Conquista histórica viabilizada pelo MPMG, obras do projeto Rio Tanque avançam, mas água só deve chegar aos domicílios itabiranos em 2027
Fotos: Filipe Augusto/ Ascom/PMI
Visita institucional guiada pela Vale reuniu representantes da Prefeitura, Saae e Câmara Municipal
As obras do projeto Rio Tanque, viabilizadas por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado duas décadas após a aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC) em 2000, cujas condicionantes relativas à água não foram cumpridas, avançam com diversas frentes de trabalho em andamento.
O TAC foi firmado entre a mineradora Vale e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), como compensação pela crise hídrica que há anos afeta Itabira. A cidade ainda vive sob o impacto do quase monopólio da mineração sobre os recursos hídricos. É que a mineração detém 75,25% das outorgas de uso da água em Itabira, enquanto apenas 19,18% são destinados ao consumo humano na cidade.
O empreendimento inclui a implantação de uma adutora de 25 quilômetros, três estações elevatórias de bombeamento, um tanque de alimentação direcional e uma câmara de transição – um investimento de R$ 1,17 bilhão. A estrutura transportará a água do rio Tanque até a nova Estação de Tratamento de Água (ETA), em construção no Alto do Pinheiro, bairro Campestre.

“O projeto rio Tanque é a maior conquista hídrica da história da nossa cidade. Ele garante água em qualidade e quantidade para as famílias itabiranas e cria condições seguras para o desenvolvimento econômico e sustentável de Itabira”, afirmou o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) durante visita às obras, na manhã dessa quinta-feira (2), acompanhado por representantes da Vale, Saae e Câmara Municipal.
O atraso na captação dessa água foi, historicamente, um dos principais entraves à diversificação econômica de Itabira, pela ausência de insumo hídrico para indústrias de médio e grande porte, registre-se.
O diretor-presidente do Saae, Valdeci Júnior, reforçou a importância da iniciativa: “Estamos diante de uma obra estruturante, planejada para assegurar o abastecimento da cidade por muitos anos. O acompanhamento institucional é essencial para dar transparência a cada etapa e mostrar à população que o futuro da água em Itabira está sendo construído com responsabilidade.”

TAC garante água, mas também impõe riscos à tarifa
Pelo TAC, a Vale poderá utilizar até 400 litros por segundo (l/s) da água captada — de um total de 600 l/s — enquanto a cidade não demandar a totalidade. Durante esse período, a empresa se comprometeu a arcar com os custos energéticos da transposição.
Contudo, com o novo modelo de beneficiamento de minério, que consome menos água, é provável que a mineradora não precise desse volume excedente.
E aí surge a dúvida: se a Vale deixar de usar essa água excedente, deixará também de pagar pela energia que move a transposição? O custo, certamente elevado, será então repassado ao Saae – e, por consequência, à conta de água dos consumidores?
Esse é um ponto sensível que pode exigir nova repactuação do TAC.
Afinal, não seria justo que a população venha a pagar mais caro por uma água que precisa ser captada a 25 quilômetros de distância, quando no passado jorrava abundante das encostas do Cauê, da Serra do Esmeril, da Conceição/Camarinha/Borrachudo/Três Fontes – e de tantos outros pontos da cidade. A maioria dessas fontes foi suprimida pelo rebaixamento dos aquíferos, resultado direto da atividade mineradora.
Água do rio Tanque não é solução definitiva sem cuidados ambientais

Embora o Saae afirme que o rio Tanque mantém alto volume mesmo em períodos de estiagem, imagens do ponto de captação mostram água represada, o que pode dar falsa impressão de abundância.
Em outros trechos, como no distrito de Senhora do Carmo e na região de Dona Rita/Florença, em Santa Maria de Itabira, a vazão é baixa, com trechos rasos que podem ser atravessados a pé.
Por isso, é urgente implementar projetos permanentes de recuperação de nascentes, recomposição da mata ciliar e combate ao assoreamento. Essas medidas deveriam ter sido incluídas na licença de implantação do projeto, mas ficaram restritas à compensação pela supressão de espécies arbóreas.
Além disso, é essencial preservar as fontes de captação já existentes, como as Três Fontes, que abastecem parte da cidade com água de classe especial proveniente de aquíferos. Essa água, prometida como legado da mineração para toda Itabira após a exaustão das Minas do Meio, acabou indo para as calendas gregas.
As cavas, que poderiam servir à captação, foram em parte preenchidas com material estéril, enquanto outras continuam sendo mineradas, o que fez do tal legado mais uma promessa soterrada.

PPP do rio Tanque foi aprovada pela Câmara, mas TAC evitou tarifa mais cara para a população
A transposição do rio Tanque só saiu do papel graças à atuação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que derrubou a proposta de Parceria Público-Privada (PPP) apresentada pela gestão de Ronaldo Magalhães.
O projeto de lei da PPP, de número 26/2019, deu entrada na Câmara Municipal no início de março e foi aprovado em segundo turno no dia 30 de abril de 2019, com apenas dois votos contrários.
A proposta autorizava o município a celebrar parceria com o setor privado para executar a obra, orçada em R$ 53 milhões, para fazer a transposição de 200 l/s, sem necessidade de construir nova estação de tratamento.
O custo seria bancado pela empresa vencedora da licitação, mas pago pelos consumidores ao longo de 30 anos, por meio de aumento na tarifa de água.
Além disso, o custo operacional da captação, estimado em R$ 7 milhões anuais para esse volume a ser transposto, incluindo mais de R$ 4 milhões só com energia elétrica — também seria repassado ao usuário.
Foi o TAC firmado entre o MPMG e a Vale que impediu esse repasse à população. O acordo judicial transferiu a responsabilidade integral das obras para a mineradora, que passou a bancar os R$ 1,17 bilhão do projeto final, incluindo a adutora de 25 quilômetros, três estações elevatórias e a nova Estação de Tratamento de Água (ETA), em construção no Alto do Pinheiro.
O TAC também estabeleceu que a Vale assumiria os custos energéticos da transposição enquanto fizer uso do volume excedente de água captado.
Essa virada no projeto do rio Tanque representa uma das maiores conquistas da população itabirana em relação à segurança hídrica.
O acordo judicial com o MPMG evitou esse ônus à população, transferindo a responsabilidade para a Vale, que, por décadas, concentra as outorgas, negligenciando a crise hídrica em Itabira que ela mesma ajudou a provocar.

Linha do Tempo da Crise Hídrica e da Transposição do Rio Tanque em Itabira
2000 — Aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC)
• A LOC é concedida à Vale com diversas condicionantes ambientais, incluindo a obrigação de garantir abastecimento hídrico à cidade.
• A condicionante da água não é cumprida, e Itabira segue enfrentando escassez.
2001–2016 — Promessas e omissões
• A Vale promete que, com a exaustão das Minas do Meio, deixaria como legado as águas dos aquíferos, a exemplo da captação nas Três Fontes, de classe especial.
• As cavas exauridas recebem material estéril, comprometendo essa promessa.
• A crise hídrica se agrava, com racionamentos frequentes e falta de investimentos estruturantes.
2019 — Proposta de Parceria Público-Privada (PPP)
• A gestão de Ronaldo Magalhães apresenta projeto de PPP para transposição do rio Tanque.
• A proposta é aprovada pela Câmara Municipal em 23 de abril de 2019.
• O modelo previa que a população arcaria com os custos da obra via aumento da tarifa de água.
2020 – Atuação decisiva do MPMG
• O Ministério Público de Minas Gerais abre procedimento antes de judicializa a questão e a Vale firma um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
• A mineradora se compromete a executar integralmente a obra da transposição do rio Tanque, com investimento de R$ 1,17 bilhão.
2021 — Início da gestão Marco Antônio Lage
• A nova administração retoma negociações com a Vale, mas a crise hídrica continua sendo um entrave ao desenvolvimento econômico em toda a sua primeira gestão.
2024 — Licenciamento ambiental e início das obras
• Em 23 de outubro de 2024, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), por meio da URA Sul, concede a Licença Ambiental Simplificada (LAS/RAS) para a transposição.
• O Governo de Minas reconhece a obra como de utilidade pública.
• A licença ambiental autoriza o início das obras e concede a outorga de uso da água ao Saae.
• São iniciadas as obras da adutora de 25 km, três estações elevatórias, tanque de alimentação e câmara de transição.
• A ETA começa a ser construída no Alto do Pinheiro, no bairro Campestre.
2025 — Avanço das obras e visita institucional
• Representantes da Prefeitura, Saae e Câmara Municipal visitam as obras a convite da Vale.
• A previsão é que a água comece a abastecer os domicílios itabiranos apenas em 2027.
2027 — Previsão de conclusão e início do abastecimento
• A água do rio Tanque deve finalmente jorrar nas torneiras da população.
• Críticos alertam que, sem cuidados ambientais e manutenção das fontes atuais, a solução pode não ser definitiva.