Com o russo em Berlim

Pôster da propaganda soviética na resistência à Alemanha Nazista

Foto: Reprodução/
BBC News

Carlos Drummond de Andrade

Esperei (tanta espera), mas agora,

nem cansaço nem dor. Estou tranquilo.

Um dia chegarei, ponta de lança,

                               com o russo em Berlim.

O tempo que esperei não foi em vão.

Na rua, no telhado. Espera em casa.

No curral; na oficina: um dia entrar

                               com o russo em Berlim.

Minha boca fechada se crispava.

Ai tempo de ódio e mãos descompassadas.

Como lutar, sem armas, penetrando

                               com o russo em Berlim?

Só palavras a dar, só pensamentos

ou nem isso: calados num café,

graves, lendo o jornal. Oh, tão melhor

                               com o russo em Berlim.

Pois também a palavra era proibida.

As bocas não dizem. Só os olhos

no retrato, no mapa. Só os olhas

                               Com o russo em Berlim.

Eu esperei com esperança fria,

calei o meu sentimento e ele ressurge

pisado de cavalos e de rádios

                               com o russo em Berlim.

Eu esperei na China e em todo canto,

em Paris, em Tobruk e nas Ardenas

para chegar, de um ponto em Stalingrado,

                               com o russo em Berlim.

Cidades que perdi, horas queimando

na pele e na visão: meus homens mortos,

colheita devastada, que ressurge

                               com o russo em Berlim.

O campo, o campo, sobretudo o campo

espalhado no mundo: prisioneiros

entre cordas e moscas; desfazendo-se

                               com o russo em Berlim.

Nas camadas marítimas, os peixes

me devorando; e a carga se perdendo,

a carga mais preciosa: para entrar

                               com o russo em Berlim.

Essa batalha no ar, que me traspassa

(mas estou no cinema,  e tão pequeno

E volto triste à casa: por que não

                               com o russo em Berlim?)

Muitos de mim saíram pelo mar.

Em mim o que é melhor está lutando.

Possa também chegar, recompensado,

                               com o russo em Berlim.

Mas que não pare aí. Não chega o termo.

Um vento varre o mundo, varre a vida.

Este vento que passa, irretratável,

com o russo em Berlim.

Olha a esperança à frente dos exércitos,

olha a certeza. Nunca assim tão forte.

Nós que tanto esperamos, nós a temos

                               com o russo em Berlim.

Uma cidade existe poderosa

a conquistar. E não cairá tão cedo.

Colar de chamas forma-se a enlaçá-la,

                               com o russo em Berlim.

Uma cidade atroz, ventre metálico,

Pernas de escravos, boca de negócio,

Ajuntamento estúpido, já treme

                               com o russo em Berlim.

Essa cidade oculta em mil cidades,

Trabalhadores do mundo, reuni-vos

para esmagá-la, vós que penetrais

                               com o russo em Berlim.

Estátua de Lênin em São Petersburgo (Foto: Reprodução/Getty

 

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