Colapso do sistema Pureza, com crescimento desordenado e instalação do DI, já era previsto desde a década de 80
Foto: Taquinho Silva/ Acervo: O Cometa
A primeira usina instalada no Distrito Industrial de Itabira ameaçou a mais importante estação de tratamento de água com resíduos industriais, principalmente enxofre e fósforo
A poluição do manancial da Pureza, que supre a estação de tratamento de água homônima, não é primazia da Minax.
É história que se repete como farsa, decorrente do erro histórico de se ter instalado o Distrito Industrial (DI) a montante da Estação de Tratamento de Água (ETA) da Pureza, em terreno desmembrado da fazenda do Capão, sem que fossem considerados os impactos ambientais que poderiam advir.
Foi o que mais uma vez se constatou com contaminação oleosa do manancial pela empresa Minax, empreiteira da Vale, que se instalou clandestinamente em Itabira.
Em julho de 1986, o jornal O Cometa Itabirano denuncia em manchete: Usina de ferro-gusa já está poluindo o manancial de água da cidade, em reportagem de Lelinho Assuero, transcrita a seguir:
Distrito Industrial de Itabira trouxe problema e não solução
Lelinho Assuero
“Nesta última semana do mês de julho, os itabiranos, nós – meros mortais, fomos surpreendidos com uma desagradável e insalubre surpresa: toda a água para consumo da cidade exalava um estranho odor dos mais repugnantes, o que levou a população a várias especulações sobre as possíveis causas da comprovada contaminação da água que deveria ser potável. Afinal, seria algum plano sinistro de envenenamento e extinção total, ou parcial, dessa dinâmica comunidade?”
Sinceramente, não sei, mas logo aventou-se da possibilidade de algum cadáver (humano ou não) ter sido lançado no ribeirão da Pureza, onde o Saae, órgão municipal responsável pela operacionalização e distribuição, realiza a captação de 70% da água consumida na cidade, o que corresponde a algo em torno de 90 mil pessoas.
Em entrevista com diretor do Saae, Sílvio Borges, constatou-se que o problema teve origem com o despejo de resíduos industriais, basicamente fósforo e enxofre sedimentados que escoaram até o manancial da Pureza, ‘devido a um erro de operação’ da recém-inaugurada Usina de Ferro-Gusa no Distrito Industrial de Itabira, lá pros lados do velho Capão.
Como medida imediata, Borges convocou os representantes da CVRD e CDI (Companhia dos Distritos Industriais) para examinarem e solucionarem o problema. Mas, desta água já bebemos…”.
Sem solução à vista
“A história da implantação do Distrito Industrial de Itabira remonta às administrações passadas. Voltemos um pouco atrás: Quando da construção do distrito, foi colocada a necessidade de construção de três redes: uma de água potável, um emissário de esgoto e outro para a proteção do manancial da Pureza.
Na oportunidade, segundo relato de Borges, observou-se que ‘a construção das três redes ficaria mais cara que a mudança do distrito industrial do local onde foi instalado’. Magníficos ‘planejadores municipais’.
Desta maneira, as pressões políticas começaram, inclusive no sentido de que qualquer mudança no programa de instalação do DI acarretaria dificuldades e atrasos na conclusão da obra.
Até hoje o emissário de água potável foi construído, o esgoto está em fase final, mas a terceira etapa, que seria a mais importante, a de proteção do manancial da Pureza, com finalidade de elevar a captação acima do distrito, nem sequer teve suas obras iniciadas.
Bastou, portanto que apenas uma indústria, no caso a de ferro-gusa, entrasse em funcionamento para que ocorresse o temido problema da poluição do manancial da Pureza.
O que esperar então, quando mais usinas por lá se instalarem e estiverem funcionando? Indagado a esse respeito, Borges afirmou ao Cometa que a situação tende a piorar.
Primeiro porque com o crescimento acelerado da cidade de Itabira, o único manancial com capacidade de ampliar a captação para o consumo é justamente o da Pureza, que no momento se vê ameaçado.
Outro aspecto importante, referente ao Distrito Industrial é quanto às águas pluviais, já que não existe nenhum sistema de captação e que, inevitavelmente carrearão os detritos industriais dos pátios e oficinas diretamente para o manancial. ‘E que ninguém venha dizer que isso não vai ocorrer, porque vai’, afirma Silvio Borges.
A cada dia o problema complica. Os custos financeiros para correção dos erros do passado (não há responsáveis?) se avolumam, as chuvas se aproximam e as partes envolvidas (Prefeitura, Vale, CDI) não se propõem a colocar em prática desde já as soluções cabíveis.
Concluindo: ou Itabira protege o manancial da Pureza ou teremos um colapso definitivo do fornecimento de água nesta cidade.
As distâncias de outros mananciais são tão grandes que se não fosse pelo elemento água (e sem ela ninguém vive) jamais seriam projetos viáveis: as cifras atingiriam proporções astronômicas.
Portanto, tratemos de salvar o pouco que nos restou, pelo menos para que as gerações futuras não nos acusem de incompetência e… burrice.”
Tinturaria
Pouco depois dessa ocorrência, uma indústria de tinturaria nem bem havia se instalado no DI e despejou uma grande quantidade de tinta no córrego, poluindo o manancial.
A água contaminada só não chegou à população por ter, naquela ocasião, volume considerável de água ainda estocada nos reservatórios, dando tempo ao Saae de corrigir o problema.
Em setembro de 1986, o professor Radamés Teixeira, então assessor especial de Planejamento Urbano da Prefeitura de Itabira, fez vários alertas sobre a ameaça do Distrito Industrial em relação ao manancial da Pureza, em entrevista concedida também a Lelinho Assuero, do jornal O Cometa Itabirano.
Leia trechos:
A eterna questão da água
“Hoje 70% da água consumida em Itabira vem do manancial da Pureza, imagine quando o Distrito Industrial atingir uma dimensão maior, com mais indústrias? De onde virá a água para a cidade com essas dimensões?”, perguntou o professor Radamés.
Para ele, a saída talvez poderia ser, em uma situação de emergência, a Companhia Vale do Rio Doce ceder água do Rio de Peixe para ser tratada, “mas com tanto ‘fino’ de minério, não sei se isso é viável”.
Sobre a instalação do Distrito Industrial no Capão, Radamés Teixeira também considera “desastrosa” a escolha do local, mas afirma que existem meios para equacionar o problema, ainda que a um custo muito alto.
Para isso, o assessor da PMI considera a possibilidade de passar a captar a água para tratamento a montante do Distrito Industrial.
“É só elevar a captação, estendendo-se uma adutora. Vai se gastar muito dinheiro que não deveria ser gasto, agora como é irremediável, vamos ter que fazer”, acrescentou. Mas nada disso foi feito.
“Todos os problemas criados lá (a poluição pela usina de ferro-gusa) passam pela má localização do Distrito. O problema da contaminação da água, o gosto da água, até que se encontre a solução definitiva, é fazer uma barragem de contenção”, propôs o professor, que prosseguiu:
“Agora, se for mantida a mesma situação, o problema é grave. Não podemos esquecer que o manancial da Pureza precisa de um cuidado especial, principalmente uma proteção com plantio de mata nativa em suas margens.”
Segundo ele, a lei municipal número 2205 prevê que Itabira deve dispor de um plano geral de proteção dos mananciais e a Prefeitura de Itabira tem um instrumento legal para isso.
“O que nós precisamos saber é o seguinte: qual vai ser essa proteção. Existe uma política ambiental mais permanente, mais ampla, mais definitiva em Itabira?”, ele quis saber, sem vislumbrar resposta.
Profecia
A entrevista prosseguiu na edição de outubro de 1986, com o professor Radamés Teixeira fazendo prognósticos sombrios para o abastecimento de água em Itabira, dependente da Pureza, tendo o Distrito Industrial a montante.
“É princípio elementar de ecologia urbana que as limitações do abastecimento de água de qualquer cidade detêm o crescimento. Assim, nenhuma fonte disponível pode ser negligenciada, sob pena de colapso na oferta de água potável ou para uso na indústria, guardada a subordinação absoluta dessa para aquela, como exigência axiológica segundo a qual os valores vitais têm proeminência sobre os utilitários.”
De acordo com o professor, para solucionar a questão da água em Itabira (isso em 1986!), nenhuma alternativa deve ser deixada de lado, dada a urgência em resolver essa questão que permanece nos dias atuais.
Solução que só deve ocorrer com a captação e transposição da água do rio Tanque, alternativa sempre protelada pela Vale, que detém um quase monopólio das outorgas em Itabira.
O argumento era de que sobraria água dos aquíferos com a exaustão das Minas do Meio. Entretanto, com o inexorável fim ocorrendo desde 2016, com a exaustão da mina Chacrinha, essa alternativa nao se transformou em solução para o abastecimento na cidade, à exceção das Três Fontes que abastecem os bairros Pará e os mais centrais.
“Nem a Camarinha (fonte antiga de abastecimento na cidade, desativada pela Vale), nem Borrachudo (outra fonte existente no passado, inviabilizada pela mineração), nem Ribeirão São José (fonte da antiga usina hidrelétrica), nem tão pouco outras menores, podem ser descuidadas”, alertou o professor. “Todas merecem e precisam ser recuperadas e protegidas.”
Mas nada disso aconteceu. Itabira não mais dispõe dos mananciais da Camarinha e Borrachudo, assim como perdeu para a mineração também as fontes do Pará. A solução para o abastecimento público, passadas quase três décadas, ainda não aconteceu.
Segundo o Ministério Público, a captação do rio Tanque só deve ser concretizada em 2026. Enquanto isso, Pureza definha, sofre com a poluição do mesmo Distrito Industrial que não trata adequadamente os seus efluentes industriais. E com as ocupações que vieram depois a montante, com lançamentos de esgoto nos afluentes.
E a população itabirana continua consumindo uma água que, embora tratada, sempre acaba tendo algum contaminante proveniente da falta de proteção e tratamento de efluentes domésticos e industriais, como também pela omissão histórica das autoridades municipais que nunca encararam a solução desses problemas de forma definitiva.
Portanto, é resultado também da incúria humana, como se viu com o crime ambiental da Minax, empreiteira da Vale que se instalou clandestinamente em Itabira sem alvará de localização, plano de negócios para estar no Distrito Industrial – e sem licença ambiental.
Enquanto isso, a população sofre com as consequências dessas omissões históricas, com o quase colapso total do sistema Pureza, conforme foi previamente anunciado como possível de virar realidade pelo professor Radamés Teixeira e por Sílvio Bortes.
Para saber mais sobre o colapso e a alternativa para o abastecimento de água em Itabira, acesse:
Água do rio Tanque só deve começar a jorrar nas torneiras de Itabira em 2026, diz promotora
Com a disposição de rejeitos nas Minas do Meio, Itabira pode perder o legado da água dos aquíferos