Deu xabu na ferrovia: impasse trava repactuação de acordo entre governo e Vale sobre concessão antecipada
Fotos: Carlos Cruz
Concessões da EFVM e EFC seguem válidas até 2057, mas renegociação de valores e contrapartidas sociais continua sem consenso
O que parecia resolvido entre o governo federal e a Vale virou impasse. A tentativa de repactuar os contratos de concessão antecipada das ferrovias Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e Estrada de Ferro Carajás (EFC), ambas operadas pela mineradora, fracassou no prazo final de negociação, encerrado nessa quinta-feira (28), estabelecido para que a empresa e o governo chegassem a um consenso sobre os ajustes nos termos financeiros e sociais dos contratos já vigentes.
Segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), “houve subavaliação dos ativos e prejuízo ao erário público, o que inviabilizou a repactuação nos termos propostos pela empresa”.
A Vale, por sua vez, declarou que “permanece comprometida com as bases gerais do acordo firmado em 30 de dezembro de 2024” e que “adotará as medidas necessárias para assegurar seus direitos e responsabilidades”.
Apesar do impasse, os contratos seguem válidos até 2057, pois foram formalmente renovados em 2020, durante o governo Bolsonaro, por meio de termos aditivos assinados com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O que estava em discussão era uma revisão dos valores e cláusulas sociais desses contratos já vigentes, o que não prosperou.
Embora o processo de repactuação tenha sido encerrado oficialmente, não se trata de um rompimento definitivo. A Vale indicou que continua aberta a discutir ajustes futuros, e o governo ainda avalia medidas administrativas e jurídicas para revisar os termos considerados lesivos. Ou seja, o impasse é real, mas ainda há margem para retomada das negociações.
Concessão antecipada: o que estava em jogo
A renovação antecipada estendeu a concessão por mais 30 anos. À época, a Vale se comprometeu com cerca de R$ 17 bilhões em outorga e investimentos. O governo atual, no entanto, passou a exigir R$ 25,7 bilhões, alegando que a empresa descontou indevidamente ativos não amortizados, o que teria gerado perdas à União.
O fracasso na repactuação não interrompe as operações das ferrovias, mas compromete novos investimentos e amplia a insegurança jurídica no setor. A Vale segue operando os trechos concedidos, porém sem os ajustes financeiros e sociais que o governo pretendia implementar.
Isso pode também acarretar perdas, ou não, para os municípios e comunidades ao longo das malhas da EFVM e da EFC, que podem deixar receber mais obras de mitigação, compensações urbanas e melhorias ambientais previstas nas cláusulas da pactuação.
Audiências restritas e críticas à falta de participação popular
Durante o processo de renovação antecipada das concessões ferroviárias, ainda sob o governo Bolsonaro, as audiências públicas foram realizadas de forma limitada, concentradas em cidades como Ipatinga e Governador Valadares.
A ausência de escuta direta aos municípios minerados, com Itabira, e às comunidades indígenas e quilombolas impactadas pelas ferrovias gerou críticas de lideranças locais e movimentos sociais.
Na ocasião, o presidente do sindicato Metabase e então vereador de Itabira, André Viana Madeira, foi um dos que se manifestaram publicamente. “Nos indignamos por entender que essas audiências deveriam ter sido realizadas também nos municípios mineradores”, declarou em entrevista a este site Vila de Utopia.
Além de Itabira, dezenas de cidades em Minas Gerais e no Pará são diretamente afetadas pelas operações da EFVM e da EFC, incluindo territórios indígenas. A falta de consulta prévia e ampla é apontada como um dos fatores que comprometem a legitimidade do processo de antecipação. E que, segundo o governo federal e o Tribunal de Contas da União (TCU), reforçam a necessidade de revisão dos termos acordados.

Itabira: entre trilhos, parques e conflitos
Em Itabira, onde há um ramal da EFVM, o impacto é direto. O trecho entre a curva da estrada 105 e o ramal da Mina Conceição será desativado, eliminando três passagens de nível. A proposta inicial da Prefeitura, liderada pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB), é transformar o espaço em parques lineares com ciclovias, quadras esportivas e áreas verdes.
“Assim que eu assumi, a Vale me procurou para tratar dessas mudanças. Estava tudo certo com o governo passado, mas não concordamos com a proposta de abrir uma grande avenida. Itabira já tem muitas avenidas, precisamos valorizar o pedestre, os moradores e aumentar as áreas verdes”, afirmou o prefeito em entrevista a este site e que pode ser lida aqui.
Moradores dos bairros afetados (Vila Paciência, Vila Amélia e Areão) têm manifestado resistência à proposta. Reuniões comunitárias indicam que uma solução híbrida está sendo considerada: uma rua com áreas de lazer, em vez de uma avenida ampla.
Impactos ambientais e obrigações pendentes
Além dos conflitos territoriais, a ferrovia contribui para impactos ambientais persistentes, como a poluição sonora e a emissão de partículas de minério em áreas urbanas. Em Itabira, esses efeitos são sentidos diariamente por moradores que vivem às margens da linha férrea.
Nesse contexto, a Vale é cobrada por não ter cumprido a condicionante ambiental da LOC 2000, que previa a implantação de corredores verdes entre a ferrovia e a cidade, como forma de mitigar os efeitos da operação sobre a vizinhança. Passados 25 anos, essa obrigação permanece pendente, sem execução efetiva.
Independentemente da repactuação dos contratos com o governo federal, a mineradora – uma multinacional que nasceu em Itabira há mais de 80 anos, a partir de concessão minerária outorgada, tem um papel social que vai além das cláusulas contratuais.
É assim que a retirada das passagens de nível, com a desativação dos trechos ferroviários por onde elas existem, assim como a mitigação dos impactos urbanos são compromissos que dizem respeito à responsabilidade corporativa e à reparação histórica.
Por isso, as mudanças e implementações necessárias, incluindo o corredor verde ao longo da ferrovia que continuará cortando a cidade, bem como no trecho que será desativado, não podem mais ser adiadas.
A expectativa da população é que essas medidas sejam tratadas como prioridade, tanto pela Vale como também pelo governo municipal, com transparência e participação popular.
A corrupção é dirigida por arrogantes.