Covid-19, educação e meio ambiente
Por Paulo J. P, Mancini
[EcoDebate] O qualificativo ‘ambiental’ ao substantivo ‘educação’ é um adendo, a rigor, como todo adjetivo, desnecessário.
Educação é suficiente para designar um processo de ensino-aprendizagem eficaz para promover consciência cognitiva e comportamento que expressem autocompreensão e inter-relacionamento com os meios biótico (entre ele o humano) e abiótico (meio físico-químico e energético) saudáveis a nossa vida pessoal, social e natural.
Somos pessoas que compõe uma sociedade de humanos, que, por sua vez, é parte de uma coletividade biológica ou biosfera, numa complexa trama de relações entre si e o dito meio físico, que sustenta a vida.
Contudo, uma vez que a educação – e aqui refiro-me à educação predominante no Ocidente, sobretudo nos últimos 250 anos – forma pessoas para a ilusão de serem ou estarem à parte ou apartadas da natureza, em vez de aprenderem que são parte intrínseca da natureza, agregar o qualificativo ambiental às práticas educativas é um dever de todo educador de qualquer matéria ou disciplina.
Por que?
Porque esta separatividade ilusória é violenta; contra a natureza enxergada apenas como recursos a serem explorados, e contra nossa própria natureza de humanos: aqueles que vieram do húmus, da terra fértil, da Terra.
Não são díspares a histórica violência e o domínio de um homem sobre o outro (sobretudo do homem sobre a mulher) e a violência contra o meio ambiente. A exploração da natureza e sua degradação é uma face da mesma moeda, cuja outra face é a exploração da mulher, do trabalhador, a dizimação dos povos originários junto com seus habitats: as florestas.
De uma mesma fonte perversa brotam a exploração da natureza, a exploração da mulher, a exploração do trabalhador. Ficam evidentes no sistema escravagista predominante por milênios e na atual dominação capital-monopolista (domínio pelo dinheiro), e imperialista que se impõe pelo terror das armas, agora atômicas, e pelo domínio dos meios de comunicação para manipular as consciências humanas.
O Planeta Terra é finito e nós humanos ou ‘terranos’, como querem alguns, estamos tomando consciência de nossos limites ou finitude. Ao nos alçarmos ao espaço e observarmos nosso planeta azul, de certa forma, é a própria Terra olhando pra si mesma.
Assim como cada um de nós tem o poder de atentar contra sua própria vida. Também como humanos ou terranos podemos atentar contra a própria vida do Planeta. Para isso, podemos utilizar apenas parte de todo arsenal atômico existente, ‘suicidar’ a vida de nossa espécie e milhões de outras no Planeta.
Mas, creio, não acabamos com a vida, pois acredito que é um fenômeno que existe em outras partes do universo, e nem mesmo na Terra, pois sempre haverão de sobreviver bactérias e outros microrganismos para darem sequência à vida.
A Pandemia da COVID-19 e a Educação Ambiental
Presunçosamente, ou não, consideramo-nos, enquanto espécie, os seres vivos que mais transformam a natureza, e muitos cientistas aceitam chamar nossa época de antropoceno, em razão do quanto transformamos a face da Terra.
Mas vejam o ‘estrago’ que um ser nanométrico como o SARS-COV-2 – nome do novo corona vírus causador da COVID-19 – está provocando em ‘nossas hostes’!
A integração de nossa vida com todas as outras espécies vivas do planeta é muito profunda e complexa. Um biólogo cujo nome infelizmente não me lembro, diz que é bobagem falar das diversas eras ´geológicas do Planeta cujas características normalmente estão ligadas a alguma espécie dominante à época. Para ele todas Eras são dos seres procariontes (seres unicelulares anucleados, como as bactérias), tal a relevância desses seres para a manutenção da vida em qualquer época.
Também a relação dos vírus – como as bactérias normal e erroneamente associados a tudo o que de ruim – com toda a evolução da vida no Planeta e com a vida humana é seminal e fundamental.
‘Naturalmente’, ao buscar reprodução em outras células vivas – os vírus não são considerados seres vivos, possuem apenas uma capa proteica revestindo um material genético, e só vivem e se reproduzem dentro de uma célula viva – os vírus promovem trocas e variação genética nas células com quem ‘transa’.
Com isso pode levar a célula à morte, mas também pode levar à transformações que podem ser muito úteis à evolução da espécie. Variações que o ambiente no tempo selecionarão ou rejeitarão Assim o material genético das células passam a incorporar sequências gênicas virais inteiras, muitas vezes fundamentais para a manutenção da vida daquela espécie.
Cerca de 8% da caga genética humana (os 46 cromossomos existentes em cada uma de bilhões de células de nosso corpo) é constituído por sequências virais que se incorporaram a elas durante nosso processo evolutivo!
São os ‘endovírus’. Descoberta relativamente recente, com o aprofundamento dos estudos sobre o HIV – Human Imunologic Vírus, causador da AIDS.
Segundo o neuro-virologista Dr. Augusto Cesar Penalva de Oliveira, uma destas sequências virais em nossas células foi a responsável por ativar o processo de formação do cordão umbilical que nos ligou ao útero de nossas mães! Precisa mais, para mostrar a importância dos vírus nas nossas vidas?
Esta revelação nos mostra que os vírus são parte da natureza com os quais convivemos e conviveremos sempre e, assim como com as bactérias, na maior parte das vezes para nosso bem, e em algumas poucas vezes – como agora com os SARS-COV-1 e 2 – para nosso prejuízo. Vivemos num ambiente em que, ‘graças à Deus’, proliferam bactérias e vírus, sem os quais também não existiríamos.
A Pandemia: a Ausência de Educação Ambiental
Ainda não descobrimos uma vacina ou um medicamento eficaz para os casos graves acometidos pelos sintomas da COVID-19. O SARS-COV-2 (corona vírus), ao contrário do HIV, tem um alto grau de transmissibilidade e facilidade de contágio, e até o momento a única forma de deter o avanço da doença e evitar os óbitos por ela causados nos pacientes mais afetados, é evitar o contágio. E a melhor forma de evitar o contágio, é uma medida de carácter ambiental: o isolamento social, para diminuir os riscos de contágio.
De forma geral, pode-se notar que os países que estão melhor pontuados nos ranking de educação, foram também mais eficientes nas providências para evitar ou diminuir as mortes pela doença.
Os últimos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA-2018), que avalia o aprendizado de estudantes de 15 anos de idade em três áreas ( Leitura, Matemática e Ciências), mostram que os países cujos estudantes atingiram maior pontuação, como a China, Coreia do Sul, Alemanha, Nova Zelândia, são os que também apresentam os menores números de mortes e infectados pela COVID-19.
O Brasil ocupa a 66ª posição no ranking do PISA -2018, mas, graças aos esforços de nosso feitor-presidente em, criminosamente, boicotar o isolamento social e as medidas profiláticas como o uso de máscara, lavar as mãos, etc; ocupamos a ‘gloriosa’ posição de 2º lugar – atrás apenas dos EUA – no número de mortos e infectados pela COVID-19: mais de 100 mil mortos até a presente data.
Diante desta tragédia sanitária genocida – pelo número de mortos e pela recusa em prestar socorro às populações indígenas –, com o Ministério da Saúde ocupado por militares cumprindo ordens de um inepto propagandista de drogas, como a cloroquina, comprovadamente ineficazes para tratamento da COVID-19. Tudo isso ainda com o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia.
E ainda diante da inoperância em liberar em tempo hábil e evitando aglomerações para liberar os parcos recursos financeiros (R$ 600,00) para os que não tem como sobreviver diante da crise. Ou diante da demora em liberar recursos para sobrevivência das micro, pequenas e médias empresas garantindo a manutenção dos empregos. Como também diante das investigações em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) do envolvimento do presidente e família com milícias criminosas e com a emissão em massa de mentiras (fake-news) via redes sociais.
Diante da completa e óbvia submissão, sujeição e sabujização do governo federal aos interesses estadunidenses. Diante de tudo isso e muito mais, constatar que esse governo de destruição ainda tem apoio em mais de 30% da população brasileira, é uma perfeita demonstração da insuficiência e ineficiência dos processos educativos no Brasil. Que dizer então da educação ambiental?
Só um pequeno exemplo: Há quase 40 anos os educadores ambientais insistem na implementação de programas de coleta seletiva de lixo no país. Contudo, ainda apenas cerca de 5% do lixo gerado é levado corretamente para reciclagem. Na maioria dos municípios os resíduos sólidos ainda são dispostos em lixão. Ainda que tenhamos, em 2010, aprovados uma boa lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Negação da Ciência: Desastre Certo!
A difusão da COVID-19 pelo Planeta e as formas como diferentes comunidades humanas enfrentaram o problema, traz lição importante à causa ambientalista.
Todos os países cujos governantes se recusaram a seguir as orientações de carácter científico – que em face ao desconhecimento do novo corona vírus, seu comportamento, sua agressividade aos seres humanos, só recomendaram medidas de precaução e prevenção enquanto correm na busca de vacina e medicação eficaz – tiveram péssimo desempenho sanitário e o número de infectados e de óbitos fora, avassaladores. Sejam países empobrecidos como Brasil, Equador, Chile; ou países ricos como EUA, Inglaterra, Suécia.
A boa ciência nos faz reconhecer os nossos limites. E, é só reconhecendo nossos limites que podemos, eventualmente, superá-los. A boa ciência não ignora a filosofia, a arte e a ética. Todos são fundamentais e dialogam entre si ao interrogar a realidade e seus mistérios sempre insurgentes como esse novo corona vírus.
Todos que trabalham com educação devem – pelo menos isso – extrair as lições dessa tragédia para o exercício de uma pedagogia que promova a vida.
Já nas décadas de 30, 40 e 50 do século passado, artistas profetizavam o desastre ecológico em função da exploração ímpia e devastadora da natureza. A partir das décadas de 60, 70 foram os ambientalistas que desfraldaram as bandeiras da proteção ambiental. A partir das décadas de 80, 90 e, sobretudo, no novo milênio são os cientistas que comprovam que nosso modelo civilizatório é ecologicamente inviável para nossa própria sobrevivência.
As educadoras e os educadores ambientais devem – pelo menos isso – dignificar todos os mártires da COVID-19 – todas e todos aquelas(es) que não morreriam se tivéssemos – e no Brasil tivemos tempo e informações suficientes para isso – seguido com rigor as orientações científicas emitidas por órgãos de reconhecida competência na área de saúde como a FIOCRUZ (Fundação Instituto Oswaldo Cruz) no Brasil e a OMS- Organização Mundial de Saúde, no mundo.
Como honrá-los e honrá-las? Demonstrando que como foi desastrosa a negação da ciência no enfrentamento da pandemia da COVID-19, ainda muito mais desastrosas e duradouras serão as consequências da negação das evidências científicas das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, provocadas pelo modelo predatório de produção e consumo de massa, que devasta e degrada a biodiversidade e recursos naturais, concentra riqueza e renda em pouquíssima mãos e produz miséria de bilhões de seres humanos.
Essa tarefa não admite desânimo, covardia, pusilanimidade! Em nome de George Floyd e todos jovens empobrecidos sufocados nas periferias do Brasil, respiremos fundo e vamos em frente!