Congresso age para blindar isentos e enfraquecer Lula na corrida de 2026

Fotomontagem: Hilton Silveira/
Reprodução autorizada

IOF no STF: a batalha que escancara os privilégios fiscais e o impasse da justiça tributária

Valdecir Diniz Oliveira*

A decisão do governo federal de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a validade dos decretos que aumentam o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) revela muito mais do que uma disputa entre Poderes.

Trata-se de um momento emblemático que desnuda o conflito entre dois modelos de país: um que perpetua privilégios fiscais das elites econômicas e outro que tenta corrigir distorções históricas promovendo justiça tributária.

O IOF é um imposto extrafiscal, ou seja, que pode ser ajustado com fins regulatórios e de política econômica, com respaldo no artigo 153, §1º da Constituição Federal. O Executivo, portanto, tem competência legal para modificar suas alíquotas por decreto, sem necessidade de aprovação do Congresso.

É justamente essa prerrogativa que está sendo colocada em xeque após o Legislativo, numa articulação majoritariamente guiada por parlamentares ligados ao setor empresarial e ruralista, sustar os decretos sob o argumento de que o Executivo teria extrapolado seus limites.

O Planalto, amparado pela Advocacia-Geral da União, contesta a decisão e vai levar a questão ao STF, argumentando que houve uma afronta à separação dos Poderes.

Justiça tributária

Essa disputa técnica-jurídica encobre um conflito político e econômico muito mais amplo. Em um país onde os trabalhadores têm o Imposto de Renda retido diretamente na fonte e pagam pesados impostos sobre itens de primeira necessidade, os mais ricos seguem blindados por isenções.

Lucros e dividendos permanecem isentos de tributação, permitindo que acionistas e detentores de grandes capitais vejam sua renda crescer sem contribuir proporcionalmente para o financiamento do Estado.

O aumento do IOF, nesse contexto, representa uma tentativa de corrigir minimamente essa lógica perversa, incidindo sobre operações financeiras de maior valor, como o crédito, o câmbio e transações internacionais.

A reação do Congresso expôs o incômodo de setores que, embora numericamente minoritários na população, têm enorme peso na estrutura de poder.

Parlamentares ligados ao agronegócio, ao mercado financeiro e à indústria se mobilizaram para barrar um imposto que sequer os atingiria diretamente em sua renda, mas que poderia abrir precedente para uma tributação mais progressiva.

Ao invés de discutir uma reforma tributária ampla que torne o sistema mais justo, optaram por defender seus interesses corporativos em detrimento da coletividade.

Impactos da perda de arrecadação

O impacto fiscal da derrubada do aumento do IOF é significativo. O governo estima uma perda de arrecadação de até R$ 20 bilhões em dois anos.

Diante da meta de déficit zero e de um cenário econômico apertado, isso significa contingenciar recursos que seriam destinados a áreas sensíveis como saúde, educação, habitação e assistência social.

Programas como o SUS, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o Pé-de-Meia e o Minha Casa Minha Vida ficam vulneráveis, justamente num momento em que a população mais pobre precisa de amparo.

A decisão do STF poderá reequilibrar essa balança. Mais do que julgar um eventual abuso do Congresso, estará avaliando se o Brasil está disposto a respeitar a divisão constitucional de competências e, principalmente, se vai enfrentar ou perpetuar a lógica que faz com que quem tem menos pague mais.

Se validar o decreto presidencial, abrirá caminho para que o Executivo exerça plenamente seu papel na política fiscal e possa avançar em medidas que promovam maior equidade.

O que mais está em jogo

Se mantiver a decisão do Congresso, o que é pouco provável, o STF reforçará a mensagem de que as instituições seguem reféns de uma minoria privilegiada que trabalha para manter intactos seus benefícios. Ao fim, essa disputa traduz a encruzilhada fiscal, institucional, moral e política na qual o país se encontra.

A busca por justiça tributária não é apenas uma questão contábil ou econômica. É uma afirmação de que o Estado deve ser financiado por todos, mas especialmente por aqueles que mais podem contribuir.

É assim que sociedade brasileira está diante da oportunidade de discutir que tipo de pacto social deseja sustentar – e a decisão do STF será um capítulo crucial nessa construção.

Mas há ainda uma dimensão estratégica que não pode ser ignorada: o pano de fundo dessa batalha é também a sucessão presidencial de 2026.

Ao resistirem a qualquer avanço na justiça tributária, setores do centrão e da extrema direita não estão apenas defendendo interesses econômicos. Estão, sobretudo, tentando minar o capital político do presidente Lula.

Afinal, promover uma reforma tributária que taxe os mais ricos e alivie os mais pobres é uma agenda que tem forte apelo popular. Se bem-sucedido, Lula poderia chegar ao pleito de 2026 com uma narrativa poderosa: a de que enfrentou os privilégios e governou para a maioria, contra os interesses de uma minoria que quer manter os seus privilégios.

É justamente esse potencial eleitoral que assusta seus adversários. Ao barrar medidas como o aumento do IOF, esses grupos não apenas protegem seus próprios benefícios fiscais, mas também tentam impedir que o presidente colha os frutos políticos de uma agenda redistributiva.

A disputa, portanto, não é apenas sobre arrecadação ou competência constitucional – é também sobre quem terá força para moldar o futuro do país. E nesse jogo, o STF não julgará apenas um decreto: julgará, em parte, os rumos da democracia brasileira.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

 

 

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