Contribuições de Itabira para a 16ª Conferência Nacional de Saúde

Nathália Gontijo*

Leonardo Reis**

Na quinta-feira (11), aconteceu a 3ª Plenária Municipal de Saúde em Itabira, com o tema Financiamento do SUS como garantia do Direito à Saúde, como parte da etapa municipal da 16ª Conferência Nacional de Saúde, que ocorrerá de 4 a 7 de agosto de 2019 em Brasília. Antes, haverá ainda a Conferência Estadual de Saúde em junho deste mesmo ano, em Belo Horizonte.

A plenária de Itabira foi no auditório da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi)  e contou com participação de usuários, trabalhadores da saúde, assim como da gestão da Secretaria Municipal de saúde, além de pessoas como convidadas inscritas, entre elas, alunos e alunas do curso de Engenharia de Saúde e Segurança da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), campus de Itabira.

Pela importância do evento, o processo de mobilização e conscientização da população de Itabira foi iniciado em março, por meio das pré-conferências de saúde, quando foram eleitos delegados e delegadas, representantes dos usuários das comunidades urbanas e rurais de todo município. Em consequência da ampla participação popular, as plenárias municipais de saúde são importantes espaços de controle social das políticas públicas de saúde e de fortalecimento do SUS.

A secretária de Saúde, Rosana Linhares, na abertura da conferência municipal (Fotos: Ascom PMI e Divulgação)

A abertura da plenária contou com a participação do prefeito Ronaldo Magalhães (PTB) e da a secretária municipal de saúde, Rosana Linhares Assis Figueiredo. Na sequência foram feitas apresentações dos temas de Financiamento em Saúde, pelo advogado Tadahiro Tsobouchi; Direito à Saúde, pelo desembargador do Tribunal de Contas Renato Luiz Dresh; e, Controle Social pela professora da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais.

Infelizmente, apesar das diversas provocações dos palestrantes e de dúvidas sobre o que foi apresentado pelo prefeito e pela secretária de saúde, a organização da plenária não abriu espaço para participação dos delegados e delegadas na parte da manhã. A alegação foi de que não haveria tempo, em decorrência do atraso ocorrido para o início da plenária.

Contudo, o momento mais importante de todo o evento ocorreu após o intervalo do almoço. Foi quando os delegados, suplentes e convidados se organizaram em grupos de trabalho (GTs) para debater sobre os três temas apresentados nas palestras da manhã.

Nesses GTs, os presentes tinham poder de voz e voto para encaminhar propostas de políticas públicas nos níveis municipal, estadual e nacional, como contribuição para aperfeiçoar os serviços de saúde.

Dentre as propostas apresentadas destaca-se a revogação da Emenda Constitucional 95/2016, no âmbito nacional, instituída pelo governo ilegítimo do ex-presidente Michel Temer (MDB), que congela por 20 anos o investimento público em saúde, educação, segurança, entre outros, retirando direitos conquistados pelo povo brasileiro.

Sem a revogação dessa emenda, qualquer possibilidade de melhoria na saúde pública é comprometida, sendo central para o país que esta lei deixe de existir o quanto antes, para que o atendimento da população não piore ainda mais.

Saúde no meio rural

No âmbito estadual foi aprovada uma importante proposta referente à saúde rural, baseada na Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e das Florestas. Essa política foi construída pelos movimentos sociais do campo tentando superar a negligência histórica do Estado, que tem negado esse direito à saúde às comunidades rurais.

A política, no entanto, não tem financiamento próprio, sendo preciso que os municípios, Estados e a União se engajem para efetivá-la com aporte de recursos, equipes, materiais e infraestrutura.

A presença das comunidades do campo na plenária teve importância fundamental para a aprovação dessa política como prioritária – e que será enviada para a conferência estadual. A proposta envolve o desenvolvimento de pontos de apoio nas comunidades com funcionamento cotidiano.

A proposta é para que se fortaleça a atenção básica em saúde, permitidnod dar uma primeira assistência às pessoas no território, de modo a facilitar o acesso à atenção em saúde no âmbito da atenção primária e encaminhamentos em caso de necessidade de outros níveis de cuidado.

Saúde do trabalhador

Outra proposta importante para Itabira e região, incluída pelos participantes dos GTs, trata da implantação de um Centro de Referência em Saúde da Trabalhadora e do Trabalhador (CEREST) no município. Infelizmente, e apesar da importância econômica que o Quadrilátero Ferrífero e Aquífero de Minas Gerais possui para o país, e mesmo após os trágicos desastres, acidentes de trabalho e adoecimentos que marcam a história dos trabalhadores, nenhuma das cidades dessa região possui um CEREST de referência na vigilância, prevenção e assistência às trabalhadoras e trabalhadores da mineração.

No máximo, essas cidades são abrangidas por centros situados em municípios próximos, que possuem outro perfil produtivo. Devida à importância dessa justificativa, a proposta foi aprovada com mais de 70% dos votos durante a discussão dos GTs – e foi incluída ao relatório municipal sobre políticas de saúde.

Mas infelizmente, na votação da plenária final para decidir quais propostas seriam enviadas à conferência estadual, a criação do CEREST não foi escolhida. A solicitação da retirada da lista foi feita pela secretária municipal de Saúde. Ela alegou que esse serviço não faz parte do SUS, tirando espaço de outras propostas, e que o procedimento para sua viabilização seria outras comissões e não a plenária municipal de saúde.

Leonardo Reis, conselheiro municipal de Saúde e professor da Unifei

Leonardo Reis, conselheiro de saúde, que também assina este texto, e integrante da recém-criada Comissão Intersetorial de Saúde da Trabalhadora e Trabalhador (CISTT) de Itabira, contrapôs o argumento. Segundo ele, o  CEREST faz parte das políticas públicas ligadas à RENAST (Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador). E que, portanto, cabe aos CERESTs promover a integração da rede de serviços de saúde do SUS, assim como suas vigilâncias e gestão, na incorporação da Saúde do Trabalhador em sua atuação rotineira.

Mesmo tendo apresentado argumento embasado na realidade das políticas de saúde pública, a força política da secretária conseguiu influenciar mais os delegados presentes, principalmente aqueles ligados à gestão e por trabalhadores da saúde. Com isso, a proposta foi retirada do documento base que Itabira irá encaminhar para discussão na conferência estadual de junho, em Belo Horizonte.

A plenária final também elegeu os delegados que representarão o município de Itabira na construção da Conferência Estadual de Saúde, sendo composta por seis usuários, três trabalhadores da saúde. A gestão também tem direito a três representantes – e são de indicação da Secretaria Municipal de Saúde.

Moções

No final da conferência foram apresentadas duas moções à plenária, ambas de repúdio. A primeira repudiava o fato de que os trabalhadores da saúde, contratados a partir do concurso de 2009, não estavam tendo seus direitos atendidos por uma jornada de 40 horas, apesar de trabalharem este tempo.

Em decorrência, não recebiam reajuste para reposição salarial há quatro anos. E, também, tinham uma carga horária acima da definida em contrato, o que precariza as suas condições de trabalho e, consequentemente, o serviço que prestam. Reforçando essa moção, muitas trabalhadoras e trabalhadores da saúde denunciaram o processo de adoecimento de servidores pelas condições de trabalho precarizadas.

A segunda moção repudiava os problemas de saúde gerados pela mineradora Vale, tanto pelas características do processo produtivo da mineração, como pela relação de dependência econômica e pelo risco crescente de rompimento das barragens existentes na cidade.

A condição de agravo à saúde tem sido intensificada pela falta de transparência de informações pela mineradora. As barragens de rejeitos estão localizadas próximas a áreas com grande contingente populacional. Segundo a empresa, são 5.200 estabelecimentos residenciais e comerciais nas áreas de risco.

A insegurança aumentou após os crimes da Samarco/Vale/BHP Billington em Mariana (2015) e, mais recentemente, pela Vale, em Brumadinho (2019), que matou centenas de trabalhadores e moradores da região. Mesmo com o modelo de dependência econômica, a população vem rompendo o silenciamento da empresa para lutar pelo direito à vida digna e à segurança nas suas casas e no trabalho.

As sirenes, no lugar de prevenir tragédias, estão aumentando a insegurança e têm afetado significativamente à saúde mental da população no município, como tem sido denunciado pelo Comitê Popular dos Atingidos ela Mineração em Itabira e Região.

Participação popular

A realização da plenária, e de todas as pré-conferências nos bairros de Itabira, reforça o princípio de controle social dos serviços públicos, instituído no ano de 1990, o que fortalece o Sistema Único de Saúde, um direito de todos brasileiros.

Entretanto, no mesmo dia em que ocorria a plenária de saúde no município, foi publicado um decreto pelo desgoverno federal de Bolsonaro que visa extinguir espaços democráticos de participação social, inclusive o conselho nacional de saúde.

A luta e conquista do direito a saúde pública e de qualidade está intimamente relacionada com a história brasileira de combate a repressão, sendo o SUS criado no processo de redemocratização do país no final da década de 80, com a derrota da ditadura militar. O contexto atual nos convoca como povo a resistir às perdas de direitos sociais e à urgência em avançar tendo em vista a garantia do direito à vida.

*Nathália Gontijo é terapeuta Ocupacional, especialista em saúde mental e saúde da família com ênfase na população do campo. É militante do Partido Comunista Brasileiro.

**Leonardo Reis é membro do Conselho Municipal de Saúde de Itabira, da Comissão Intersetorial de Saúde da Trabalhadora e Trabalhador de Itabira. É professor do curso de Engenharia de Saúde e Segurança na Unifei.

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