Contato com outros coronavírus prepara defesa contra Covid-19 e explica casos assintomáticos
As Células T são essenciais em nosso sistema imunológico, elas são capazes de identificar partes de vírus, bactérias e protozoários e combater as infecções, animação
Imagem: Reprodução/ Evilonan/Commons
Pesquisadores descobriram que variante genética que ajuda sistema imunológico a combater o Sars-Cov-2 antes que cause sintomas surgiu do contato com antigos coronavírus que já circulavam anteriormente e causam infecções sem gravidade
Por Rodrigo Choinski
A variante foi identificada em um conjunto de genes que regula nosso sistema de defesa, chamado HLA (do inglês, Human Leukocyte Antigen). Quando temos uma infecção, esses genes são capazes de guardar cópias de partes de vírus, bactérias ou protozoários, formando uma memória imunológica que permite que as células T, uma de nossas células de defesa, consigam identificar e eliminar esses microrganismos.
Como explica Danillo Augusto, pesquisador do Laboratório de Genética Molecular Humana (LGMH) e professor do Programa de Pós-graduação em Genética da UFPR e na Universidade da Carolina do Norte em Charlotte, nos Estados Unidos, que é o primeiro autor desse estudo:
“As células T reconhecem partículas virais apresentadas pelas moléculas HLA, e montam uma resposta imune contra essas partículas. Dessa forma, quando uma célula tiver infectada, as células T vão perceber a presença dessa partícula e matá-la. Uma vez que a célula T reconheceu uma partícula uma vez, elas criam um mecanismo de memória imunológica, de forma que na próxima vez que elas encontrarem essa partícula viral a resposta será mais rápida e eficaz”.
O estudo, que consolidou um entendimento já levantado em 2021, mostrou que a variante, chamada de HLA-B*15:01, é uma resposta imunológica surgida do contato com coronavírus sazonais que não têm a capacidade de causar doenças graves. Esses vírus circulam há muito tempo causando pequenos resfriados, sem grande importância médica.
“Os indivíduos portadores dessa variante genética, que foram expostos a outros coronavírus, conseguiam reconhecer e eliminar as células infectadas pelo vírus da Covid-19 por causa da memória imunológica causada pela infecção anterior”, conclui o pesquisador.
O estudo mostrou que a presença do HLA-B*15:01 diminui em cerca de 2,4 vezes as chances de desenvolver sintomas da Covid-19, e quando o indivíduo tem um par desse gene, as chances eram 8 vezes menores. Além disso, segundo os resultados, cerca de 20% dos casos assintomáticos estavam associados à presença da variante.
Estudo comprovou que a resposta imune surgiu de semelhanças de outros vírus com o Sars-Cov-2
No início da pandemia os casos assintomáticos chamaram atenção dos pesquisadores que pensaram que poderia haver algum fator genético envolvido. Contudo, pessoas sem sintomas normalmente não procuram atendimento médico e seria muito difícil coletar amostras biológicas desses casos para estudo.
Augusto explica que foi dessa dificuldade que surgiu a ideia de trabalhar com um registro de doadores de medula óssea existente nos Estados Unidos, que já contava com dados genéticos, já que o HLA também tem um papel importante nos casos de rejeição de transplantes. Essas pessoas foram convidadas a baixar um aplicativo pelo qual compartilhavam resultados de testes para Covid-19 e relatavam se haviam tido algum sintoma.
O estudo analisou quase 30 mil voluntários que baixaram o aplicativo, dentre os quais 1.428 reportaram testagem positiva para a infeção. Foi a análise dos dados genéticos desse grupo que permitiu identificar a correlação entre os casos assintomáticos e a presença do HLA-B*15:01.
A partir desses resultados foram feitas análises com outras duas amostras, que confirmaram os primeiros achados. Com a associação bem estabelecida a pesquisa se debruçou em saber como a variante atuava, por meio de estudos funcionais.
Augusto explica que a análise de amostras de células coletadas antes da pandemia, quando era impossível que alguém tivesse tido contato com o vírus causador da Covid-19, confirmou a existência de memória imunológica contra o vírus.
“Nós mostramos diretamente a existência de células de memória contra Sars-Cov-2 nesses indivíduos, apesar de ser amostras muito antes da pandemia. Fizemos todo o sequenciamento do repertório de células T desses indivíduos. Com isso, nós conseguimos mostrar resposta imunológica cruzada com outros tipos de coronavírus que já existiam antes da pandemia”, relata o pesquisador.
Isso significa que as células T utilizavam a informação da variante gerada pelos coronavírus sazonais para reconhecer o Sars-Cov-2 devido a semelhança de alguns peptídeos. Em outras palavras, antes mesmo do novo coronavírus surgir esses indivíduos estavam preparados para combatê-lo.
Jill Hollenbach, professora do Departamento de Epidemiologia e Bioestatística da Universidade da Califórnia – São Francisco (UCSF) nos Estados Unidos, que também participou do estudo, explica que é como se houvesse um exército que já sabia o que procurar e conseguia identificar os inimigos por meio das roupas que eles estavam usando.