CPI da Covid: a pizza entra no forno

Rafael Jasovich*

No relatório de Renan Calheiros (MDB-AL) para a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid, quatro nomes compartilham o papel de chefiar a prática de genocídio: o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o ministro do trabalho Onyx Lorenzoni, e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva.

O pedido de indiciamento de Bolsonaro por genocídio é um dos pontos de maior divergência dentro do grupo majoritário da CPI da Covid – e deve render discussões no jantar desta noite do qual participam o relator e outros senadores que fazem oposição ao governo.

Para tipificar o genocídio, é necessário identificar uma população alvo de tentativa de extermínio. No entendimento de Renan Calheiros, os quatro citados colaboraram em uma tática de extermínio dos povos indígenas, em especial os da Amazônia.

A gestão da pandemia não é vista pelo senador Calheiros como o único conjunto de práticas no massacre desses povos étnicos. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), resiste à ideia.

A pandemia, de acordo com o senador, chegou quando os povos originários já se encontravam em um momento de fragilidade diante das políticas promovidas por Bolsonaro.

“Esse processo já estava em curso antes de a pandemia chegar ao Brasil, com o aumento das invasões e dos ataques, estimulados pela diminuição da fiscalização e pela expectativa de revogação das normas que protegem os indígenas e suas terras”, escreve o senador em seu relatório.

A situação se agravou durante a gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde “por omissões deliberadas na adoção de campanhas claras de comunicação preventiva lastreadas no vasto consenso técnico-científico já disponível durante sua gestão, além de recalcitrância na adoção de medidas de contingência para salvaguardar a saúde dos indígenas”.

A exclusividade na primeira leva de vacinas para indígenas em aldeias também foi atribuída a uma estratégia de extermínio.

Onyx Lorenzoni era então ministro da Cidadania. Renan afirma que o gaúcho, deliberadamente, negligenciou o fornecimento de água às aldeias, submetendo-os a “condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial, além de produzir graves lesões à integridade física e mental desse grupo, inclusive mortes evitáveis”.

Segundo o relator, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, foi cúmplice por descumprir seu dever legal de proteger as populações indígenas.

Em conversa com colegas, Omar Aziz tem dito que a CPI não pode criar falsas expectativas e que não há como imputar esse tipo de crime ao presidente por não ser possível comprovar que ele tenha agido de maneira deliberada para matar a população indígena.

Para Aziz, Bolsonaro pode e deve, sim, responder por crime contra a humanidade. No entendimento do senador, segundo interlocutores, o relatório não pode politizar suas conclusões sob pena de frustrar as expectativas criadas em torno das investigações.

Aziz ganha a parada e CPI troca genocídio de Bolsonaro por crime contra humanidade

Ao deixar a reunião de integrantes do chamado G7, grupo majoritário da CPI da Covid que reúne opositores e os considerados independentes, o presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que os senadores decidiram trocar o termo “genocídio” por “crime contra a humanidade” do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL).

“A questão do genocídio está pacificada e deverá ser retirada do relatório. Estamos discutindo agora as tipificações em relação ao presidente Bolsonaro”, declarou.

A mudança do termo ocorre por uma divergência entre os senadores com relação à tipificação dos crimes atribuídos ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ao governo federal.

Aziz também disse que o crime de “homicídio” também poderá ser retirado do rol de indiciamentos do mandatário. No lugar, os senadores podem classificar os atos negacionistas como sendo de “epidemia com resultado de morte”.

Também estaria pacificada, informou o senador amazonense, a retirada do crime de advocacia administrativa do filho “01” do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). Os senadores ainda discutem os crimes atribuídos ao parlamentar pela divulgação de fake news.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) classificou as mudanças no relatório como sendo apenas de “ajustes” na escrita e “nos tipos penais”.

O encontro ocorreu na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), após ser cancelada a reunião que ocorreria ontem na casa do presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

O parlamentar amazonense, junto com alguns outros colegas do chamado G7, se irritou com o vazamento de parte do relatório final da CPI no último fim de semana.

A divulgação de vários nomes que seriam indicados no documento final ocorreu antes mesmo que os demais senadores tivessem acesso ao conteúdo do relatório.

Segundo Omar Aziz, que falou com a imprensa ao sair do encontro, os senadores do grupo majoritário irão “unidos” votar o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL). A votação está prevista para ocorrer na próxima terça-feira (26).

Na tarde dessa terça-feira (19), o relatório parcial da CPI foi divulgado pela imprensa e acusa o presidente Jair Bolsonaro e os filhos – o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) — de comandar uma rede de fake news, que teria atuado durante a pandemia do novo coronavírus.

O documento também pede o indiciamento de mais de 70 pessoas e atribuiu a elas mais de 28 tipos penais.

O documento final também confirma a informação antecipada pelo UOL de que quem se opôs ao chamado “gabinete paralelo da Saúde” teve de deixar o Ministério da Saúde. O texto usa como exemplo os ex-ministros da pasta Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

A reunião de hoje também contou com a participação dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Rogério Carvalho e Eliziani Gama (Cidadania-MA), que chegaram a contribuir com o trabalho da comissão de inquérito.

*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional. 

 

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