Corrupção em Minas Gerais envolvendo mineradoras ameaça o meio ambiente e é investigada pela Operação Rejeito
Atividades minerárias nas próximidades da Serra do Curral, em Belo Horizonte, estão sendo investigadas
Foto: Bernardo Dias/ CMBH
Esquema bilionário envolvendo servidores da ANM, Feam, IEF e Copam facilita mineração predatória na Serra do Curral; investigação expõe negligência institucional e omissão do governo Zema
Minas Gerais foi sacudida nesta quarta-feira (17) pela deflagração da Operação Rejeito, conduzida pela Polícia Federal em parceria com a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal e a Receita Federal. A investigação mira uma organização criminosa responsável por crimes ambientais, corrupção e lavagem de dinheiro, com movimentações que ultrapassam R$ 1,5 bilhão.
O esquema envolve a concessão de licenças fraudulentas para mineração em áreas sensíveis, como a Serra do Curral, em Belo Horizonte, e operava com apoio direto de servidores públicos de alto escalão.
Entre as empresas investigadas estão a Mineração Gute Sicht Ltda, apontada como central na lavra irregular na Serra do Curral, além da Fleurs Global Mineração Ltda, principal beneficiária do minério extraído ilegalmente, da Irontech Mineral Ltda e Irontech Mineração S/A, envolvidas na triangulação de valores para lavagem de dinheiro, a Mineração Patrimônio Ltda, favorecida por licenças ambientais obtidas de forma fraudulenta.
Estão também envolvidas a Prisma Mineração Ltda, usada como conta de passagem para recursos ilícitos, a MMF (Minas Minério de Ferro), com atuação direta em áreas de interesse ambiental relevante. E, mais a ALCA Mais Mineração Ltda e a AIGA Mineração S/A, ambas investigadas por movimentações financeiras suspeitas e vínculos com o núcleo empresarial do esquema.
Essas mineradoras formavam uma rede articulada para explorar minério de ferro em larga escala, inclusive em áreas tombadas e de preservação ambiental, com graves consequências ecológicas e elevado risco social. A atuação do grupo revela como a legalidade foi instrumentalizada para encobrir práticas criminosas, com respaldo técnico e político de servidores públicos que deveriam zelar pela proteção ambiental.
Entre os presos está Caio Mário Trivellato Seabra Filho, diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), acusado de facilitar o acesso de mineradoras a autorizações irregulares. Também foi detido Leandro César Ferreira de Carvalho, ex-gerente regional da ANM, que mesmo afastado continuava fornecendo informações privilegiadas.
A operação ainda afastou nomes centrais da estrutura ambiental do estado: Rodrigo Gonçalves Franco, presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam); Breno Esteves Lasmar, diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF); e Fernando Benício de Oliveira Paula, integrante do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Serra do Curral sob ataque
A investigação revelou que o esquema operava inclusive na Serra do Curral, patrimônio paisagístico e ambiental da capital mineira, onde mineradoras como a Fleurs Global obtiveram licenças com base em pareceres manipulados e estudos técnicos ignorados.
A concessão dessas autorizações foi aprovada pelo Copam, sob forte influência política e institucional. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), comandada por Marília Carvalho de Melo, indicada pelo governador Romeu Zema (Novo), é acusada de ignorar alertas técnicos e favorecer interesses das mineradoras
Segundo a Polícia Federal, o governo Zema rebaixou critérios ambientais e acelerou processos de licenciamento em benefício direto de grandes empresas do setor mineral, contribuindo para a degradação sistemática de áreas protegidas. Essa flexibilização não foi fruto de desconhecimento técnico, mas sim de uma escolha política deliberada que favorece interesses privados em detrimento da preservação ambiental.
É essa mesma lógica de omissão e cumplicidade institucional que explica porque o licenciamento ambiental da mineradora Vale, para continuar explorando minério de ferro no Distrito Ferrífero de Itabira, permanece vencido há quase dez anos.
O processo está paralisado no órgão ammbiental licenciador estadual desde 2016, sem qualquer justificativa técnica plausível, enquanto a empresa segue operando normalmente, com todos os impactos ambientais decorrentes – e sem fiscalização.
Essa inércia do Estado diante da irregularidade não é apenas negligência. É conivência. E expõe, mais uma vez, como o aparato público mineiro tem sido instrumentalizado para blindar a mineração, mesmo quando ela viola regras básicas de controle ambiental.
Omissão e aparelhamento
É assim que a Operação Rejeito escancara o aparelhamento dos órgãos ambientais e a omissão deliberada do Estado, que tem permitido a exploração predatória de recursos minerais em áreas que deveriam ser de preservação.
De acordo com as investigações ainda em curso, a organização criminosa não apenas operava nos bastidores: ela monitorava autoridades, interferia em investigações e lavava dinheiro por meio de uma rede de empresas de fachada cuidadosamente estruturada.
Os projetos em andamento, que somam cerca de R$ 18 bilhões em potencial econômico, revelam a profundidade do conluio entre agentes públicos e os interesses privados das mineradoras.
O que se observa, e comprova, é um cenário em que o poder real sobre o território mineiro está nas mãos do capital mineral, enquanto Romeu Zema ocupa o cargo de governador apenas formalmente, figurando com um gestor de direito, mas não de fato.
*Com informações da Folha de S.Paulo, O Globo e O Tempo.