Codema mantém multa milionária à Vale por poluição do ar em Itabira com pó preto carregado de partículas de minério de ferro

A decisão foi aprovada por unanimidade. Entretanto, cinco conselheiros (foto em destaque) votaram pela redução de até 30% no valor da multa, mas foram vencidos

Fotos: Carlos Cruz

Conselho rejeita recurso da mineradora e reforça autonomia do município para aplicar sanções ambientais. Empresa é acusada de recorrer sistematicamente para adiar pagamento de multas que se acumulam

O Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) de Itabira rejeitou por unanimidade, nessa sexta-feira (17), em reunião mensal do órgão ambiental municipal, no auditório do Centro de Educação Ambiental (CEA), no Parque do Intelecto, o recurso apresentado pela Vale contra multa de R$ 7.128.160,00 aplicada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Proteção Animal (Semmapa) por emissão excessiva de partículas de minério de ferro – o pó preto – em 10 de agosto de 2024 sobre a cidade.

A penalidade, inicialmente fixada em R$ 6.812.800,00, foi atualizada com correção monetária e mantida em segunda instância, no caso, o Codema.

A decisão reforça a autonomia do município para fiscalizar e aplicar sanções ambientais com base em sua legislação própria, construída a partir de estudos técnicos e da realidade geográfica e ambiental de Itabira – uma cidade cercada por montanhas carcomidas pela mineração, sob o impacto de um dos maiores complexos mineradores do país, embora oficialmente seja considerado estabelecido na zona rural.

Defesa da Vale questiona competência municipal
A advogada da mineradora, Mariana Vasconcelos, defendeu a nulidade do auto de infração. E atribuiu atribuiu o episódio de poluição a fatores externos, como seis focos de incêndio registrados no mesmo dia e ventos desfavoráveis

Durante a reunião, a advogada da mineradora, Mariana Vasconcelos, apresentou sustentação oral em que defendeu a nulidade do auto de infração. “De forma alguma estamos dizendo que o município é incompetente como fiscal. Mas, à luz da Lei Complementar 140/2011, entendemos que a autuação caberia ao Estado, por ser o órgão licenciador”, afirmou.

A defesa também alegou que o valor registrado na estação E11 (Vila Paciência) de 162,9 microgramas por metro cúbico (µg/m³) de Partículas Totais em Suspensão (PTS), estaria abaixo do limite de 240 µg/m³ previsto pela Resolução Conama nº 506/2024 e pela Deliberação Normativa Copam nº 248/2023.

“O município hoje pratica algo diferente do que a Federação e o Estado praticam”, disse, referindo-se à Deliberação Normativa Codema nº 02/2022, que estabelece um limite mais restritivo de 150 µg/m³ para PTS em 24 horas.

A advogada ainda atribuiu o episódio de poluição a fatores externos, como seis focos de incêndio registrados no mesmo dia e ventos desfavoráveis. “Tudo isso deveria ser considerado, e não apenas imputar à empresa essa responsabilidade”, argumentou.

Por fim, solicitou que, caso o recurso fosse rejeitado, fosse aplicada atenuante de 30% sobre o valor da multa, alegando que a empresa mantém medidas rigorosas de controle ambiental, como uso de nebulizadores, aplicação de polímeros em taludes e revegetação de áreas mineradas.

“A legislação é diferente porque o território é diferente”
Elaine Mendes, ao centro, rebateu os argumentos da defesa da Vale: “Quando olhamos para o céu, vemos nuvens carregadas de poeira. Mas os dados (do automonitoramento realizado pela Vale) nem sempre refletem essa realidade.”

A presidente do Codema e secretária municipal de Meio Ambiente, Elaine Mendes, rebateu com firmeza os argumentos da Vale. “É muito duro ouvir que Itabira não tem competência para fiscalizar. A própria empresa participou da construção da legislação municipal. Partiu daqui, foi para a Câmara, e agora dizem que não pode mais, que não tem validade”, afirmou.

Elaine destacou que a legislação local foi construída com base em estudos técnicos e na realidade de um município que convive há mais de 80 anos com a mineração em seu perímetro urbano, isso embora a atividade seja oficialmente considerada localizada na zona rural de Itabira. “A legislação é diferente porque o território é diferente. Sofremos danos diferenciados em razão da mineração”, disse

Ela também criticou a ausência de apresentação, por parte da empresa, do levantamento das fontes poluidoras internas, prometido há mais de um ano, além das medidas mitigadoras adotadas para atenuar a poluição por partículas de minério em suspensão. “Quando olhamos para o céu, vemos nuvens carregadas de poeira. Mas os dados (do automonitoramento realizado pela Vale) nem sempre refletem essa realidade. Somos vizinhos da mina e sofremos as consequências dessa poluição”, ressaltou.

Decisão

Após ampla discussão, o recurso da Vale foi rejeitado por unanimidade pelos 19 conselheiros presentes. O pedido de atenuante obteve cinco votos favoráveis, mas não foi suficiente para alterar o valor integral da multa.

A decisão reforça a legitimidade da legislação ambiental municipal e marca mais um capítulo na longa e desigual convivência entre Itabira e a mineração. Trata-se de uma relação histórica danosa à cidade e que precisa ser transformada.

Para isso, exige-se mais do que relatórios técnicos e recursos judiciais. Exige compromisso público, investimento direto e respeito à cidade que há décadas paga o preço da riqueza que não retém nem mesmo na forma de impostos, cada vez mais escassos, e royalties, em volume insuficiente para viabilizar a transição de uma economia centrada na monoindústria extrativa exportadora para a tão necessária – e sempre adiada diversificação econômica.

Só assim Itabira poderá se tornar, de fato, um “case” de sucesso, como gosta de apregoar o prefeito Marco Antônio Lage (PSB), que ainda se mantém crédulo quanto às “boas intenções da Vale” para com a cidade que lhe deu a acumulação primitiva de capital para crescer e se tornar a grande multinacional de mineração que hoje é.

Procrastinação judicial e histórico de impunidade
Leandro Abranches, conselheiro do Codema pela Procuradoria Jurídica da Prefeitura: “a Vale já recorreu de multas anteriores por poluição do ar e perdeu em primeira e segunda instância. Mas ainda não pagou.”

O advogado Leandro Abranches, conselheiro do Codema pela Procuradoria Jurídica da Prefeitura, foi direto. “A Vale já recorreu de multas anteriores por poluição do ar e perdeu em primeira e segunda instância. Mas ainda não pagou, devendo procrastinar com novos recursos em instância superior, em Brasília.”

Segundo ele, os recursos judiciais em curso tratam apenas de questões de direito, não dos fatos já comprovados. “Não há inconstitucionalidade na norma municipal. Se não houver multa do Estado, o município pode aplicar sua norma mais restritiva.”

Essa tem sido uma estratégia recorrente da mineradora: recorrer indefinidamente para postergar o pagamento de multas que se acumulam há anos.

Dívidas ambientais que se arrastam há décadas
A Serra do Esmeril foi inteiramente desmatada na década de 1980 para a abertura das Minas do Meio, sem que a Vale implementasse medida compensatória por essa perda ambiental incomparável (Foto: Tibor Jablonsky/Ney Strauch/IBGE)

Se a empresa desejasse de fato, como vem propalando, melhorar sua relação com a cidade onde iniciou suas atividades extrativista em 1942, e de onde já extraiu mais de 2 bilhões de toneladas de minério de ferro, deveria adotar outra postura.

Mesmo com suas operações localizadas na “zona rural”, as minas da Vale dividem parede-meia com a área urbana, despejando historicamente partículas de pó preto carregado de minério em suspensão sobre a cidade.

A reparação por todos esses danos, no entanto, nunca veio mesmo tendo o órgão ambiental estadual, no caso a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), historicamente omisso e conivente com a atividade predatória, considerado como tendo sido executadas todas as condicionantes da Licença de Operação Corretiva de 2000 — que de corretiva só tem o nome, uma vez que os impactos ambientais persistem e foram agravados ao longo dos anos.

A Serra do Esmeril, por exemplo, permanece até hoje descaracterizada em quase toda sua extensão, sem a reabilitação necessária das áreas mineradas — e nem mesmo compensação por toda vegetação natural que foi suprimida em meados da década de 1980 para abertura das Minas do Meio.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 1993, como desdobramento de ação civil pública de 1985, jamais foi integralmente cumprido. E o “pó preto” continua a cair sobre a cidade, como um lembrete diário de que a dívida ambiental da mineração com Itabira está longe de ser quitada.

Um pacto pela sustentabilidade futura da cidade minerada

Se quisesse mesmo virar a página, a Vale poderia reunir todas as ações ambientais que responde na Justiça local e propor um amplo acordo de reparação.

Para isso, poderia alocar, sem recorrer judicialmente, esses recursos significativos oriundos das multas, e também de outras obrigações legais e das ações ambientais de reparação em curso, para projetos estruturantes de compensação e reparação, já antecipando o que será obrigação com o futuro descomissionamento do complexo minerador.

Mesmo que esse horizonte de exaustão se estenda para além de 2041, data oficial apresentada pela própria empresa à Bolsa de Valores de Nova York, o momento de agir é agora, enquanto dá tempo de se fazer essa reparação ainda com o complexo minerador em atividade.

A empresa poderia, por exemplo, em um rasgo de generosidade e reconhecimento de seus danos atuais e passados, destinar parte desses recursos ao programa Itabira Mais Verde, que busca tirar o município do rol das cidades menos arborizadas do país – um ranking que envergonha a terra de Drummond, cercada por minério, poeira e ausência de sombra que refresca e melhora a qualidade ambiental na cidade minerada.

Poderia, ainda, investir parte desses recursos, que não devem ser poucos, mas proporcionais aos danos ambientais acumulados ao longo dos anos, nas ações previstas no projeto Itabira Sustentável, lançado com toda pompa e circunstância em 30 de novembro de 2023 pela Prefeitura, em parceria com a mineradora e a consultoria internacional da Arcadis, mas que até hoje muito pouco saiu do papel, permanecendo as sempre adiadas “boas intenções e promessas vãs”.

Utópico, sabemos que é. Mas é a partir das utopias que a história avança para tornar realidade o que antes era considerado impossível. Que assim seja. Esse é o fio de esperança que ainda resta para a cidade minerada já quase à exaustão, e que segue, lamentavelmente, presa à dependência de uma única atividade econômica extrativista e exportadora de minério de ferro.

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