Compensação pela concessão antecipada da EFVM pode alterar trajeto de ramal ferroviário em Itabira

Por uma decisão controvertida do governo de Michel Temer (MDB), já em fim de mandato, o Ministério do Transporte, por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), irá promover a renovação antecipada das concessões ferroviárias das estradas de ferro Vitória Minas (EFVM), Carajás (EFV), Ferrovia Centro Atlântica (FCA) e VLI Logística, todas operadas pela empresa Vale.

A concessão só vence em 2028, mas pela proposta do governo, a antecipação deve ocorrer em troca da construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), para escoar grãos de Água Boa (MT) até Capinorte (GO).

Audiência Pública na Assembleia Legislativa debateu formas de solucionar conflitos urbanos provocados pela passagem da ferrovia. Na foto em destaque, passagem de trem no bairro Alto Pereira, que deve ser eliminada (Fotos: Daniel Protzner e Carlos Cruz)

Em troca desse investimento, o governo irá prorrogar a concessão dessas ferrovias por mais 30 anos. Como a concessão só vence daqui dez anos, passará a valer até 2058. O investimento exclusivo na construção da Fico tem forte oposição dos políticos dos estados cortados pelas ferrovias da Vale, entre os quais não estão incluídos Mato Grosso e Goiás.

Para solucionar ou pelo menos minimizar os conflitos urbanos nos municípios impactados por essas ferrovias, uma série de audiências públicas para definir as medidas mitigadoras está sendo realizada em ambientes restritos, como em hotéis em Ipatinga e Governador Valadares, sob protesto geral. A primeira da série de audiências foi realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nessa segunda-feira (10).

Vereador André Viana, na audiência na Assembleia Legislativa

O vereador e sindicalista André Viana (Podemos) participou da audiência em Belo Horizonte. “Nos indignamos por entender que essas audiências deveriam ser realizadas também nos municípios mineradores”, ele protestou na audiência pública e também na sessão da Câmara dessa terça-feira (11).

De acordo com o vereador, a EFVM só se tornou grande transportando o minério de Itabira. “Antes de 1942 (data da fundação da Vale para explorar a hematita de Itabira), a ferrovia não era nada, apenas um projeto de Percival Farquhar (empresário norte-americano, falecido em 1953, que no início do século passado detinha a concessão da ferrovia e o controle da Itabira Iron) que praticamente não saiu do papel.”

O vereador entende que, pela importância do município para a expansão da ferrovia, e para o próprio crescimento da Vale, Itabira deve fazer jus a uma parcela maior de contrapartidas.

No documento apresentado pela Vale contendo os investimentos que serão feitos para solucionar conflitos urbanos com a ferrovia, Itabira está na sétima posição entre as cidades prioritárias. Pelo ranking da ANTT, figura em quarta colocação.

“Não somos contra a concessão antecipada, desde que os municípios diretamente impactados pela mineração e pela ferrovia, como é o caso de Itabira, tenham prioridades nos investimentos”, disse Viana na tribuna da Câmara.

Ele disse ter apresentado uma moção à comissão extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pedindo que seja também realizada uma audiência pública em Itabira.

“Não fomos sequer informados oficialmente de que haveria essas audiências. Nada foi comunicado a esta Casa”, indignou-se ainda mais o vereador André Viana, que preside a comissão de Indústria e Comércio da Câmara Municipal.

Propostas incluem mudança de trajeto em pequeno trecho e cercamento da ferrovia

Entretanto, mesmo sem ter sido convidada oficialmente, Itabira foi representada na audiência de Belo Horizonte pelo vereador André Viana – e também pelos secretários Ronaldo Lott (Obras) e Ilton Magalhães (Governo). “Pedimos na audiência pública a antecipação das obras para reduzir os conflitos urbanos provocados pela ferrovia na cidade”, conta o secretário de Obras.

Ramal ferroviário entre a estação João Paulo e bairro Alto Pereira será modificado

De acordo com Ronaldo Lott, de um total de R$ 9 bilhões que a Vale pretende alocar na melhoria e expansão de suas malhas ferroviárias no país, R$ 370 milhões serão investidos para a compensação de conflitos urbanos. “Concordamos com algumas propostas apresentadas pela Vale, mas temos divergências em outras.”

Entre as medidas que a administração municipal concorda está a relocação do ramal ferroviário que sai da estação João Paulo, próximo do estádio do Valério, e que segue até o final da avenida Mauro Ribeiro.

Ronaldo Lott, secretário de Obras, na audiência pública em Belo Horizonte

“Parte desse trecho pode também ser transferido para onde está a estrada 105, que mudaria para o atual leito da ferrovia, seguindo pela mina Periquito até encontrar o ramal que vem da mina Conceição. Com isso, serão eliminadas três passagens de nível (Vila Paciência, Vila Amélia e Alto Pereira)”, explica Ronaldo Lott.

A divergência com a mineradora se encontra na localização de uma passagem inferior (viaduto) a ser construída sob a linha férrea. Segundo Lott, a Vale quer construir próximo do campo do Bazuca, o que ele discorda.

“Queremos que essa passagem inferior seja construída para ligar os bairros São Cristóvão e Juca Rosa, o que viabilizará o término da avenida Espigão (projetada no passado pelo arquiteto urbanista Radamés Teixeira).”

Já a Vale quer construir essa passagem inferior em uma outra localidade, atrás do Bazuca, “o que está em desacordo com o Plano Diretor e com o Plano de Mobilidade Urbana da cidade”, se opõe o secretário de Obras. “Esperamos que seja respeitado o planejamento municipal e não o que é de interesse da Vale.”

Conforme explica o secretário de Obras, essa avenida já tem vários trechos construídos. O seu trajeto irá ligar os bairros São Cristóvão e Praia, passando pelo loteamento do Mazinho (Caminho Novo) e atrás do Morada Brisa, entra no bairro Colina da Praia 2, passa ao lado do Cemitério, seguindo por debaixo da linha férrea (onde deve ser construído o viaduto), até encontrar uma avenida já construída no loteamento Vale do Sol, na saída para Nova Era.

“Para concluir essa avenida, faltam apenas dois trechos, orçados em R$ 5 milhões. A sua conclusão irá facilitar o acesso à cidade por onde Itabira está se expandindo, afastando-se das minas, como era o projeto do professor Radamés”, defende Ronaldo Lott.

Muro

Outra medida relacionada pela própria Vale para mitigar conflitos urbanos ocasionados pela estrada de ferro em Itabira está a construção de um muro por toda a extensão da ferrovia que passa pelo perímetro urbano.

Essa medida há muito já deveria ter sido executada. É uma das condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 18 de maio de 2000 pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).

“Relatório da ANTT indica que Itabira é a localidade com maior número de acidentes com o trem, proporcionalmente ao número de linhas férreas. Valadares tem registro maior, mas por lá passam mais trens”, conta Ronaldo Lott, que concorda com a necessidade do cercamento para evitar acidentes, inclusive com mortes.

Posicionamento da Vale

Em nota à redação deste site, a Vale disse que participa do debate pela renovação antecipada das concessões ferroviárias, o que inclui a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM).

Para isso, a empresa apresentou um pacote de investimentos para mitigação de conflitos urbanos – e que está sob análise da ANTT. “Dentre os investimentos, a empresa propôs a implantação de variante para uma parte do ramal ferroviário de João Paulo, localizado em Itabira.”

Ainda segundo a empresa, a ANTT já realizou uma primeira análise de toda a proposta de renovação. E está submetendo os estudos técnicos ao processo de participação social, por meio de audiências públicas, para “discussão com toda a sociedade”.

Informa também que os documentos por ela apresentados estão disponíveis no site da Agência Reguladora, item “Audiência Pública 008/2018”. Para saber mais, acesse http://portal.antt.gov.br/index.php/content/view/53968.html.

Nesses documentos, segundo a Vale, estão contemplados todos os investimentos em conflitos urbanos propostos para Itabira.

“Após a etapa das audiências, a ANTT irá avaliar todas as contribuições recebidas e poderá realizar ajustes, inclusive em prazos e escopos apresentados para os investimentos”, finaliza a nota da empresa.

Proposta de tirar a ferrovia do perímetro urbano não é novidade

O secretário de Governo, Ilton Magalhães, também participou da audiência pública em Belo Horizonte, mas não se pronunciou. No passado, quando foi vereador, ele chegou a apresentar um projeto para deslocar as linhas férreas da cidade, abrindo avenidas em seus atuais leitos.

Essa proposta foi debatida também após a realização da audiência pública realizada em fevereiro de 1988 com a comunidade, Vale e órgãos ambientais. A proposta, considerada inviável econômica e ambientalmente pela mineradora, projetava a construção de um ramal ferroviário que sairia do complexo Cauê, passaria pela região do Pontal até reencontrar com a ferrovia na estação Laboreaux.

Veículo leve sobre trilhos

Em contraponto a essa proposta, o servidor municipal José Luiz de Araújo propõe, para o futuro, quando a linha férrea for desativada no perímetro urbano, que os trilhos sirvam para a circulação de veículos leves sobre trilhos (VLTs), como alternativa para o transporte coletivo urbano – e não para abertura de mais avenidas, que privilegiam o transporte individual e a especulação imobiliária

“É muito mais útil, prático, barato e necessário. Os VLTs fariam o transporte de passageiros, ligando o final do bairro Praia ao Campestre com várias pequenas estações pelo trajeto. Quem sabe até mesmo com uma extensão até o bairro Pedreira do Instituto”, é o que ele propõe.

Araújo critica também a abertura de novas avenidas nessa conjuntura de crise – e de indefinição quanto ao futuro da economia itabirana após a exaustão das minas da Vale, prevista para 2028. “Só servem à especulação imobiliária.”

Posts Similares

5 Comentários

  1. Palmas para o servidor José Luiz Araujo. Sempre pensei nesta ideia de uso futuro dos trilhos urbanos. Inclusive fechar o círculo até reencontrar próximo à estação Laboriaux. Como tb ramais via Mauro Ribeiro, Gabiroba-bairro Hamilton ..,,

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *