Comissão de Direitos Humanos do Senado aprova projeto que libera mineração em terras indígenas
A senadora Damares Alves, ex-ministra de Bolsonaro, preside a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH)
Foto: Edilson Rodrigues/ Agência Senado
Proposta se insere em série de iniciativas legislativas que flexibilizam proteção ambiental e direitos originários; especialistas apontam risco de devastação e violação constitucional
Valdecir Diniz Oliveira*
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou na última quarta-feira (14) o Projeto de Lei 6.050/2023, que regulamenta a exploração econômica em terras indígenas, incluindo atividades como mineração, garimpo, turismo e agricultura.
A proposta, de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs e relatada pelo senador bolsonarista Marcio Bittar (União-AC), é considerada por organizações indígenas e ambientalistas como um dos mais graves retrocessos legislativos em matéria de direitos originários e proteção ambiental.
O texto altera profundamente o marco legal vigente, revogando trechos da Lei 7.805/1989 e do Estatuto dos Povos Indígenas, que atualmente proíbem o garimpo em terras indígenas.
Caso aprovado, permitirá que empresas privadas, públicas e cooperativas atuem nesses territórios mediante parcerias com as comunidades locais, desde que haja licenciamento ambiental e consulta prévia.
No entanto, o projeto também prevê que, mesmo diante da rejeição das comunidades, o Congresso Nacional poderá autorizar os empreendimentos por meio de decreto legislativo ou lei complementar, desde que haja “relevante interesse público da União”.
Comissão é dominada por parlamentares bolsonaristas
A aprovação do projeto ocorreu em uma comissão presidida pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra do governo Bolsonaro. A CDH tem maioria formada por parlamentares conservadores e ruralistas, como Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Magno Malta (PL-ES), Marcos Rogério (PL-RO) e Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), todos alinhados à agenda de flexibilização ambiental e econômica.
A composição da comissão tem sido alvo de críticas por parte de entidades da sociedade civil, que apontam que a pauta de direitos humanos tem sido instrumentalizada para promover projetos que favorecem interesses empresariais em detrimento dos direitos indígenas e ambientais – e da população mais pobre e vulnerável.
Continuidade da “boiada”: projeto se soma a ofensiva legislativa
A tramitação do PL 6.050/2023 não é um episódio isolado. Ele se insere em uma tendência legislativa que ganhou força nos últimos anos, marcada pela tentativa de desregulamentar o licenciamento ambiental e facilitar o acesso de empreendimentos privados a áreas protegidas.
O exemplo mais emblemático é o PL 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, que reformulou o licenciamento ambiental no Brasil. Aprovado pela Câmara e pelo Senado, o projeto foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em agosto de 2025, com 63 vetos.
Entre os trechos barrados estão a dispensa de licenciamento para atividades de médio impacto mediante autodeclaração, a autorização para supressão de vegetação em áreas de Mata Atlântica sem parecer técnico federal, a exclusão da obrigatoriedade de consulta a comunidades indígenas e quilombolas não homologadas.
Apesar dos vetos, o texto sancionado ainda mantém dispositivos que fragilizam o controle ambiental. Além disso, há articulação no Congresso para derrubar parte dos vetos presidenciais.
Próximos passos e cenário político
Com a aprovação na CDH, o PL 6.050/2023 segue para análise da Mesa Diretora do Senado, que decidirá sobre o requerimento de urgência. Se aprovado, o projeto poderá ser votado diretamente no plenário, sem passar pelas comissões de Infraestrutura, Meio Ambiente e Constituição e Justiça – instâncias que poderiam oferecer maior resistência técnica e jurídica ao texto.
A chance de aprovação no Senado é considerada alta, dado o apoio da bancada ruralista e da maioria conservadora. Já na Câmara dos Deputados, o cenário é mais incerto.
Há cinco projetos similares em tramitação, quatro deles apensados ao PL 1570/2023, que aguarda instalação de comissão especial desde maio de 2023.
A base governista e partidos progressistas devem tentar barrar ou modificar o texto, especialmente diante da pressão internacional e da proximidade da COP30, que será sediada em Belém (PA) em novembro de 2025.
Reações e riscos constitucionais
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) classificou o projeto como “genocida e inconstitucional”, alertando para a legalização da invasão e degradação dos territórios indígenas.
Juristas apontam que o PL viola o artigo 231 da Constituição Federal, que estabelece que a exploração de recursos minerais em terras indígenas, embora só pode ocorrer com autorização do Congresso Nacional, e mediante consulta às comunidades afetadas.
Além disso, o projeto contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, que exige consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas antes da implementação de qualquer medida legislativa ou administrativa que as afete diretamente.
A aprovação do PL 6.050/2023 pela Comissão de Direitos Humanos do Senado representa mais um capítulo da ofensiva legislativa que busca flexibilizar normas ambientais e enfraquecer os direitos dos povos originários.
A proposta, que pode avançar rapidamente ao plenário, reacende o alerta sobre o desmonte institucional das garantias constitucionais e coloca em xeque o compromisso do Estado brasileiro com a proteção socioambiental.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador