Conselheiro do Codema põe em dúvida a eficácia do monitoramento realizado pela Vale da poluição do ar pelo pó preto de minério que encobre a cidade de Itabira
Fotos: Reprodução
No dia 16 de julho, sábado pela manhã, um fogo controlado pela mineradora Vale, em área de sua propriedade na região da Pedreira do Instituto, provocou uma densa fumaça, que rapidamente se espalhou pela cidade com o vento forte vindo do nordeste e depois soprando em várias direções.
Em outros pontos da cidade, vários focos de queimadas ocorreram em diferentes localidades, como tem ocorrido quase todos os dias com a estiagem, contribuindo ainda mais para tornar o ar pesado e carregado de partículas poluidoras, nocivas à saúde.
Simultaneamente, como numa tempestade imperfeita, uma densa poeira contendo pó preto de minério começou a se levantar, no mesmo sábado, nas minas da Vale. Ato contínuo a poeira encobriu toda a cidade com muitas partículas inaláveis em suspensão, invadindo casas e as vias respiratórias do itabirano.
O relato é do conselheiro Sydney Almeida Lage, que representa o Rotary Club no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), ao estranhar, na reunião do conselho na sexta-feira (12), o fato dessas ocorrências típicas nesse período de estiagem com baixa umidade e ventos fortes, não terem extrapolados os parâmetros máximos de partículas totais em suspensão (PTS).
Esse índice é de 240 microgramas (µg/m³) por metro cúbico de ar, estabelecido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) – e que não pode ser repetido uma única vez ao ano.
Mas não é o que se observa em Itabira, com essa superação ocorrendo recorrentemente e registrada desde que a mineradora começou a fazer o monitoramento da qualidade do ar na cidade, no início da década de 1980.
Nem mesmo o índice mais restritivo de 150 µg/m³, reeditado por resolução do Codema, aprovada na reunião dessa mesma sexta-feira, teria sido superado naquele sábado de julho e também em muitos outros dias de forte poeira na cidade.
Naquele sábado, o índice máximo de PTS registrado foi de apenas 72,1 µg/m³, assim como nada de anormal foi detectado com relação às partículas inaláveis (PM-10), não tendo sido extrapolado também o índice das partículas respiráveis (PM-2.5).
Os registros daquele sábado foram de 44,4 µg/m³ para o primeiro parâmetro e de apenas 14,7 µg/m³ para o segundo, ambos indicadores distantes dos índices máximos, que passam a ser, respectivamente, de 120 µg/m³ e de 60 µg/m³ pela nova resolução Codema.
Saiba mais acessando o portal ItabiraAr aqui:
https://meioambiente.itabira.mg.gov.br/custom/cfg_qual_ar.aspx
Calibragem
Como se observa pelos índices registrados, nem mesmo as partículas respiráveis provenientes da fumaça de queimadas generalizadas pela cidade teriam sido devidamente medidas pelas estações de monitoramento, que são operadas pela própria mineradora. “Tivemos muita poeira vinda das minas e densas queimadas. Mas nada disso apareceu como parâmetros acima do que estabelece a legislação”, estranhou o conselheiro do Codema.
Sydney Almeida não foi o primeiro conselheiro a colocar em dúvida a eficácia das medidas de controle de emissão de particulados (poeira de minério) sobre a cidade, como também do próprio monitoramento pelas estações medidoras.
Na reunião do Codema do dia 4 de abril de 2019, a ex-secretária de Meio Ambiente e ex-presidente do Codema Priscila Martins da Costa também questionou a eficácia da rede de monitoramento da qualidade do ar, depois de não ter sido possível apresentar os dados do mês anterior.
“Problemas técnicos vêm sendo registrados com maior frequência desde meados do ano passado”, anunciou na mesma reunião o engenheiro ambiental Fabrício Milânio, ex-diretor de Preservação Ambiental.
“Neste mês não temos como apresentar os dados do monitoramento do ar”, disse ele, na ocasião, ao relacionar problemas nos aparelhos medidores, como também na própria manutenção do sistema.
Em decorrência, a ex-secretária de Meio Ambiente anunciou que iria solicitar à Vale a aquisição de novos equipamentos. “Os aparelhos de medição são antigos e defasados. As informações chegam com quatro horas de atraso, em média”, disse a ex-secretária naquela reunião. Mas ficou por isso mesmo.
Leia aqui:
A rede automática de monitoramento da qualidade do ar é praticamente a mesma operada pela mineradora desde março de 2002.
Auditoria
Mas mesmo com todas as críticas e suspeição sobre a sua eficácia, nada foi feito para comprovar que os dados estão corretos, ou não, sem refletir a realidade da poluição do ar que todo itabirano sente e respira, com danos à saúde.
Uma auditoria independente deveria ser contratada para aferir o funcionamento desses aparelhos, até para que se comprove que estão devidamente calibrados, ou não.
Se não estiverem, que sejam substituídos por equipamentos mais atualizados – e que passem a ser operados por empresa subordinada à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e não mais à própria mineradora, que é o principal agente poluidor na cidade.
O custo desse monitoramento, caso haja essa mudança, deve continuar sendo arcado pela própria Vale. Afinal, trata-se de cumprir as condicionantes permanentes 20 e 21 da Licença de Operação Corretiva (LOC), do Distrito Ferrífero de Itabira, aprovada pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em dezembro de 2000.
Recomendações
Os conselheiros do Codema aprovaram na reunião de sexta-feira (12) nova deliberação normativa (DN), fixando novos parâmetros para a qualidade do ar.
Esses parâmetros passam a ser mais restritivos, conforme já estabelecia a DN número 1 do órgão ambiental municipal, que “caducou” com a edição da nova resolução Conama de 2018.
Os parâmetros mais restritivos permanecem os mesmos, mas foram acrescentados novos indicadores, como das partículas inaláveis (PM-10) e respiráveis (PM-2.5).
A nova deliberação observa os novos indicadores estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com os quais o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo de dois anos para que o Conama estabeleça novos padrões legais para reduzir a poluição do ar no país.
Leia mais aqui: Diretrizes da OMS endurecem limites para a poluição do ar
E também aqui:
Novos parâmetros
Com a nova resolução Codema, com relação às partículas totais em suspensão (PTS), a concentração média que era de 80 microgramas por metro cúbico (µg/m³) cai para 60 µg/m³, o mesmo índice da resolução municipal anterior.
Isso enquanto a concentração média de 24 horas, que era de 240 µg/m³, agora é de 150 µg/m³, também repetindo o parâmetro da resolução anterior.
As novidades ficam com os novos indicadores para as partículas inaláveis (PM-10) e as respiráveis (PM-2.5), que foram introduzidos na nova legislação municipal, além de outros indicadores da qualidade do ar.
Para o PM-10, a concentração média de 24h, que pela resolução Conama é de 120 µg/m³, passa a ser de 100 µg/m³ pela legislação municipal.
Já para o PM-2.5, a concentração média de 24 horas de 60 µg/m³ pela resolução Conama, cai para 50 µg/m³ pela nova regulamentação municipal.
Mas nada disso adianta se a legislação não é respeitada, seja a nacional e menos ainda a municipal, cuja validade é questionada pela Vale. E mesmo as multas aplicadas com base na legislação nacional não são pagas pela empresa poluidora.
Leia a íntegra da nova resolução Codema sobre a qualidade do ar
Dispõe sobre a operacionalização da proteção ambiental no Município de Itabira, regulando normas e padrões para a qualidade do ar.
O Conselho Municipal do Meio Ambiente (CODEMA), no uso das atribuições conferidas pelo art. 7º da Lei n° 5.186, de 26 de dezembro de 2019, dispõe sobre o que segue:
Art. 1º Considera-se poluente atmosférico qualquer forma de matéria em quantidade, concentração, tempo ou outras características, que tornem ou possam tornar o ar:
- impróprio ou nocivo à saúde;
- inconveniente ao bem-estar público;
- danoso aos materiais, à fauna e flora ou;
- prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade ou às atividades normais da comunidade.
Art. 2º Para efeitos desta Deliberação Normativa ficam estabelecidos os seguintes conceitos:
- padrão de qualidade do ar: um dos instrumentos de gestão da qualidade do ar, determinado como valor de concentração de um poluente específico na atmosfera, associado a um intervalo de tempo de exposição, para que o meio ambiente e a saúde da população sejam preservados em relação aos riscos de danos causados pela poluição atmosférica;
- padrões de qualidade do ar intermediários (PI): padrões estabelecidos como valores temporários a serem cumpridos em etapas;
- padrão de qualidade do ar final (PF): valores de referência definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2005;
- episódio crítico de poluição do ar: situação caracterizada pela presença de poluentes em concentração superior aos valores de referência para o período de 24 horas, ainda que resultante da ocorrência de condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos mesmos;
- Material particulado MP10: partículas de material sólido ou líquidas suspensas no ar, na forma de poeira, neblina, aerossol, fuligem, entre outros, com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 10 micrômetros;
- Material particulado MP2,5: partículas de material sólido ou líquido suspensas no ar, na forma de poeira, neblina, aerossol, fuligem, entre outros, com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 2,5 micrômetros;
- Partículas Totais em Suspensão (PTS): partículas de material sólido ou líquidas suspensas no ar, na forma de poeira, neblina, aerossol, fuligem, entre outros, com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 50 micrômetros;
- Fumaça: material particulado suspenso na atmosfera proveniente de processos de combustão (indústria e veículos automotores), sendo associada diretamente ao teor de fuligem na atmosfera.
- Índice de Qualidade do Ar (IQAR): valor utilizado para fins de comunicação e informação à população que relaciona as concentrações dos poluentes monitorados aos possíveis efeitos adversos à saúde.
Art. 3º Adota-se como unidade de medida de concentração dos poluentes atmosféricos o micrograma por metro cúbico (mg/m3) com exceção do Monóxido de Carbono que será reportado como partes por milhão (ppm).
Art. 4º Com exceção do parâmetro PTS, estabelecem-se os seguintes padrões, de acordo com a Resolução CONAMA nº 491, de 19 de novembro de 2018 ou a legislação que a suceder:
- Material Particulado (MP10)
- concentração média aritmética anual de 35 microgramas por metros cúbicos de ar;
- concentração média de 24 (vinte e quatro) horas de 100 microgramas por metros cúbicos de ar;
- Material Particulado (MP2.5)
- concentração média aritmética anual de 17 microgramas por metros cúbicos de ar;
- concentração média de 24 (vinte e quatro) horas de 50 microgramas por metros cúbicos de ar;
- Dióxido de Enxofre (SO2)
- concentração média aritmética anual de 30 microgramas por metros cúbicos de ar;
- concentração média de 24 (vinte e quatro) horas de 50 microgramas por metros cúbicos de ar;
- Dióxido de Nitrogênio (NO2)
- concentração média aritmética anual de 50 microgramas por metros cúbicos de ar;
- concentração média horária de 240 microgramas por metros cúbicos de ar;
- Ozônio (O3)
- Concentração máxima diária de 130 microgramas por metros cúbicos de ar para a média móvel de 8 horas.
- Fumaça
- concentração média aritmética anual de 35 microgramas por metros cúbicos de ar;
- concentração média de 24 (vinte e quatro) horas de 100 microgramas por metros cúbicos de ar;
- Partículas Totais em Suspensão (PTS)
- concentração média geométrica anual de 60 microgramas por metros cúbicos de ar;
- concentração média de 24 (vinte e quatro) horas de 150 microgramas por metros cúbicos de ar;
- Monóxido de Carbono
- a) Concentração máxima diária de 9 ppm para a média móvel de 8 horas.
- Chumbo (Pb5)
- concentração média aritmética anual de 0,5 microgramas por metro cúbico de ar.
Art. 5° Para cálculo do IQAR de cada um dos poluentes monitorados, deverá ser utilizada a equação 1 (Anexo II).
Parágrafo único. Para definição da primeira faixa de concentração do IQAR, deverá ser utilizado como limite superior o valor de concentração adotado como PF para cada poluente.
Art. 6° Níveis de atenção, alerta e emergência serão declarados quando, prevendo-se a manutenção das emissões, bem como condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos poluentes nas 24 horas subsequentes, for excedida uma ou mais das condições especificadas no Anexo III.
Art. 7° Padrões de qualidade do ar para poluentes além dos previstos no art. 4º poderão ser estabelecidos pelo CODEMA.
Art. 8° Os empreendimentos emissores de poluentes atmosféricos, enquadrados nas classes 4, 5 e 6, da Deliberação Normativa Copam nº 217, de 6 de dezembro de 2017, devem adquirir estação de monitoramento da qualidade do ar no prazo de um ano, a contar da data desta Deliberação Normativa.
Art. 9° Esta Deliberação Normativa entra em vigor na data de sua publicação.
Art.10° Revogam-se as disposições em contrário.
Itabira, 12 de agosto de 2022.
Denes Martins da Costa Lott
Presidente do CODEMA
ANEXO I
Poluente Atmosférico | Período de Referência | PI-1 | PI-2 | PI-3 | PF | |
mg/m³ | m/m³ | mg/m³ | mg/m³ | ppm | ||
Material Particulado (MP10) | 24 horas | 120 | 100 | 75 | 50 | – |
Anual¹ | 40 | 35 | 30 | 20 | – | |
Material Particulado (MP2,5) | 24 horas | 60 | 50 | 37 | 25 | – |
Anual¹ | 20 | 17 | 15 | 10 | – | |
Dióxido de Enxofre (SO2) | 24 horas | 125 | 50 | 30 | 20 | – |
Anual¹ | 40 | 30 | 20 | – | – | |
Dióxido de Nitrogênio (NO2) | 1 hora² | 260 | 240 | 220 | 200 | – |
Anual¹ | 60 | 50 | 45 | 40 | – | |
Ozônio (O3) | 8 horas³ | 140 | 130 | 120 | 100 | – |
Fumaça | 24 horas | 120 | 100 | 75 | 50 | – |
Anual¹ | 40 | 35 | 30 | 20 | – | |
Monóxido de Carbono (CO) | 8 horas³ | – | – | – | – | 9 |
Partículas Totais em Suspensão (PTS) | 24 horas | – | – | – | 150 | – |
Anual4 | – | – | – | 60 | – | |
Chumbo (Pb5) | Anual¹ | – | – | – | 0,5 | – |
1 – média aritmética anual | ||||||
2 – média horária | ||||||
3 – máxima média móvel obtida no dia | ||||||
4 – média geométrica anual | ||||||
5 – medido nas partículas totais em suspensão |