocasião em que cuspia nos parentes, xingava os familiares, atirava coisas contra as paredes para, depois de muita balburdia, se deixar levar por um profundo sono que durava horas.
Ainda segundo os depoimentos de seus parentes, durante as crises de M.M passou a se identificar com personagens estranhos. Entre os mais constantes, “Carrasco” e “Aleijadinho”, o primeiro, violento e agressivo, e o outro, calmo e triste.
Ao atingir esta fase, a jovem passou a preocupar intensamente a família católica praticante de R.M, Mas a coisa não ficou aí. Não demorou muito tempo e M.M. também passou a ser atacada por estranhas manifestações, semelhantes às de sua amiga, e com a mesma assiduidade.
Os parentes, então, procuraram a ajuda do padre Trombert, do Colégio do Caraça, que passou a cuidar das duas jovens, sempre afirmando que nada de anormal existia, a não ser as consequências de um grande abalo que colocou em frangalhos o seu sistema nervoso.
Os conhecimentos de parapsicologia do sacerdote produziram os efeitos desejados, pois as manifestações diminuíram de intensidade e, hoje, estão praticamente terminadas.
Mas, até chegar a este ponto, a cidade de Itabira e a opinião pública do país foram mobilizadas e acompanharam, com ceticismo ou com crença os boatos da aparição do Capeta.
Entretanto, o pior estaria por vir. Primeiro foi um comentário na vizinhança. Depois, o boato já na cidade. Quando a notícia chegou às redações dos jornais e revistas, a figura do Capeta já estava completa, terrível, assustando as ruas de Itabira e forçando a cidade a se recolher mais cedo.
A afluência diária e constante de repórteres à casa das duas jovens levou sua família a enviá-las para um lugar retirado, com o intuito de evitar novo choque nervoso, em consequência das perguntas que lhe eram formuladas sobre as crises, das quais nenhuma se lembrava.
A romaria somente veio a cessar com o esclarecimento dado pelo prefeito, através de nota oficial, quando o sr. Daniel de Grisolia afirmou que “as notícias sobre o aparecimento do Capeta eram tendenciosas e que tudo não passava de um boato infame, tentando envolver personagens de uma família humilde e honesta da cidade”.
Mas algo ficou no ar apesar de todos os esclarecimentos e desmentidos. O que se passou com asa duas jovens de Itabira?
O professor Raul Marinuzzi, parapsicólogo mineiro, explica que o caso de M.M e M.G apresenta todas as características de um fenômeno paranormal extraordinário, em virtude de possuírem facetas psikapa e psigama.
Por outro lado, o professor não se atreve a negar o fato de que as moças “recebem” o Capeta, afirmando que, se o fenômeno for uma farsa, decorrente de uma histeria qualquer, a hipótese da presença do Diabo está excluída, mas se o fenômeno for de fato verdadeiro, então ele constitui um dos vários mistérios que a parapsicologia não explica.
Felizmente, tudo passou e Itabira voltou a calma. E também os jornais abandonaram o assunto, terminado com as explicações do prefeito e dos entendidos.
A família, entretanto, se precavém, rezando todas as noites para que “nada daquilo volte a acontecer novamente e atormentar nossas vidas”.
Os repórteres foram embora, levando na bagagem a verdadeira história dos fatos que culminaram com a propalada aparição do Capeta na pacata Itabira.
Caro Carlos, quero te dizer que só há muito pouco tempo posso dizer com autoridade, que sou uma Mulher. E não é fácil ser mulher em um país em que a misoginia não é só estrutural há também um outro componente: brasileiro é cruel, marvado. Veja só, sou uma velha senhora com cara de maracujá de gaveta e mesmo assim ouço barbaridades nas ruas. Mas me defendo com vigor de quando eu não era mulher. Hoje, quando voltava pra casa, saindo da “pista” (morou sacou pescou) um imbecil ofendeu uma mulher, chamou ela de horrorosa, do nada, sem que houvesse uma única razão. Então eu cerquei ele e mandei na lata: tu é baixinho, perna curta bunda bamba, barrigudo, careca e velho, aí vai encarar, seu babaca? o cara tentou vazar, mas nisso mais duas mulheres se juntaram ao cerco e intimidamos o macho que tremia. E é assim que se faz ou eles nos matam. Sou uma mulher, sou filha de cumã, sou filha de Nanã, sou filha de D. Maria, a rainha louca, precisa de mais? pra ser uma guerreira contra os machinhos covardes? E amanhã tem RUA.
Era fake News Rrss
fake news, que certamente causou traumas a família. Mas o avô foi uma pessoa de lucidez e protegeu as meninas.
Interessante!!!! O jornal sempre trazendo histórias de Itabira. Parabéns!!!
Interessante reportagem e o fato de as mulheres serem sempre mal vistas primeiramente em alguns casos antes de qualquer averiguação mais bem feita.
Mauro, sempre as mulheres no foco da difamação! Na Idade Média as feiticeiras foram queimadas vivas porque médicos árabes e judeus tinham um programa pra profissionalizar a medicina, e venceram. Os homens não toleram o fato de que a nossa primeira morada é na barriga de uma mulher.