Crime em Copacabana é praticado por lutador de MMA e estudante de Medicina
Marineth Moura*
Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro. Noite do dia 18 de outubro. Movimento por toda a extensão da Avenida Atlântica, do Leme ao Posto Seis. Mesas de bares com sues puxadinhos no calçadão ocupadas, num vai-e-vem de garçons. Prostitutas e travestis circulando nas calçadas na mesma frequência do território, sem atritos. Aliás, lá é um dos poucos pontos de pacífica convivência à cata de clientes para serviços de todos os tipos e preços, naturalmente.
Na avenida Nossa Senhora de Copacabana, não menos famosa que a via paralela, a rotina tradicional transcorria normalmente. E não foi abalada com o assassinato a tiro de uma morada de rua, praticado no escuro sob a marquise de um prédio.
O caso ganhou repercussão quase um mês depois que os criminosos – um lutador de MMA e um estudante de Medicina – foram presos. Aí, parte dos moradores se disse chocados com o crime.
Antes de irmos aos fatos se faz necessário descrever o bairro que se distingue na Cidade do Rio de Janeiro. Copacabana – os termos são “lugar luminoso”, “praia azul” ou “mirante do azul”, verdadeiros ou não – tem o apelido charmoso de Princesinha do Mar. É famoso e aonde se concentra boa parte da pequenina parcela da população rica. Os turistas adoram a praia, hotéis, restaurantes e boates.
A queima de fogos, na virada de Ano Novo, atrai mais de dois milhões de pessoas. No bairro nasceu a bossa-nova, saudado em músicas de Tom Jobim, Billy Blanco, Braguinha e Dick Farney, entre outros artistas. E lá também tem as favelas do Pavão-Pavãozinho, Cabritos e Ladeira dos Tabajaras.
Assassinada enquanto dormia
Atingida com tiro no peito, à queima-roupa, enquanto dormia sob a marquise de um prédio na Av. Nossa Senhora de Copacabana, próximo à esquina com a Rua Divivier, Fernanda Rodrigues dos Santos foi morta, aos 40 anos. Os assassinos já presos são Rodrigo Gomes Rodrigues, 24 anos, estudante de Medicina, e Cláudio José Silva, 37 anos, lutador de MMA – artes marciais mistas. Eles alegaram que ela tinha jogado uma latinha de cerveja neles. E se vingaram.
O lutador de MMA disse em depoimento que ele e Rodrigo estavam bêbados e, depois da agressão, que alegou, voltou em casa para pegar a arma. Ao voltar à rua encontrou Fernanda coberta com papelão e atirou. Imagens de câmeras que ajudaram a polícia a identificar os assassinos contraria a versão. O delegado Daniel Rosa, da Delegacia de Homicídios, revelou que “eles chegaram sorrindo e atiraram enquanto ela dormia, e continuaram sorrindo”.
Policiais encontraram no apartamento de Cláudio 142g de cocaína, 96g de crack e 10g de maconha. Morador da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde vive com a família em apartamento próprio, ele chegou a lutar profissionalmente. Tem seis passagens por delegacias, em que foi acusado de agressão à injúria. Os registros expõem uma personalidade violenta, com relatos de que Cláudio se envolveu em brigas de boates e bateu numa ex-namorada.
Natural da Cidade de Maringá, no Paraná, o estudante de Medicina Rodrigo, está no 10º período do curso em uma faculdade privada na Zona Sul. Ele reside num apartamento alugado pelos pais, perto do local do crime, na Rua Rodolfo Dantas. Um empregado do prédio disse que ele parecia ser um jovem tranquilo, “calmo e só saía de madrugada, e a gente dizia a ele para largar as más companhias.”
Moradora de rua
O que é, afinal, morar na rua? Por que tem gente morando nas ruas, por todas as partes do Brasil? Será que as pessoas que moram na rua são excluídas das condições essenciais de vida na sociedade? Será que é opção voluntária? Será que são trabalhadores que moram nas ruas para moderar despesas com transportes? Será que são crianças que escolhem morar nas ruas por que os pais as abandonaram?
Na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, perto da Rua Duvivier, há pelos menos quatro anos, tinha um pedaço de calçada ocupado à noite por Fernanda. Não importava as condições do tempo. Com turbante à cabeça, sacolas com seus objetos inseparáveis e cobertores, dormia ao relento. Ela era dócil e chamava a atenção pela maneira como se vestia e da excessiva maquiagem no rosto. Durante o dia, na Praça do Lido, areava panelas de moradores, com maestria. O desempenho, o jeito e maneira de Fernanda eram peculiares. Não pediu esmola e não aceitava quentinha.
“Sempre oferecia comida para ela, mas nunca aceitou. Ela própria comprava no supermercado”, revelou a diarista Fátima Cristina Justo, que trabalha nas proximidades e a cumprimentava todas as manhãs. Ela pouco falava, criando um grande mistério em torno de si. Moradores diziam que Fernanda teria decidido morar na rua depois de sofrer grande decepção, ao ser abandonada pelo marido, francês, que fugira com seus filhos.
“Existem muitas histórias sobre ela. Todas dão conta de uma pessoa muito tranquila, pacífica, que sequer pedia esmolas. Era uma moradora de rua diferente, não fumava, não bebia e tinha seu próprio dinheiro”, contou a psiquiatra Maria Teodoro, que participa da comissão especial da população de rua, da Câmara dos Vereadores do Rio e coordena um grupo de trabalho estadual, pela Secretaria de Saúde, que atua no atendimento médico à população de rua.
Foi o fotógrafo William Rodrigues dos Santos quem esclareceu toda situação. Ele é irmão de Fernanda, mora em Goiânia, e soube do crime através da imprensa, semana passada, quase um mês depois, quando os criminosos foram presos. Disse desconhecer as condições em que a irmã vivia nas ruas. Contou que teve quatro irmãs de pais diferentes e a mãe, Maria Rodrigues dos Santos, que morreu em 2016, perdera a guarda das filhas devido a maus tratos e o vício do alcoolismo. E, há cerca de 10 anos, Fernanda saiu de Goiânia, sem dar notícias. Prometeu ir ao Rio para saber aonde o corpo da irmã foi enterrado e acompanhar o inquérito policial.
*Marineth Moura é jornalista e colaboradora do Vila de Utopia.