Cresce a ideia no Brasil e nos Estados Unidos de que a ciência é um ‘lobby da esquerda’ e que universidades seriam redutos do pensamento progressista

Imagem: Reprodução

Pesquisa internacional mostra que a desconfiança conservadora na ciência vai além das pautas ambientais e de costumes — no Brasil, o padrão se repetiu na pandemia

EcoDebate – Um estudo conduzido por psicólogos sociais da Universidade de Amsterdã, publicado na revista Nature Human Behaviour, revela que pessoas de perfil conservador nos Estados Unidos desconfiam da ciência de forma ampla — e não apenas em temas que confrontam suas visões políticas.

A pesquisa mostrou que, em comparação com americanos liberais, conservadores demonstram menos confiança mesmo em áreas científicas que contribuem diretamente para o crescimento econômico e a produtividade.

O trabalho também testou cinco intervenções destinadas a aumentar a confiança dos conservadores em cientistas, com resultados frustrantes: nenhuma delas foi eficaz.

O estudo aponta que essa desconfiança não é superficial, mas profundamente enraizada.

“A ciência é essencial para enfrentar desafios como pandemias e mudanças climáticas, mas quando as pessoas não querem confiar, tendem a rejeitar as soluções propostas”, explica o pesquisador Bastiaan Rutjens, um dos autores do estudo. Segundo ele, desde a década de 1980, a confiança dos conservadores americanos na ciência vem despencando.

Parte desse ceticismo, de acordo com Rutjens, se deve ao desalinhamento entre as descobertas científicas e as crenças políticas ou econômicas desse grupo. “Além disso, cresce a ideia de que a ciência é um ‘lobby da esquerda’ e que universidades seriam redutos do pensamento progressista”, afirma.

Efeito semelhante no Brasil 

Embora o estudo tenha analisado dados exclusivamente dos Estados Unidos, o fenômeno também se manifesta no Brasil. Durante a pandemia de Covid-19, o país presenciou episódios marcantes de desconfiança em relação à ciência, especialmente entre grupos conservadores.

A rejeição às vacinas, a disseminação de teorias conspiratórias sobre a eficácia de medicamentos e a ideia de que a ciência teria se tornado um braço ideológico da esquerda foram amplamente difundidas em redes sociais e discursos políticos.

O padrão de desconfiança que se observou no Brasil segue a mesma lógica apontada pelo estudo: a filtragem ideológica das informações científicas se intensifica quando as evidências entram em conflito com crenças políticas consolidadas.

Entrevistados

O estudo ouviu 7.800 americanos sobre sua confiança em 35 profissões científicas, de antropólogos a biólogos e físicos nucleares. Em todos os campos analisados, os liberais demonstraram mais confiança do que os conservadores — incluindo áreas voltadas para o setor produtivo e tecnológico.

As maiores diferenças surgiram nas respostas sobre cientistas do clima, pesquisadores médicos e cientistas sociais, áreas cujas descobertas frequentemente entram em choque com crenças conservadoras sobre livre mercado ou políticas públicas.

Mesmo em disciplinas aplicadas, como a química industrial, o estudo identificou que os conservadores tendem a confiar menos do que os liberais. “Isso é surpreendente, pois essas áreas estão diretamente ligadas ao crescimento econômico, o que, em tese, deveria atrair a simpatia dos conservadores. Ainda assim, o ceticismo se mantém”, diz Rutjens.

Argumentos não mudam percepção

Os pesquisadores também testaram diferentes abordagens para tentar recuperar a confiança dos conservadores, apresentando conteúdos que destacavam, por exemplo, cientistas com valores conservadores ou pesquisas alinhadas a esse perfil. Nenhuma das tentativas surtiu efeito.

“Mesmo quando os argumentos respeitavam as crenças e valores desse grupo, a postura de desconfiança quase não mudou. Isso sugere que se trata de uma visão profundamente enraizada e difícil de reverter”, explica Rutjens.

Desafio global

O pesquisador acredita que o fenômeno não se limita aos Estados Unidos. “Mesmo aqui na Holanda, temos visto debates cada vez mais tensos e desconfiados em torno da ciência”, afirma.

Para ele, o desafio exige mais do que ações pontuais. “Precisamos de estratégias que tornem a ciência mais pessoal e próxima do cotidiano das pessoas. A grande pergunta é: de que maneira a ciência pode melhorar sua vida, aqui e agora?”

Fonte: Universiteit van Amsterdam

Referência:

Gligorić, V., van Kleef, G.A. & Rutjens, B.T. Political ideology and trust in scientists in the USA. Nat Hum Behav (2025). https://doi.org/10.1038/s41562-025-02147-z

 

 

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