Comida de pobre

Rafael Jasovich*

Os amigos decidiram se reunir para um almoço de domingo. Como o dinheiro anda escasso para todos, combinaram de fazer um prato barato: pé e pescoço de galinha com batatas e cenoura.

Desse almoço eu podia participar, pois fazia parte do meu cardápio permitido pela saúde física e monetária.

Fui comprar 2 kg de pé e 2 de pescoço. Por incrível que pareça a compra deu R$ 45, fora cebola, alho, cheiro verde, batata e cenoura, perfazendo um total de R$ 70.

A bebida cada um levou o que ia consumir. Eu levei água mineral com gás e uma garrafinha de cachaça branquinha.

Reunimos-nos às dez da manhã na casa de quem tem a maior cozinha.

Primeiro cortamos as unhas dos pés (da galinha). Mergulhamos juntamente com os pescoços numa marinada de cachaça, limão e alho em pó.

Em quanto um descascava o alho e a cebola cortando em pequenos pedaços, nossa amiga predileta descascava a batata e limpava a cenoura.

Fiz um comentário inocente (inocente?), perguntando: quem está altamente endividado, resultado de anos gastando acima da sua renda? Havia entre os presentes quem tinha dívida no banco já equivalente a quase um ano de trabalho.

Ele é um pai de família e vai ao supermercado fazer as compras do mês, mas como está sem dinheiro, acaba entrando no cheque especial. O problema é que se ele continua indo jantar em restaurantes caros e não quer cortar gastos. Sabemos que essa história vai acabar mal.

O Brasil hoje se parece muito com o personagem. Com gastos acima da arrecadação de impostos desde 2014, descontados os juros, o país hoje deve mais de 80% do PIB.

Isso mesmo aumentando impostos há décadas para cobrir gastos cada vez maiores. Ser um dos países com impostos (para os pobres trabalhadores, não para os riscos que recebem dividendos e não pagam impostos) e dívida mais elevados do mundo é uma das explicações do por que o país não cresce.

Entre risadas, todos concordaram.

Colocamos o alho e a cebola com um pouco de óleo na panela para dourar e depois os pés e pescoços de galinha com um pouco de sal e água até cobrir tudo. Daí era só esperar ferver.

Na briga entre o capitão presidente e o Guedes perderam os dois. O primeiro irritou o deus mercado e o segundo perdeu toda credibilidade, mas o apego ao cargo falou mais alto.

Chegou a hora de colocar a batata, a cenoura, um copo de vinho branco sobrevivente de outras época e duas colheres de molho de tomate   para dar cor.

Quem se ferrou na equação dos R$ 400 foi como sempre o povo mais pobre. Receberá o valor já desvalorizado pela inflação e na hora das compras verá que de nada adiantou.

Servimos a iguaria. Espalhamos por cima o cheiro verde e roemos até os ossinhos. Ficou bom, mas ainda é caro e daqui a pouco será o prato da classe média, se ela ainda existir.

*Rafael Jasovich é jornalista, advogado, membro da Anistia Internacional. E cronista nas horas de folga.

 

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