Curtas, por Carlos Drummond de Andrade

Ora viva, sem comandante/com cara de barbante/e seu nariz de pedante

 Voto

(……) Votaremos no partido errado do candidato certo, ou no partido certo do candidato errado? A escolha será livre, mas o erro obrigatório.

Ditaduras

“A ditadura de 37 a 45 foi uma ditadura individualista: os poderes estavam concentrados na mão do ditador Vargas. De qualquer modo, as forças militares, as forças políticas obedeciam ao comando dele. Então, a gente sabia que o responsável por tudo era ele. Ele ditava o seu estilo, a sua maneira, o seu modo de se comunicar com as massas.

A segunda ditadura, essa de 64 para cá, é completamente diferente. Em primeiro lugar, o ditador não manda, é mandado por forças que o cercam, que escolheram esse ditador e que escolhem os seus substitutos…”

Pena de Morte

Que céu é este, tinto de sangue ao meio-dia

“Sinto arrepios ao ouvir ou ler essas coisas. Parece que não aprendemos nada com o mundo nem queremos aprender. Para certas pessoas, a liquidação a tiros de todos os marginais existentes no país tornaria nossa vida um céu na terra. Mas seria preciso continuar liquidando gerações de marginais que vem surgindo, inesgotavelmente, dos bolsões de miséria. Que céu é este, tinto de sangue ao meio-dia.”

Capitalismo e Tecnologia

“Ficou chato ser moderno, agora serei eterno”.

“As contradições do capitalismo são de tal natureza que, cada vez mais se acentua isso: um grupo muito pequeno de privilegiados e uma massa enorme de desgraçados e abandonados que não têm condições de viver. Então, a tecnologia não serviu ao país, ou não serviu ao mundo, para melhorar a sorte do homem. Pelo contrário, a tecnologia separou mais, porque há pessoas que dispõem de recursos para gozar de todos os benefícios da tecnologia e há aquelas que estão cada estão cada vez mais desamparadas.”

Cultura
CDA por CDA

“O governo de Getúlio permitiu uma criação, uma floração cultural, através de Capanema, que você não encontra mais. Não me consta que tenha havido depois.

Há Conselho Federal de Cultura, conselhos estaduais e conselhos municipais – seguindo a orientação federal – mas a todo momento, eu vejo monumentos históricos abandonados, sujos, caindo aos pedaços; vejo instituições que merecem amparo serem desamparadas e mais uma porção de coisas.

Não me parece que a cultura seja uma preocupação fundamental deste governo que está aí. A preocupação número um, até agora, a meu ver, tem sido a segurança, o que eles chamam de segurança nacional, mas é segurança de um grupo que domina o país, isso sim…”

Cinema

Carlos Drummond de Andrade é contra o projeto do Instituto Nacional de Cinema

Num artigo sarcástico, Carlos Drummond de Andrade, o conhecido poeta de “havia uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho havia uma pedra”, lança os projéteis de sua sátira mineira contra o projeto do Instituto Nacional do Cinema que na sua opinião “disporia de uma chave mágica: financiamento”. Argumenta deste modo o vate itabirano:

Cobrando a peso de ouro o certificado de censura do filme estrangeiro, esse órgão abriria no Banco do Brasil uma conta gorda para alimentar a seu bel prazer a picaretagem cinematográfica nacional. Este seria o resultado prático da lei. Vale a pena criar um órgão assim, para tirar de todo o povo o prazer de ir ao cinema, ou para incutir-lhe o gosto do mau cinema, subvencionado oficialmente?” Enfim, há no caminho do Instituto Nacional de Cinema mais uma pedra: o artigo de Carlos Drummond de Andrade. (Cine Repórter, 22/6/1957)

Companhia Cinematográfica

“A Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi fundada em novembro de 1949 e tem seu diretor geral e único o cineasta brasileiro Alberto Cavalcanti (1897-1982). A companhia contratou na Europa os seguintes técnicos, todos já há vários meses no Brasil. Além da equipe de estrangeiros, conta a Vera Cruz também com colaboração de muitos brasileiros, tais como o cameraman Lima Barreto, o cenógrafo Martin Gonçalves, os escritores Guilherme de Almeida, Aníbal Machado, Carlos Drummond de Andrade, Rodrigo Mello Franco, Afonso Schmidt, Abílio Pereira de Almeida, José Mauro de Vasconcelos e Gustavo Nonnenberg. [Cine Repórter, 28/8/1950]

Guerra dos sexos

“A guerra é sempre feita entre um que quer e outro que não quer briga. Quando os dois querem, verificam que estão de acordo, e, detestam-se em paz”.

Decálogo da tolice

Citando Rui Barbosa, o prefeito do Rio, Negrão de Lima, falou 9 horas do – “decálogo da tolice” no Salão do Orçamento, da Câmara dos Deputados, a sua defesa perante a Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Corrupção e os Fundos Eleitorais, das acusações que lhe foram feitas e dirigidas por vereadores do Rio.

Além de Shakespeare Negrão de Lima citou Drummond: Quando afirmava nada ter a ver com a distribuição das cotas dos vereadores na Verba 100 – Subvenções e Auxílios, o prefeito Negrão de Lima citou o poeta Carlos Drummond de Andrade, a quem considerou de “príncipe da poesia moderna brasileira”.

Leu o poema: Quadrilha, no qual o poeta, após citar o destino de várias pessoas, diz que a heroína casa com “Jota Pinto Fernandes, que não havia entrado na história”. E concluiu: “Sou eu o Jota Pinto Fernandes”.

O riso explodiu na sala, tendo-se notado o sofrimento dos deputados Leite Neto e Adauto Cardoso, que, não desejando, perder a linha, respectivamente, presidente da Comissão e de principal acusador do prefeito, conseguiram, a custo, manter-se sérios… [Revista da Semana, 1958. Hemeroteca da BN-Rio]

Ataque ao poeta Drummond

Causou espécie, nos círculos literários, a maneira como certa revista de novos, ao recomendar O Túnel, livro de estreia do poeta Afonso Félix de Souza, atacou desabridamente o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Ainda não se vira praticar, entre nós, semelhante forma de publicidade comercial, pois o texto era um anúncio, estampado em página de anúncios.

E o mais curioso é que o livro recomendado refletia, precisamente, a influência de Carlos Drummond, que o reclame combate, como combate, aliás, a das “gerações anêmicas de 22 e 30”.

Numa roda na José Olympio, em que se comentava o fato, Drummond sorriu e disse:

Achei no anúncio uma certa falta de gramática. Evidentemente não foi redigido por um escritor, pois este teria evitado um trecho como “realiza algo mais perdurável do que fizeram”, onde falta um termo essencial à oração. No mais, dou razão aos rapazes, por não quererem a minha influencia. Sempre padeci muito com imitadores. [Letras e Artes, 10/10/1948. Hemeroteca BN-Rio]

Drummond, reprovado

Ao ver arder as barbas do vizinho. Atletas do pensamento e campões de luta livre formarão a equipe da nossa redação

Drummond é reprovado em teste de robustez pelo Instituto Biométrico

“Depois daquilo que aconteceu ao nosso valoroso confrade sr. J.E. de Macedo Soares, rigorosas medidas foram tomadas para garantia não só do nosso corpo de redatores em geral, como também do corpo de cada um em particular.

Não resta dúvida que estamos atravessando uma época que poderia ser chamada de “Regência Feijó” da imprensa.

Assim como medida de precaução, ao ver as barbas do vizinho a arder, resolvemos fundar imediatamente um Instituto de Biometria Médica, inteiramente fora dos moldes do Desp e, portanto, eficiente como nenhum outro, com o fim de selecionar uma poderosa equipe de colaboradores.

Nesse sentido, os candidatos deverão se submeter a uma série de provas físicas, tais como golpes de jiu-jitsu, rabos de arraias, catch-as-catch-can, sendo, afinal, admitidos depois de provarem que são mesmo duros na queda.

Esse regime pode dar como resultado a formação de um corpo de redação mentalmente fraco, mas em compensação ninguém se atreverá a investir contra ele.

Dos 3.527 candidatos que se apresentaram, apenas 7 foram considerados aptos pelos nossos especialistas, contando-se entre eles os srs. Artur de Souza Costa, Augusto Frederico Schmitd e mais cinco pugilistas do antigo Estado Brasil, com pouco valor literário, mas dispondo de grande cartaz.

O sr. Souza Costa pesa atualmente 120 quilos e está em plena forma. Foi admitido entre os nossos auxiliares para elaborar pequenos tópicos, desde que não sejam sobre assuntos de finanças e para efetuar pequenas cobranças.

O sr. Schmidt (135 quilos) vai encarregar-se da seção de previsão do tempo e da limpeza dos barômetros, do nosso Observatório Astronômico, por se tratar de um técnico na matéria, autor de um tratado sobre a “Estrela Solitária”.

Entre os candidatos reprovados encontram-se homens de certo valor intelectual como: Aníbal Machado, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, que não resistiram à violência dos nossos testes eliminatórios, o que lamentamos profundamente, por nos ver privados de tão valiosos elementos.

[A Manha – Órgão de Ataque… de riso (RJ), [direção do Barão de Itararé] 1945]

Carlos Drummond de Andrade (Itabira do Mato Dentro, 31 de outubro de 1902 – Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987)

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