Comitê de araque: “O Brasil quer vacinação, não quer comitê de adulação.”
Rafael Jasovich*
O presidente Jair Bolsonaro anunciou na noite de segunda-feira (16) a criação do comitê de crise do coronavírus. Pelas redes sociais, o presidente comentou a nova medida do governo federal.
“Instituímos também, após reunião interministerial realizada na tarde de hoje [segunda], um gabinete de crise para monitorar os efeitos do Covid-19 e desenvolver mais ações de combate ao vírus. Estamos atentos e novas medidas serão adotadas.”
A criação do comitê de crise foi publicada em edição extra no Diário Oficial da União (DOU). Fazem parte do grupo 16 ministérios e seis autarquias do governo federal.
A ideia foi apresentada nesta quarta-feira, 24, em Brasília, em um reunião com apenas sete governadores, sendo seis deles alinhados com o governo federal. O único oposicionista foi o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), que foi como representante do Nordeste.
Pela proposta, o comitê será coordenado pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que marcou reunião com os 27 governadores para a próxima sexta-feira.
Após a reunião, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), criticou duramente o encontro, em entrevista coletiva. O tom destoou das declarações públicas dos colegas, mas a fala do tucano ecoa a opinião de outros governadores ouvidos pela reportagem.
“Este comitê não nos representa. Não fomos convidados e aquilo que representa a saúde e a necessidade de proteção à vida dos brasileiros de São Paulo deve ser tratado com o governador do Estado de São Paulo, e não com representante”, disse Doria. “O Brasil quer vacinação, não quer comitê de adulação.”
A expectativa é que essa iniciativa “caia no vazio”, segundo um representante do Nordeste ouvido pelo Estadão, porque na prática rebaixa os governadores, que teriam que dialogar com o presidente por meio de Pacheco.
Doria, por sua vez, avalia que não faz sentido criar um grupo de trabalho sem a presença de representantes dos prefeitos, que são os responsáveis por aplicar a vacina na ponta do processo. Entidades ligadas aos prefeitos também reclamaram.
Já o coordenador do Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias (PT), do Piauí, classificou inicialmente como “positiva” a criação de um comitê para coordenar as ações na pandemia.
“O próprio presidente da República disse nesta reunião que quer ter semanalmente uma agenda. Outro grupo, com perfil mais técnico, vai acompanhar, sob a coordenação do presidente do Congresso”, disse.
O governador petista também classificou como “importante” a posição do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que, segundo ele, prometeu trazer a ciência para dentro do ministério.
Nenhum dos três governadores, alvo da ação no STF apresentada pelo governo federal contra as medidas de isolamento, estiveram na reunião em Brasília.
Em vídeo publicado em suas redes socais, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que é “bem vinda” a mudança do presidente “em direção ao que é certo”.
O gaúcho disse que a criação do gabinete de crise chegou com um ano de atraso, que o pronunciamento de Bolsonaro na TV foi “incoerente”, e que apenas os governadores “afinados ideologicamente” com o presidente foram chamados para a reunião.
Mas em seguida contemporizou. “O Brasil não precisa ficar no confronto político e precisa da mudança de posicionamento do presidente”, afirmou.
Há dez dias, Doria, Dias, Leite, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) e o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), se reuniram para elaborar uma estratégia em relação ao governo federal.
A ideia original era criação de um comitê que incluísse representantes dos prefeitos, secretários estaduais e municipais de Saúde, Butantã e Fiocruz.
O discurso do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já se pronunciou contra o lockdown nacional, um tranca rua necessário para conter o avanço da pandemia em todo o país com as novas cepas ainda mais letais. Sem esse medida de pelo menos 21, já advertiram renomados cientistas, como o neurocientista Miguel Nicolelis, o resto é balela.
O país não vai conseguir vencer a sanha assassina desse vírus mortal, que não se combate com falsos tratamentos precoces, que agravam ainda mais a saúde da população que tanto já vem sofrendo, sem decretar um lockdown nacional, ante de ter vacinas para todos.
Para combater a pandemia e salvar vidas, é preciso ação e determinação, atributos que não têm o presidente da República. De promessas mentirosas, como vacinação de um milhão de brasileiros por dia, como fez o novo ministro da Saúde, o país já está farto.
Só se for em 2022. Isso porque não tem vacina, não tem insumos. E, principalmente, não tem vontade política do governo federal.
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional