Condicionante da LOC diz que Vale deve realocar moradores em situações de risco de rompimento de barragens
Nivaldo Ferreira dos Santos*
Entre as condicionantes estabelecidas pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em 18 de maio de 2000, ao conceder a Licença de Operação Corretiva (LOC) do Complexo Minerador de Itabira à então Companhia Vale do Rio Doce (atualmente Vale S/A), destacamos neste texto a condicionante nº 9, cujo texto diz:
“9. Apresentar Plano de Contingência para as situações emergenciais e a mitigação de eventos catastróficos, tais como derramamento de material tóxico, rompimento de Barragens e Diques de contenção.
– Prazos: a) Apresentação da APP – Análise Preliminar de Perigos – até dez/2000; b) Apresentação do Plano de Contingência – até jul/2001.”
De acordo com o relatório elaborado pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental do Leste Mineiro (Supram-Leste) em 2012, essa condicionante foi cumprida, mas a “análise” da condicionante é muito resumida, informando apenas que foram apresentados estudos “em prazos acordados com a Feam.”
Confira o relatório no arquivo disponível em http://www.reunioes.semad.mg.gov.br/down.asp?x_caminho=reunioes/sistema/arquivos/material/&x_nome=Item_9.1._Vale_S.A.pdf).
É interessante observar que essa condicionante prevê a apresentação de um “Plano de Contingência para situações emergenciais e mitigação de eventos catastróficos”, lembrando o risco de ocorrer “derramamento de material tóxico” ou “rompimento de Barragens e Diques de contenção”.
Ao afirmar no relatório de 2012 que a condicionante foi cumprida, a informação é que foram apresentados “estudos”, mas nada foi dito sobre a existência (ou não) do “Plano de Contingência” previsto no texto da condicionante.
Infelizmente, durante muitos anos a comunidade e as autoridades municipais não deram muita importância para essa condicionante, pois os riscos de acontecerem problemas com “materiais tóxicos” ou com barragens e/ou diques de contenção só ficaram evidentes mais de uma década e meia depois, quando em 5 de novembro de 2015 a “Barragem de Fundão”, uma grande barragem contendo “rejeitos da mineração”, se rompeu no município de Mariana.
A equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente entrou em contato com a Vale e a empresa se comprometeu a apresentar informações sobre as barragens de Itabira na reunião seguinte do Codema, o que de fato ocorreu em 19 de novembro de 2015.
Depois disso a Vale apresentou essas informações em outros locais, incluindo a Câmara Municipal, e em dezembro de 2015 foi realizada uma reunião com representantes da Vale, Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) e Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec), ficando estabelecido que a Prefeitura organizaria uma equipe para estudar relatórios sobre as barragens disponibilizados pela Vale.
Nos meses seguintes foi formado um grupo composto por representantes da Comdec e das secretarias municipais de Meio Ambiente, Saúde, Desenvolvimento Urbano, Ordem Pública e Governo, que fez contatos com a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) e com a Secretaria Nacional de Proteção de Defesa Civil (Sedec), sendo orientado a providenciar a elaboração do “Plano Municipal de Contingência de Barragens da Mineração”.
Em 2016 esse grupo estudou as normas legais ligadas ao tema e iniciou discussões e ações junto a órgãos públicos estaduais e federais, Codema, entidades civis e a própria Vale, convocando em dezembro de 2016 um encontro com representantes dos vários segmentos envolvidos, além de um integrante da “Equipe de Transição” do atual governo municipal, eleito em 2016.
A Vale informou em reuniões do Codema que se comprometeu com a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil a implantar até o final de 2017 as estruturas de alerta à comunidade sobre situações de risco em suas barragens de Itabira, mas em seguida a elaboração do “Plano Municipal de Contingência das Barragens da Mineração de Itabira” foi interrompida, paralisada, esquecida, abandonada…
Até que, cerca de três anos após a “tragédia de Mariana” ocorreu a “tragédia de Brumadinho”, com o rompimento da Barragem 1 da “Mina Córrego do Feijão” em 25 de janeiro de 2019, tirando a vida de quase trezentas pessoas – aí a população de Itabira realmente passou a se preocupar com as barragens e diques de contenção e vários grupos se uniram, mobilizando a comunidade.
E foi criado o “Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração em Itabira e Região”, que desde então tem realizado debates, eventos e ações reivindicando maior controle sobre as barragens e até mesmo o descomissionamento, a descaracterização ou a “desmontagem” das grandes estruturas que existem em Itabira. E reivindicam também a retirada dos moradores de comunidades rurais e bairros localizados em regiões que podem ser atingidas caso ocorra o rompimento de alguma dessas estruturas.
Além disso, a Interassociação dos Amigos de Bairros de Itabira e outras entidades da sociedade civil de Itabira realizaram encontros e discussões com equipes da Vale reivindicando informações mais detalhadas sobre as barragens existentes em Itabira e apoio para estruturar melhor a Comdec, além da aplicação da condicionante 46 da “LOC da Vale”, com a realocação de populações de áreas que podem ser atingidas pelo rompimento de barragens.
A Câmara Municipal promoveu, em dezembro de 2019, uma “reunião pública” sobre as barragens e a Vale realizou uma simulação de rompimento de barragem em Itabira. Mas as preocupações da comunidade persistem, uma vez que a Comdec continua sem a estrutura ideal e o “Plano Municipal de Contingência das Barragens da Mineração de Itabira” não foi disponibilizado para toda a comunidade, nem pela empresa nem pela Prefeitura Municipal.
E ainda temos muitas condicionantes para serem lembradas… Até breve!
*Nivaldo Ferreira dos Santos é ex-secretário municipal de Meio Ambiente, líder comunitário, servidor público estadual e mestre em Administração Pública.